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Gojchbarg, em seu comentário ao Código Civil da URSS, salienta que os juristas burgueses progressistas estão começando a considerar a proprie­

CAPÍTULO III RELAÇÃO E NORMA

71. Gojchbarg, em seu comentário ao Código Civil da URSS, salienta que os juristas burgueses progressistas estão começando a considerar a proprie­

dade privada não mais como um direito subjetivo arbitrário, mas sim como um bem posto à disposição da pessoa. Ele se refere diretamente a Duguit, o qual afirma que o possuidor do capital só deve ser juridicamente passível de proteção apenas porque exerce, mediante justas colocações do seu capital, fun­ ções socialmente úteis.

Tais considerações dos juristas burgueses são com efeito características, pois revelam o sintoma do declínio da época capitalista. Mas a burguesia, por outro lado, somente tolera tais considerações acerca das funções sociais da propriedade, porque elas em nada a comprometem. Antítese real da proprie­ dade não é efetivamente a propriedade concebida como função social, mas a economia planificada socialista, isto é, a supressão da propriedade. A proprie­ dade privada não encontra seu sentido, seu subjetivismo, no fato de “cada um comer o seu próprio pão”, isto é, não consiste no ato de consumo individual,

mesmo que igualmente produtivo, mas na circulação, no ato de apropriação e de alienação, na troca de mercadorias em que o fim econômico-social não é senão o resultado cego de fins privados e de decisões privadas aiitônomas.

A explicação de Duguit, mediante a qual o proprietário deve ser prote­ gido apenas quando cumpre as suas obrigações sociais, não tem, sob esta form a geral, qualquer sentido. No Estado burguês é uma hipocrisia, no Estado pro­ letário é uma dissimulação dos fatos. Porque se o Estado proletário pudesse relegar diretamente cada proprietário à sua função, já o teria feito tomando aos proprietários o direito de dispor da própria propriedade. Porém, se econo­ micamente é incapaz disso, ele deve proteger o interesse privado como tal e fixar-lhe apenas certos limites. Seria ilusório afirmar que qualquer indivíduo que tenha conseguido dentro das fronteiras da União Soviética acumular uma certa quantidade de dinheiro, é protegido pelas nossas leis e pelos nossos tri­ bunais apenas porque encontrou ou encontrará uma utilização social proveitosa para a quantia acumulada. Aliás, Gojchbarg parece ter esquecido completa­ mente a propriedade como capital, considerada na sua forma mais abstrata, monetária, raciocinando como se o capital não existisse a não ser sob a form a concreta de capital de produção. Os aspectos anti-sociais da propriedade pri­ vada não podem ser paralisados senão de feto, ou seja, mediante o desenvol­

vimento da economia planificada socialista em detrimento da economia de mercado. Porém, nenhuma espécie de fórmula, ainda que seja tirada das obras dos mais progressistas juristas da Europa Ocidental, pode tornar socialmente úteis os contratos jurídicos firmados com base em nosso Código Civil e trans­ formar cada proprietário em uma pessoa exercendo uma função social. Tal supressão verbal da economia privada e do direito privado tende apenas a obscurecer a perspectiva da sua supressão real.

vez que ele consiste, em última instância, nos interesses materiais, que existem independentemente da regulamentação externa, ou seja, consciente, da vida social.

O sujeito como portador e destinatário de todas as pretensões possíveis, o universo de sujeitos ligados uns aos outros por preten­ sões recíprocas, é que formam a estrutura jurídica fundamental que corresponde à estrutura econômica, isto é, às relações de produção de uma sociedade alicerçada na divisão do trabalho e na troca,

