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3.3 Vivências terapêuticas: desenvolvimento individual e planetário

3.3.3 Helena Peirão e a destilação da Aroeira

Helena Peirão tem aproximadamente 60 anos, mais de 20 vividos em Serra Grande. Vinda de São Paulo em 1998 para a criação do Spa Shamash, que funciona dentro do TXAI Ecoresort, ela atua como administradora do Spa e como professora de yoga na Vila Alta de Serra Grande. Além disso, desenvolve há muitos anos o trabalho de espargiria, na produção de óleos essenciais, hidrolatos e tinturas que comercializa.

Helena Peirão conta que quando chegou a Serra Grande não havia ninguém morando lá. Enquanto a entrevistava na sala de sua casa, Lu, sua empregada doméstica, participava da conversa quando era acionada por Helena para responder algo. Lu veio para Serra Grande criança, há mais de 30 anos, com seus pais, e trabalha há mais de 10 anos na casa de Helena Peirão, que, durante a entrevista, solicitava ora ou outra que Lu confirmasse as suas afirmações.

Conforme contou Helena Peirão, foi com ela que Lu aprendeu a cozinhar “comida de verdade”. Foi na casa da terapeuta que Lu aprendeu a produzir kombuchas59 e entender que “o certo é uma alimentação natural”. Helena Peirão conta isso enquanto ri do filho de Lu, que não gosta de almoçar na sua casa porque lá ele não pode comer carne.

Tida como uma grande referência da cura alternativa em Serra Grande, Helena Peirão é respeitada no circuito terapêutico dos forasteiros e chegantes e promove, às vezes, encontros em sua casa para a destilação de alguma planta específica. “O chamado da Aroeira”, como a própria terapeuta denominou, começou quando Helena, durante uma aula de yoga, disse que gostaria de fazer uma destilação60 com todas juntas, no Caminho das ervas. Eu me interessei em participar e então ela me levou até uma Aroeira e disse que deveríamos colher o seu fruto, as pimentas rosas. Algumas vezes eu perguntava a ela quando aconteceria a destilação e ela dizia que quando colhêssemos o suficiente ou quando as frutas estivessem maduras. Com isso, sinalizava que havia um tempo para as coisas acontecerem e que este tempo seria

59 Uma bebida fermentada feita a partir de probióticos, estimulante da imunidade do corpo, muito comum em

Serra Grande.

determinado por uma conjuntura de fatores, como se, em determinado momento, a clareza de que havia chegado a hora do processo seria manifestada.

Assim, depois de um tempo, ela publicou no grupo de WhatsApp do Caminho das Ervas o desejo de fazer essa destilação. Para as pessoas que afirmaram o desejo de participar, ela enviou uma mensagem individual perguntando sobre a real disponibilidade. Em seguida, criou outro grupo e enviou informações mais precisas sobre o local onde aconteceria e o procedimento. Para participar seria necessário levar um saco grande (10kg) de semente de Aroeira. Além disso, o valor do gás seria dividido junto aos custos do almoço, que aconteceria em sua casa, preparado por Lu, já que o processo de destilação demoraria um dia inteiro.

O horário marcado foi oito horas da manhã do dia 13 de junho de 2018. Ao chegar, encontrei apenas Laura, uma menina de 18 anos companheira de Helena no curso de espagiria. A menina disse que Helena a havia designado para iniciar o trabalho, já que ela havia marcado uma aula de yoga para o mesmo horário e só chegaria junto ao grupo por volta das 10 horas da manhã. Aos poucos o grupo foi se reunindo: Dona Val, Julia Rossati e Gabriela. Íamos, sob a indicação de Laura, beneficiando a planta, ou seja, separando as sementes dos galhos e folhas.

Como apenas eu, Dona Val e Helena havíamos levado os sacos de semente, foi necessário buscar mais sementes pela Vila. Tocha, um rapaz que às vezes acompanha Dona Val e faz serviços diversos para ela, foi em busca de encher mais sacos de Aroeira.

Estivemos nesse trabalho de beneficiamento por quatro horas. Dona Val puxava algumas canções que falavam do poder das ervas, e Helena, outras. Aquele momento parecia ser vivido como uma grande terapia para cada uma ali presente, principalmente pela comunhão entre mulheres, que era constantemente mencionada e valorizada, e no contato com a erva, cura individual de cada uma na relação com a planta.

Figura 24 - Semente de Aroeira/pimenta rosa sendo separada para destilação

Fonte: Acervo pessoal.

Começamos a encher a dorna por volta das duas horas da tarde. Batíamos um tanto de semente no processador e colocávamos uma camada da semente e depois uma de folhas rasgadas. Conforme afirmava Helena, a quantidade de sementes é que enchia de óleo, e daquele processo sairia um pouco de óleo e um pouco mais de hidrolato.

O hidrolato, conforme me explicou Flora, é o substrato do óleo. Este é mais poderoso, isto é, o hidrolato carrega em muito menor intensidade as propriedades do óleo. Quando finalizamos a montagem da dorna, que ficou cheia apenas até a metade, houve um desentendimento entre Flora e Helena, pois havia uma grande quantidade de sementes que Helena havia colhido com muita antecedência e que haviam mofado. Helena queria colocá-las enquanto Flora argumentava que isso prejudicaria o produto final. Acabamos colocando uma parte que estava menos mofada.

Após montarmos a dorna e acendermos o fogo, almoçamos, e Helena decidiu ir se deitar, já que estava muito cansada do processo e aquele procedimento demoraria em torno de seis horas. Dona Val, Gabi e eu fomos embora e Julia Rossati e Flora permaneceram de vigília, pois era necessário estar sempre atento a toda aparelhagem durante todo o processo.

Às duas horas da madrugada finalizou-se o processo alquímico, rendendo 40 litros de hidrolato e 185 ml de óleo essencial de Aroeira. Helena e Julia, que haviam permanecido na casa aguardando o fim do processo, comunicavam via WhatsApp e pediam ajuda para definir como seria feita a divisão desses produtos, já que algumas haviam “se doado” mais do que outras no processo.

As mulheres que estavam ali reunidas, com exceção de mim, eram mulheres que produziam produtos terapêuticos (tintura, florais, óleos essenciais) e cosméticos naturais (sabonete, xampu) a partir daquelas matérias-primas. Apesar do processo de produção, de comunhão de mulheres ser vivenciado como uma grande cura, existia também um interesse no extrato resultante para a produção e comercialização de diversos produtos.