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2. Da Guerra Híbrida: Apresentação Teórica e Evolução do Conceito

2.5. As Ferramentas de Emprego da Guerra Híbrida

2.5.2 Guerras Não Convencionais

Nesta seção serão abordados os principais tópicos referentes as guerras não convencionais, no entanto, não iremos nos estender sobre seus componentes devido a este instrumento da guerra híbrida não se expressar no caso brasileiro. Ainda assim, se considera válido apresentar o fenômeno neste trabalho devido a sua importância dentro do conceito de guerra híbrida e de sua aplicabilidade em outros fenômenos de conflito híbrido, inclusive na região da América do Sul.

As guerras não convencionais são definidas como um fenômeno derivado de um conflito já existente, sendo praticada por forças militares desvinculadas de um Estado-nação que seguem ordens de um Estado em específico para realização de seu interesse estratégico (PETIT, 2012).

Suas forças militares são identificadas como forças clandestinas ou irregulares que não possuem ligação explícita com uma entidade política convencional, tendo como exemplo forças especiais, combatentes híbridos, mercenários, organizações terroristas, milícias, movimentos de libertação nacional, e outros grupos que vendam seu emprego de força para entidades políticas (KORYBKO, 2018). Por não utilizar elementos formais da guerra, as guerras não convencionais são vistas como assimétricas, imprevisíveis e caóticas, sendo conduzidas a aplicar danos tangíveis ao adversário alvo.

Dentro do fenômeno da guerra híbrida, as guerras não convencionais são consideradas como uma evolução das revoluções coloridas, sendo aplicadas após a falha dos movimentos de libertação nacional organizados pelas revoluções coloridas. Enquanto as revoluções coloridas são caracterizadas como ‘golpe brando’, por não gerar danos materiais ao adversário alvo, as guerras não convencionais são consideradas como o ‘golpe rígido’ do conflito híbrido, possuindo caráter letal em sua aplicação e potencial para a violência sistemática (KORYBKO, 2018; PENIDO; STÉDILE, 2021).

O histórico da guerra não convencional não é recente, ela fora amplamente empregada durante a Guerra Fria. Os Estados Unidos financiaram grupos paramilitares no Tibete e na Nicarágua para efetivar trocas de regimes (LEIRNER, 2020a). Além disso, a CIA realizou mais de cinquenta operações para golpear governos não favoráveis aos interesses estadunidenses

(BLUM, 2004). Em 1980, os Estados Unidos apoiaram através de recursos bélicos e econômicos grupos anticomunistas na Angola, Etiópia e Afeganistão (KORYBKO, 2018).

Na contemporaneidade, com o fim da Guerra Fria, é possível observar que a atividade de grupos terroristas cresceu no cenário internacional. Isso deve-se aos impactos da globalização e do acesso a tecnologias de ponta open-source (ARASLI, 2011). Além dos terroristas, empresas privadas que prestam serviço militar, considerados como mercenários, igualmente tiveram um crescimento no pós-guerra fria e encontram-se presente em conflitos contemporâneos, como nos casos da Síria e da Ucrânia (DUE-GUNDERSEN, 2013;

KORYBKO, 2018).

Atualmente, os Estados se direcionam a utilizar cada vez mais instrumentos e forças militares irregulares para realizar seus interesses. Nota-se que o Pentágono, no presente momento, está redirecionando seus recursos para os departamentos de inteligência e de forças especiais, estabelecendo conexões com empresas militares privadas, e por consequência, diminuindo sua capacidade militar convencional para tempos de Pré-Segunda Guerra Mundial, reduzindo o tamanho de seu exército e colocando à disposição tropas para o emprego de campanhas regulares (ISENBERG, 2009; SHANKER; COOPER, 2014).

As guerras não convencionais possuem certas vantagens que a destacam como uma ferramenta precisa e eficiente para empregar os objetivos estratégicos promovido pelos Estados na contemporaneidade (KORYBKO, 2018). Primeiramente, ela é um recurso indireto, ou seja, as guerras não convencionais conseguem ocultar a ligação entre o Estado promovedor do conflito e as forças militares que realizam efetivamente a troca de regime. Dessa forma, o Estado poupa-se do vexame internacional e consegue proteger sua imagem política. Em segundo ponto, as guerras não convencionais são mais baratas e econômicas, exigindo poucos recursos para a sua execução. As guerras não convencionais substituem as intervenções militares convencionais, possibilitando o envio de grupos por procuração que resulta em na economia de uma grande quantia que seria gasta caso ocorresse o deslocamento de tropas formais. Por último, a guerra não convencional é uma expressão da guerra híbrida, e por isso lhe é concedida atributos de imprevisibilidade e de caos organizado, lhe fornecendo iniciativa no conflito contra o alvo adversário (KORYBKO, 2018).

As teorias militares servem como orientação para a efetividade da guerra não convencional em campo, visando a efetivação material da troca de regime. A utilização de grupos militares irregulares, como guerrilheiros, insurgentes e soldados híbridos, serve de

forma exímia para atacar os pilares centrais dos cinco anéis do adversário (KORYBKO, 2018).