A organização social que dispõe dos meios de coação é a totali­ dade concreta a que devemos nos conduzir depois de termos conce- bido previamente a relação jurídica em sua forma mais pura e mais simples, A obrigação, enquanto conseqüência de um imperativo ou de um comando, aparece, por conseguinte, no estudo da forma jurídica, como um momento que concretiza e complica as coisas. Em sua forma mais abstrata e mais simples, a obrigação jurídica deve ser considerada como o reflexo e a contrapartida da pretensão jurídica subjetiva. Se analisarmos a relação jurídica, veremos claramente que a obrigação não pode esgotar o conteúdo lógico da forma jurídica. E ainda mais, ela não é sequer um elemento autônomo dessa forma jurídica. A obrigação surge sempre com o reflexo e a contrapartida de um direito subjetivo. A dívida de uma das partes não é senão aquilo que pertence a outra e lhe é garantido. Aquilo que é um direito do ponto de vista do credor constitui uma obrigação do ponto de vista do devedor. A categoria de direito só se completa logicamente quando inclui o portador e o detentor do direito cujos direitos repre­ sentam somente as obrigações correspondentes de outrem para com ele. Esta natureza dupla do direito é particularmente salientada por Petrazickij, que lhe dá um fundamento bastante precário na sua teoria psicológica ad hoc. Entretanto, faz-se necessário notar que estas rela­ ções recíprocas entre o direito e a obrigação foram formuladas de maneira muito precisa por outros juristas não suspeitos de psicolo- gismo

Assim, a relação jurídica não nos mostra apenas o direito em seu movimento real, mas revela igualmente as propriedades caracte­ rísticas do direito como categoria lógica. A norma, ao contrário, en­ quanto tal, isto é, enquanto prescrição imperativa, constituí tanto ura elemento da moral, da estética, da técnica, como também um ele­ mento do direito.

7 2 . Cf,, por exemplo, Merkel. Juristische Enzyclopädie. Leipzig, 1885, §

A diferença entre a técnica e o direito não consiste de modo algum, como pensa J. Alekseev, no fato de a técnica pressupor um fim exterior a sua própria matéria, enquanto na ordem jurídica todo sujeito constitui um fim em si Demonstraremos mais à frente que, para a ordem jurídica, ''o fim em si” é somente a circulação das mercadorias. Contudo, no que concerne à técnica do pedagogo ou do cirurgião, que tem respectivamente, por matéria, uma o psiquismo da criança e a outra o organismo do paciente, ninguém poderá contestar que a matéria, também aqui, contém em si o fim.

A ordem jurídica diferencia-se de qualquer outra espécie de or­ dem social, precisamente no que concerne aos sujeitos privados isola­ dos. A norma jurídica deve a sua especificidade, que a diferencia da totalidade das demais regras morais, estéticas, utilitárias etc., justa­ mente ao fato de pressupor uma pessoa munida de direitos fazendo valer, através deles, suas pretensões

A tendência para fazer da idéia de regulamentação externa o momento lógico fundamental do direito leva-nos a identificar o direito com a ordem social estabelecida autoritariamente. Tal tendência do pensamento jurídico reflete exatamente o espírito desta época em que a ideologia de Manchester e a livre concorrência sucumbiram aos grandes monopólios capitalistas e à política imperialista.

O capital financeiro dá muito mais valor a um poder forte e à disciplina do que '"aos direitos eternos e intocáveis do homem e do cidadão" O proprietário capitalista, transformado em recebedor de dividendos e de lucros de bolsa, não pode deixar de encarar, sem um certo cinismo, o "direito sagrado de propriedade" É suficiente citar as divertidas lamentações de Ihering quanto à "desprezível especula­ ção na bolsa e à agiotagem fraudulenta'' onde sucumbe o sentimento normal do direito"

É fácil provar que a idéia da submissão incondicional a uma autoridade normativa externa não tem a mínima relação com a forma jurídica. Basta, para isso, pegar como exemplos casos limites que por esse fato são mais claros. Tomemos o exemplo de uma formação militar na qual numerosos homens se encontram subordinados a uma ordem comum, e onde o único princípio ativo e autônomo que preva­ lece é a vontade do comandante. Ou ainda o exemplo da ordem dos Jesuítas onde todos os irmãos da comunidade religiosa obedecem cegamente e sem discussão a vontade do superior, Estes exemplos são suficientes para se concluir que quanto mais e de maneira coeren-