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HIPERSENSIBILIDADE À PICADA DA PULGA

No documento Clínica e cirurgia de pequenos animais (páginas 60-64)

II. MONOGRAFIA PRINCIPAIS CAUSAS DE PRURIDO NO PACIENTE FELINO

2. PRURIDO

2.5. CAUSAS DE PRURIDO

2.5.1. HIPERSENSIBILIDADE

2.5.1.1. HIPERSENSIBILIDADE À PICADA DA PULGA

Denominada também de dermatite alérgica à pulga, a hipersensibilidade à picada da pulga (HPP) é considerada a dermatose alérgica mais frequente no gato e também a maior causa de prurido neste paciente (102, 109). A sua prevalência está associada a áreas geográficas endémicas ao nível destes ectoparasitas, mas ainda assim, continua a ser a doença alérgica mais reportada nos animais de companhia (102,110).

2.5.1.1.1. ETIOLOGIA/PATOGENIA

A espécie de pulga mais comum no gato é a Ctenocephalides felis, também designada como a “pulga do gato”, e é também a espécie mais encontrada nos cães domésticos, podendo afetar outros mamíferos como cavalos, raposas e roedores, que funcionam como reservatórios para os felinos (111). Para além da ação espoliativa da pulga poder provocar anemia, este inseto serve de vetor para diversos agentes patogénicos com impacto na saúde pública e veterinária (111). No caso do gato, a pulga é responsável por transmitir agentes como o Dypilidium caninum, Bartonella henselae, FeLV e Mycoplasma heamofelis, este último que é responsável pela anemia infecciosa felina, bem como outros organismos patogénicos (112 -116 referido por 111).

A pulga é um pequeno ectoparasita hematófago, que realiza várias refeições sanguíneas no hospedeiro, durante o ciclo de vida (117). Um dos mecanismos facilitadores da alimentação deste inseto através da pele do animal, para além das características da boca, é proporcionado pela própria saliva. A saliva da pulga é constituída por vários componentes semelhantes à histamina, enzimas, substâncias anticoagulantes e proteínas, sendo estas últimas que, por

46 norma, em gatos hipersensíveis funcionam como alergénios (117). Num estudo realizado por Jin e colegas (2009), o papel das proteínas como alergénio foi evidenciado em gatos com HPP induzido, em que foi formulado uma vacina de DNA a partir da clonagem e expressão de uma proteína alergénica da saliva da pulga – Flea Salivary Allergen 1 (FSA-1). Após administrada a esses gatos, o quadro clínico apresentou melhorias, permitindo inferir que as proteínas, de facto, possam estar envolvidas no desenvolvimento desta condição (118). Faltam, no entanto, estudos sobre o papel dos outros componentes salivares da pulga no desenvolvimento de HPP (117).

Embora a imunopatogénese não esteja perfeitamente esclarecida, acredita-se que a saliva da pulga induza uma reação de hipersensibilidade do tipo I (reação imediata) ou do tipo IV (reação retardada) de forma análoga ao que sucede no cão (117).

2.5.1.1.2. SINAIS CLÍNICOS

As manifestações clínicas são variadas e o carater sazonal dos sinais clínicos varia consoante as condições meteorológicas de cada região . A situação é, por norma, sazonal nos meses quentes em climas temperados, e não sazonal em climas tropicais (119).O prurido é uma das principais características desta afeção, associado a alopecia autotraumática por lambedura excessiva (109). Contudo, gatos saudáveis podem não apresentar sinais clínicos (110).

As lesões são pruriginosas e as principais localizações são o dorso, abdómen ventral, garupa e cauda, como representado na Figura 6. (120,121). A pele da região afetada está eritematosa, inflamada, com lesões crostosas e alopécicas. Os padrões de reação cutânea mais frequentes são as escoriações na cabeça e no pescoço e a dermatite miliar, esta última localizada usualmente na região dorsal e flancos, embora possa generalizar-se (121). Segundo Hobi et al. (2011) as escoriações na cabeça e no pescoço e a alopecia simétrica bilateral dos flancos e abdómen ventral são as manifestações clínicas mais encontradas em gatos com HPP (120). Ao contrário das lesões CGE, que de acordo com esse mesmo estudo e contrariamente ao que se encontra descrito, surgiram em apenas 14% dos gatos alérgicos à picada da pulga (120). Ocasionalmente, pode ocorrer otite externa, alterações respiratórias e gastrointestinais (vómito, diarreia e fezes pastosas). Como a dermatite alérgica à pulga pode ter diversas apresentações, torna-se necessário considerar este diagnóstico em gatos pruríticos (121).

