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Hemava Administração e Empreendimentos S.A. (Hospital São Luiz)

3. ESTUDO DE CASOS

3.1. Hemava Administração e Empreendimentos S.A. (Hospital São Luiz)

O caso Hemava Administração e Empreendimentos S.A. (Acórdão nº 1201-002.278, Relatora Eva Maria Los), decidido favoravelmente ao contribuinte, foi julgado pela 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara do CARF em 15 de junho de 2018.

Nele discutiu-se a oponibilidade ao Fisco de um planejamento realizado por meio de FIP para a alienação de participação societária com ganho de capital, conforme a ementa abaixo:

GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO POR FIP. RAZÕES

EXTRATRIBUTARIAS. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO. VALIDADE.

OPONIBILIDADE AO FISCO A transferência de investimento para um Fundo de Investimento em Participações (FIP) por motivos de planejamento sucessório familiar e posterior alienação de tal investimento para terceiro com o consequente oferecimento do ganho de capital à tributação pela FIP é ato plenamente oponível ao Fisco desde que ausentes fraude, simulação ou abuso de direito.

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. CARÁTER INDUTOR DA

LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. UTILIZAÇÃO DE FIP. OPONIBILIDADE AO FISCO. POSSIBILIDADE. A legislação tributária ao criar tributação mais favorecida aos fundos de investimento induz o contribuinte a utilizar tal instrumento como forma de planejamento tributário válido que pode ser oponível ao Fisco desde que ausentes fraude, simulação ou abuso de direito.

A nosso ver, o que motivou a autuação foi a realização de um negócio jurídico indireto, inicialmente interpretado pelo Fisco como simulação, mas justamente reconhecido pelo CARF como planejamento tributário.

3.1.1. Cronologia das operações

Em apertada síntese, o caso examinado narra que, em 2002, uma das famílias controladoras da ZAR Participações e Empreendimentos S.A. (―ZAR‖), pessoa jurídica que

detinha o controle do Hospital São Luiz, transferiu a participação que possuía nesta sociedade para a holding Hemava Administração e Empreendimentos S.A. (―HEMAVA‖), com o intuito de dar maior flexibilidade e eficiência à gestão dos negócios da família.

Em dezembro de 2009, por motivos de sucessão, essa holding foi transformada em sociedade por ações e suas ações ordinárias, juntamente com as ações ordinárias de outra holding pertencente à família (―Localpar Participações S.A.‖), foram transferidas, a título de integralização de quotas, para um FIP (―HMV FIP‖), que consolidou a gestão dos investimentos da família.

Nesse período também foram constituídos quatro fundos de investimento em quotas de fundo de investimento (FIQ) e as quotas do Fundo HMV FIP foram transferidas, em igual proporção (25%), para cada um dos FIQ, com o objetivo de que, na sequência, tais quotas fossem doadas para a geração seguinte (planejamento sucessório) com cláusula de usufruto.

Desse modo, o Fundo HMV FIP passou a deter ações ordinárias de duas holdings, a Hemava Administração e Empreendimentos S.A. e a Localpar Participações S.A. Nessa estrutura, o Fundo HMV FIP detinha indiretamente o investimento na ZAR.

Passados cinco meses dessa reorganização societária, os controladores da HEMAVA transferiram a sua participação na ZAR diretamente ao Fundo HMV FIP por meio de uma operação legítima de redução de capital mediante o cancelamento de parte das suas ações ordinárias (art. 22 da Lei no 9.249/95).

Por sua vez, quatro meses depois, o Fundo HMV FIP celebrou com a FMG Empreendimentos Hospitalares S.A. (―FMG‖) um contrato de compra e venda da sua participação na ZAR por um valor superior ao seu custo de aquisição, dando origem a um ganho de capital.

Ocorre que, em operações dessa natureza, realizadas por meio de FIP, a legislação autoriza que o imposto de renda devido seja diferido para o momento de amortização das quotas do fundo. Contudo, sob a ótica da autoridade fiscal, a operação utilizou-se dessa estrutura apenas para pagar menos tributos e, portanto, alguns atos praticados não deveriam ter eficácia perante o Fisco.

3.1.2. Autuação fiscal

O auto de infração, decorrente da interpretação dada pela RFB ao encadeamento das operações a que aludimos, foi lavrado em face da HEMAVA e de oito responsáveis

solidários, exigindo R$64.155.081,60 em IRPJ e R$23.106.126,77 em CSLL, acrescidos de multa qualificada de 150%.

A autoridade lançadora entendeu que a operação se deu por meio de FIP tão somente por razões de economia fiscal (redução da tributação e diferimento do pagamento sobre o ganho de capital para o momento de amortização/resgate das quotas), de modo que teria havido abuso de direito no negócio jurídico realizado.