Dessa maneira, pode-se dirigir as tropas a investir contra os anéis externos, como a infraestrutura e as forças armadas, e também mirar contra os anéis internos, como a população e a liderança política. Por estarem atuando em campo, as tropas irregulares podem se camuflar através da população alvo, dificultando sua localização e borrando as fronteiras entre o civil e o militar (KORYBKO, 2018; LIND et al., 1989).

Devido a sua imprevisibilidade, assimetria e metamorfismo, a guerra não convencional prejudica a estrutura do ciclo OODA de seu adversário e seu posicionamento em desvantagem no conflito (KORYBKO, 2018). Ao neutralizar a sua orientação e margem de ação, a guerra não convencional consegue ter iniciativa estratégica sobre o alvo, possibilitando que a troca de regime ocorra de forma eficiente e rápida, impedindo que seu adversário responda diretamente os ataques a sua integridade física e política. A teoria do caos no auxilia a compreender o fenômeno através da conexão entre as tropas irregulares e configuração do medo e terror na sociedade, que implanta a incerteza e imobiliza o inimigo tornando-o vulnerável para sofrer a troca de regime (KORYBKO, 2018; MANN, 1992).

Ao contrário das forças tradicionais, a guerra não convencional possui foco em instaurar o desequilíbrio interno no adversário e construir oportunidades para seu golpe fatal, que implementa a troca de regime. A guerra não convencional tende a ser um conflito longo e que perdura durante mais tempo que os conflitos convencionais, e por isso, a medida em que a derrota é evitada, a vitória com a implementação de um novo regime é colocada dentro do horizonte possível (SCALES, 1999).

Em 2012, o documento “Forças Especiais da Guerra Não Convencional”, ou TC 18-01, foi publicado pela agência NSNBC Internacional (NSNBC, 2010). Este manual expressa evidências de que os Estados Unidos da América estão orientando seu exército nacional para efetivar estratégias de guerra não convencional para a realização de seus interesses estratégicos em países e regiões específicas. A agência relata que o manual foi uma peça essencial para auxiliar na subversão do governo sírio através de levante armado.

Segundo o manual TC 18-01, há duas formas que os Estados Unidos travam uma guerra não convencional, sendo uma considerada um cenário de guerra geral, onde as forças militares estadunidenses esperam para agir oficialmente (como no caso sírio), e o cenário de guerra limitada, onde os Estados Unidos buscam formas irregulares para pressionar o adversário (como no caso ucraniano) (KORYBKO, 2018). Ao definir uma campanha de guerra não convencional

no país alvo, os Estados Unidos buscam analisar e compreender as condições sociais e políticas que se encontra o adversário. O manual salienta a importância de operações psicológicas que visem cativar a cognição da população alvo, expressando que:

Atividades de informação que aumentam a insatisfação com o regime ou governante hostil e que retratam a resistência como uma alternativa viável [são] ingredientes importantes ao esforço de resistência [...] essas atividades podem aumentar o apoio à resistência através de mensagens apelativas que geram simpatia entre as populações (NSNBC, 2010).

As campanhas de guerra não convencional ainda são fundadas nas informações de pesquisas psicológicas e sociológicas sobre os seus adversários (NSNBC, 2010). Essas informações são fundamentais para que a unidade agressora possua controle sobre seu adversário e consiga manipulá-lo segundo a sua vontade. O manual TC 18-01 destaca que atividades paralelas as campanhas de guerra não convencional devem ser aplicadas para que estas alcancem o sucesso, como: a determinações de elementos psicológicos fundamentais do ambiente adversário; a identificação de estratégias que possam transformar os comportamentos da população alvo; inserir ideias que possam moldar o pensamento da população alvo para apoiar a guerra não convencional; e contra-atacar campanhas de difamação que possam afetar o processo da guerra não convencional (KORYBKO, 2018; NSNBC, 2010).

Em síntese, a guerra não convencional é a evolução letal das revoluções coloridas. Como instrumento da guerra híbrida, a guerra não convencional utiliza de tropas militares irregulares para causar dano físico e material ao adversário alvo, buscando efetivar diretamente uma troca de regime que beneficie o Estado empregador da guerra não convencional e responsável pelo direcionamento das tropas militares irregulares.

Assim como as revoluções coloridas, a guerra não convencional segue os padrões das teorias militares para provocar a troca de regime, orientando-se em permanecer imprevisível, assimétrica e mutável, para conseguir conter e neutralizar seu adversário. O manual TC 18-01 dos EUA comprova que a estratégia da guerra não convencional já fora aplicada em conflitos regionais específicos e nos auxilia em compreender como ela é organizada e empregada. Além disso, o manual salienta a importância dos domínios sobre as redes de informação e operações psicológico, que são fundamentais para o sucesso do fenômeno em efetivar uma troca de regime que beneficie o Estado empregador da guerra não convencional.