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A gestão de um projeto de pesquisa vista sob a ótica da TAR mostra que a ciência para ser produzida depende das associações estabelecidas em rede, envolvendo diferentes parcerias, sendo, portanto, uma construção coletiva (LATOUR, 1994; 2000; 2001; CALLON, 1991; 1992).

O projeto GeoMS envolveu assim uma rede heterogênea de atores incluindo institutos públicos de pesquisa (INPE; Embrapa), universidades (UFMS), organismos financiadores (IMASUL), organismos governamentais (FUNAI; INCRA; IBGE), usuários (cooperativas; associações; fundações; consultores ambientais; técnicos do IMASUL) e empresas privadas (Nexen), conforme mostra a figura 1089.

89 Nossa intenção não é apresentar este desenho como representante da totalidade das relações, associações e alianças

identificadas no estudo, pois isso seria impossível. Busca-se aqui apresentar um primeiro esboço da composição dessa rede ao leitor, já que descrevemos densamente situações e conflitos ao longo do estudo etnográfico envolvendo os atores e, ainda, discutiremos as relações no contexto destas descrições nas seções seguintes.

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Fonte: Elaboração própria a partir de Barbosa (2012).

Neste contexto visual e simplificado de interação entre os atores, é possível caracterizar esta rede como uma Rede Tecno-Econômica – RTE (CALLON, 1991; 1992), já que pode ser caracterizada por um conjunto coordenado de atores heterogêneos: laboratórios públicos, centros de pesquisa tecnológica, firmas, organizações financiadoras, usuários, representantes do Governo, bem como, objetos e artefatos, que participam coletivamente do desenvolvimento e da difusão de inovações (neste caso o Sisla) a partir de três grandes pólos: científico, tecnológico e de mercado (CALLON, 1991; 1992).

O polo científico caracteriza-se pela produção de conhecimento científico gerado no âmbito da execução do projeto GeoMS, na forma de publicações diversas (artigos, notícias em jornais, relatórios e manuais técnicos) e também de conhecimento envolvendo documentos de trabalho (relatórios do projeto) e artefatos técnicos (softwares, mapas, imagens, Sisla)90.

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Até a finalização do estudo etnográfico, verificamos que foram feitas 43 (quarenta e três) publicações em meio à execução do projeto que foram apresentadas em congressos da área de Geotecnologias assim como publicadas em revistas técnicas, documentos da Embrapa e divulgadas em jornais de grande circulação do Estado do Mato Grosso do Sul assim em sites. Elaborou-se ainda 9 (nove) relatórios (técnicos e administrativos) entre o período de 2008 a

INPE UFMS Nexen FUNDAPAM ONGs/Associações Organismos Governamentais (INCRA, FUNAI...) Usuários IMASUL Embrapa Informática Agropecuária Embrapa Gado de Corte

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O polo tecnológico é caracterizado pela concepção e desenvolvimento de objetos técnicos (ex.: Sisla; SIRIEMA), o que, no caso do Projeto GeoMS, pode ser representado pela geração da tecnologia Sisla assim como o SIRIEMA. Um sistema que interage com o Sisla que foi gerado pela Nexen Tecnologia.

O polo de mercado, por sua vez, corresponde ao universo de usuários, o que no caso do Sisla/SIRIEMA, envolve técnicos do IMASUL, secretarias de Estado, consultores ambientais, proprietários rurais, estudantes e demais interessados da sociedade em utilizar o sistema. Conforme dados acessados em nosso estudo, identificou-se que, entre abril de 2010 e novembro de 2011, 50 mil usuários acessaram o sistema, próximo a três mil acessos mensais (SILVA et al, 2011b). Dentre as principais finalidades de uso do sistema, listamos: licenciamento ambiental, pesquisa, projetos ambientais e consultoria.

De forma sintética, estes polos e atores mobilizados podem ser assim representados:

Quadro 3 - Polos científico, tecnológico e de mercado da rede do GeoMS Polo Científico Polo Tecnológico Polo de Mercado Embrapa Informática

Agropecuária,

Embrapa Gado de Corte no Mato Grosso do Sul Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, INPE

IMASUL (especialistas ligadas ao

geoprocessamento)

Secretarias de governo do Mato Grosso do Sul, Empresa NEXEN

Tecnologia (estruturou um sistema (SIRIEMA) para o Estado que trabalhava em sintonia com o Sisla)

Técnicos do Imasul em suas atividades;

Produtores e associações, buscando informações para suas propriedades;

Rede de Extensão Rural visando apoiar suas ações; Secretarias de Governo estaduais e municipais; Universidades públicas e estudantes;

Empresas privadas de consultoria ambiental que elaboram pareceres/laudos; Pesquisadores de

instituições públicas ou privadas necessitando de dados e informações sobre licenciamento ambiental no Mato Grosso do Sul. Fonte: Elaboração própria a partir de Callon (1992).