Para justificar essa interpretação, um dos argumentos aduzidos foi que no momento da realização da redução de capital que transferiu as ações da HEMAVA para o Fundo HMV FIP, a participação societária na ZAR, que deu ensejo ao ganho de capital, já era objeto de negociação (o FMG, adquirente da ZAR, disponibilizou para a RFB uma minuta de negociações com data anterior à alienação da ZAR para o Fundo HMV FIP) e para que essa operação fosse concretizada seria desnecessário utilizar a estrutura de FIP em detrimento da holding já constituída, o que caracterizaria ausência de propósito negocial.

Com efeito, como o Fundo HMV FIP teria sido utilizado apenas como veículo, o resultado dessa operação não poderia subsistir perante o Fisco, por contrariar a função social da empresa.

3.1.3. Argumentos da defesa

Em sua defesa, a HEMAVA alegou, dentre outras questões, que a legislação tributária induz a prática de tal conduta; que existia a intenção de consolidar no fundo a gestão dos ativos da família; que as operações ocorreram em intervalo de tempo razoável; e que a fiscalização deveria ter refutado com segurança os esclarecimentos prestados (art. 909, par. 1, do RIR/2018), especialmente quanto ao laudo técnico elaborado pela PwC, que demonstrou a realização de diversos investimentos realizados por meio do Fundo HMV FIP, inclusive empregando os recursos obtidos com a venda da ZAR na aquisição de participações societárias, entre elas a Jaux Holding S.A e Marck Holding S.A.

Quanto ao argumento de que se intencionava realizar um planejamento sucessório, a HEMAVA pretendeu demonstrar que, por meio dessa operação, o patrimônio foi transmitido para a geração seguinte (dos antigos proprietários) e que as exigências regulatórias dos FIPs deram maior segurança, agilidade e transparência aos negócios da família.

3.1.4. Julgamento no CARF

Quando essa questão foi submetida à apreciação do CARF, os conselheiros dividiram-se em duas posições quanto à legitimidade da operação. Por questões didáticas, optamos por expor sucintamente, no ponto específico, tanto as razões do voto vencido como as razões do voto vencedor.

A conselheira Eva Maria Los, relatora do caso e voto vencido nesse julgamento, acolheu-se aos argumentos fazendários, no sentido de que a interposição do Fundo HMV FIP foi artificial, haja vista que intencionava somente transferir o ganho de capital da holding para o Fundo e evadir-se dos tributos devidos (“economia tributária de aproximadamente R$

48,45 milhões, além do diferimento da tributação para o momento do resgate”). Para a julgadora, o argumento de que a razão extratributária consistia no planejamento sucessório não deveria manter-se, pois “a sucessão se deu mediante a transferência aos herdeiros dos Fundos FIQ em 17/10/2010, após a venda da ZAR, em 02/09/2010”.

Por sua vez, no voto vencedor, cuja relatoria coube ao conselheiro Luís Fabiano Alves Penteado, foi exposto que em operações complexas, como a que examinavam, o que deve ser analisado é o conjunto das operações realizadas e não cada uma de forma isolada.

Desse modo, a constituição dos quatro FIQ e a doação das quotas para as gerações seguintes demonstraram a vontade real de efetivar um planejamento sucessório.

Demais disso, além de outros ativos da família (―Localpar‖) terem sido transferidos para o Fundo e permanecerem investidos por anos, os recursos obtidos com a venda da ZAR não retornaram para os beneficiários dos fundos, pois foram investidos na aquisição de outras participações societárias (Jaux Holding S.A e Marck Honding S.A.), prova disso é que o laudo elaborado pela PwC demonstrou “que houve um efetivo aumento do patrimônio da HMV FIP de R$ 78,7 milhões para R$ 434,6 milhões entre 2009 e 2015 e isso foi obtido através de diversos investimentos efetuados pela HMV FIP com utilização, inclusive, dos recursos decorrentes da venda da ZAR”.

Em remate, aceitando que o caso in examine encerrava típico caso de planejamento sucessório55, e rechaçando o emprego desmesurado da teoria do busines purpose em face do

55 No voto do Conselheiro consta expressamente que ele considerou o seguinte: ―os patriarcas da Família Vasoni tinham 04 filhos e pretendiam estruturar a sucessão de seu patrimônio‖ (fls. 33, do Acórdão nº 1201­002.278).

que dispõe a vigente ordem jurídica brasileira56, aduziu que a flexibilidade permitida por realizar operações por meio da estrutura de um fundo contribuiria para a preservação do patrimônio da família, na medida em que as regras impostas por meio do regulamento resolveriam mais facilmente eventual conflito entre os herdeiros.

Resumidamente, essas foram as razões que conduziram o colegiado a, por maioria de votos, afastar definitivamente a constituição do crédito tributário.