A partir dos vários atores que participaram da rede e da dinâmica estabelecida pelos

2012. A equipe ainda trabalhava no georreferenciamento das imagens de forma a finalizaras imagens para conclusão do banco de dados do Sisla.

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mesmos, permitiu-se um elevado ambiente de colaboração e interação (CALLON et. al., 1992), sendo que a coordenação efetuada pela Embrapa Informática Agropecuária foi vista como de fundamental importância para o sucesso do projeto, conforme foi dito pelo gerente do IMASUL, em entrevista afirma que a parceria funcionou bem em virtude de que o gestor sempre estava presente e agilizava o andamento, atribuindo o sucesso do projeto a essa interação.

Assim, esta coordenação teve na figura do líder do projeto um ponto forte, o que reforça a importância das competências e das habilidades dos líderes de projetos para motivar e integrar as equipes de projetos, conforme observado por Bambini (2011) ao estudar uma rede de pesquisa da Embrapa.

Neste projeto, a competência relacional do líder do GeoMS para interagir com diversos públicos, seja no âmbito estadual, municipal ou federal, foi vista como importante para estabelecer uma boa relação de confiança entre os atores mobilizados para a rede do projeto. Trataremos, no subitem seguinte, destas competências do gestor de agregar a equipe, interagir com parceiros e mobilizar aliados, no que diz respeito às estratégias de translação envolvidas nesta competência que foram identificadas em diversas situações do estudo etnográfico.

Apesar desta visão sobre o papel central de liderança do gestor, não se quer ressaltar unicamente esta figura como de maior importância para a rede, pois foi possível verificar um ambiente de construção coletivo onde vários interesses foram transladados e que ações foram realizadas, fazendo com que o projeto GeoMS fosse executado em meio a interesses diversos, os quais foram sendo deslocados e adaptados à construção do principal produto do projeto, o Sisla. O que se quer mostrar é o quanto os cientistas devem, ao mesmo tempo, coletar dados, analisar imagens, fazer sistemas e softwares funcionarem, convencer colegas, despertar interesses de políticos e dar ao público uma imagem positiva de suas atividades (LATOUR, 2001, p. 117), o que revela uma grande complexidade e valor desta ação.

Desta maneira, pretendemos evidenciar o ambiente de construção que se deu a partir de redes de translação, envolvendo redes compostas de nós ou pontos (atores), onde atores são quaisquer entidades humanas ou não humanas capazes de agregar elementos heterogêneos em redes (LATOUR, 1986)91.

91 Uma rede de atores não é redutível a um ator sozinho; nem a uma rede, mas composta de séries heterogêneas de

elementos, animados e inanimados conectados, agenciados. Ela é simultaneamente um ator, cuja atividade consiste em fazer alianças com novos elementos, e uma rede capaz de redefinir e transformar seus componentes (FREIRE,

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Compõem também estas redes, os porta-vozes, que Latour caracteriza como intermediários, que viabilizam o fluxo de informações de humanos e não humanos na rede. Este papel de porta-voz é atribuído ao gestor do projeto. A literatura teórica e tecnocientífica produzida (artigos, notas, tabelas, gráficos, imagens, relatórios elaborados pelos cientistas) possibilitam que as traduções realizadas pelos equipamentos sejam condensadas e expressas em documentos; as competências (cientistas), responsáveis pela verbalização de todo o processo.

Na rede existem, também, os pontos de passagem obrigatórios que podem ser um ator que ocupa a posição de articulador principal ou um local que por suas características é vital dentro da dinâmica do funcionamento da rede (CALLON, 1986; LATOUR, 1994), o que neste estudo demonstrou ser o líder do projeto GeoMS, a equipe do IMASUL envolvidos na formatação do Sisla, em especial o próprio Sisla, a partir de onde várias discussões foram mobilizadas conforme veremos nas descrições que virão a seguir.