3.1.5. Reflexões sobre a decisão

Essa foi a primeira decisão favorável aos contribuintes sobre planejamento tributário envolvendo FIPs e alienação de participação societária com ganho de capital.

Para nós ela é importante porque identifica os pontos-chave que conduziram a esse desfecho o que nos auxiliará no propósito de, ao final da análise dos três casos selecionados, sugerir quais são alguns dos caminhos mais seguros que os contribuintes podem percorrer para realizar operações dessa natureza.

Em nosso entendimento, dois pontos merecem destaque nessa decisão: a relevância dada pelos julgadores ao intervalo temporal entre a realização das operações e o fato do contribuinte ter apresentado um laudo técnico comprovando a destinação dada aos recursos obtidos com a alienação da participação societária objeto do conflito.

Em relação à questão temporal, causou-nos estranheza que os julgadores tenham dado excessiva relevância ao fato de que a reestruturação ocorreu durante um intervalo de nove meses.

56 ―[...] os conceitos de propósito negocial e substância econômica carecem de fundamento legal, tornando-se subjetivos e abrangentes. Não são elementos aceitos e incorporados pelo ordenamento jurídico brasileiro, inexistindo qualquer dispositivo legal que lhes dêem substrato [...] a indefinição dos conceitos no ordenamento jurídico impede a formação de entendimento uníssono a respeito de seus termos e limites, tornando qualquer discussão acerca das operações de ágio como ao menos parcialmente subjetivas [...] o racional do fisco baseia-se numa visão conceitual extremamente restrita e limitada do que seja propósito negocial e substância econômica das operações [...] É importante ressaltar a frequente utilização pelo Fisco da teoria da ausência de propósito negocial por meio do qual defende que a simples inexistência - sob a ótica do fisco - de outros motivadores para a operação que não o alcance do benefício fiscal, já é elemento suficiente que invalida os atos do contribuinte ou, ao menos, inviabiliza o benefício fiscal almejado. Entendo que tal racional adotado pela autoridade fiscal guarda flagrante contradição com diversas regras e estruturas criadas pelo legislador brasileiro quando se oferece um benefício fiscal ou condição tributária mais favorável aos contribuintes como parte integrante de uma política econômica [...] o conceito a ser adotado para definir o propósito negocial deve ser no sentido de considerar a busca pela redução das incidências tributárias, por si, como um propósito negocial válido‖. Excerto do voto do Relator do Acórdão nº 1201-002.278.

Pareceu-nos que, implicitamente, alguns conselheiros estariam sugerindo eventual presunção de que atos praticados num curto espaço de tempo revelariam indícios de artificialidade.

Com a devida vênia, ao nosso juízo, o ―tempo decorrido entre as operações‖ não é elemento crucial para identificar uma operação como artificial, sobretudo quando a RFB teve acesso a uma minuta de negociações com data anterior à transferência da participação societária da holding para o FIP.

Por sua vez, o que de fato tem relevância é a destinação dada aos recursos obtidos com a alienação da participação societária.

Como vimos, o FIP tem origem na indústria de private equity, conhecida por investir em diversas empresas em estágio inicial de desenvolvimento, com alto potencial de crescimento e, consequentemente, retornos atraentes.

Dado o estágio inicial de desenvolvimento das empresas investidas, é natural que até a fase de desinvestimento sejam submetidas a várias reestruturações, razão pela qual o legislador consentiu que não houvesse incidência sobre o ganho de capital das operações realizadas enquanto os recursos obtidos forem reinvestidos pelo próprio fundo.

Adequando essa realidade (de private equity) ao contexto dos negócios envolvendo FIP, tem-se que, quando alguém realiza um desinvestimento, principalmente se este representa parcela expressiva da composição de seu patrimônio, é natural que busque a diversificação nos futuros investimentos.

Não fosse o desejo de realizar novos investimentos e diluir o risco, a escolha por estruturar a operação por meio de um FIP tornar-se-ia desvantajosa, tendo em vista que o limite máximo para um FIP manter recursos em caixa é de 10%, ou seja, por exigência da CVM, 90% dos recursos de um FIP devem estar investidos.

Como todo investimento pressupõe o interesse em gerar novas riquezas, essa observação é importante porque se diz que o FIP é utilizado para ocultar uma manifestação de riqueza e, portanto, recolher menos tributos.

Ocorre que, a postergação da incidência tributária em um FIP tem caráter extrafiscal, na medida em que a intenção do legislador é carrear mais recursos para serem investidos e retornarem para a sociedade na forma de empresas mais saudáveis e maior número de geração de empregos.

É sob essa ótica, de realização do princípio da isonomia por meio de uma regra extrafiscal, que acreditamos que a demonstração da destinação dos recursos é o elemento mais importante para manter a oponibilidade ao Fisco de um planejamento realizado por meio de FIP.

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