Figura 6 – Proporção da distribuição das lesões em gatos

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2.5.1.1.3. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico inclui a combinação da história pregressa, na observação da presença das pulgas e/ou fezes no exame físico e sinais clínicos compatíveis (110,122). Existem diversos testes complementares descritos para confirmação do diagnóstico, nomeadamente: teste de exposição à pulga, teste intradérmico (TID), teste serológico, histopatologia e teste funcional in vitro. Outras causas que mimetizem o quadro clínico devem ser excluídas, particularmente, outras causas alérgicas (e.g.: dermatite atópica e dermatite à picada de mosquitos), causas parasitárias (e.g.: demodecose), dermatofitose bem como o envolvimento de tumores como carcinoma das células escamosas e mastocitomas (109,119,123).

A observação visual das pulgas ou das suas fezes é a primeira abordagem perante suspeita de dermatite alérgica à pulga, contudo, é importante ter em conta que este diagnóstico não deve ser eliminado com base apenas na ausência da deteção dos ectoparasitas ou de sinais da sua presença, sobretudo em gatos com elevada carga parasitária, na medida em que os hábitos de higiene desmedidos em gatos pruríticos muitas vezes se encarregam da erradicação destes sinais clínicos (110,122). O teste de exposição à pulga (do inglês live flea challenge test) consiste na exposição direta do gato à ação espoliativa das pulgas, com o objetivo de avaliar a presença de reações de hipersensibilidade, que se caracterizam por eritema, pápulas e crostas (122). A área é inspecionada após 15 a 20 minutos para detetar reações do tipo imediatas, seguindo-se uma reinspecção às 6, 24 e 48 horas para detetar reações do tipo retardado, caso não se verifique reação nas primeiras horas. É um teste que tem apresentado uma boa correlação com a serologia e é considerado, segundo Bond et al. (2006) o melhor teste para detetar gatos com HPP (124). De forma semelhante, os testes intradérmicos também permitem detetar animais reativos a componentes das pulgas através da inoculação de extratos antigénicos das mesmas, por via intradérmica (122,124).

O TID integra um dos métodos alergológicos usados em casos dermatite alérgica à picada da pulga, porém é muitas vezes empregue como método de diagnóstico, o que se associa, com frequência, a falsos negativos e positivos (estes últimos menos frequentes) pois as concentrações antigénicas usadas pelos laboratórios nos diferentes testes comerciais não se encontram padronizadas, enfraquecendo o estabelecimento de gatos realmente alérgicos às pulgas (124). Por esse motivo, não deve ser interpretado isoladamente, uma vez que não é método totalmente sensível (125). O outro método alergológico é a serologia, que permite a pesquisa de IgE específica para antigénios de pulgas (128). Contrariamente ao que se verifica nos testes anteriores, esta análise apenas identifica reações de hipersensibilidade do tipo I, pelo que gatos com reações tardias são incorretamente diagnosticados (122).

A nível histopatológico, os achados encontrados correspondem a uma infiltração perivascular a difusa de eosinófilos e neutrófilos e ulceração epidérmica secundária ao prurido (126). No entanto, esta análise não deve servir o propósito de um diagnóstico conclusivo, em

48 virtude de não identificar a causa, mas sim, e apenas, a existência de um processo muito provavelmente alérgico (122).

Ainda se encontra reportado, o teste funcional in vitro (FIT), uma análise que permite detetar a presença do complexo: anticorpo alergénio-específico ligado a células efetoras, que, em situações de HPP, se ligam a alergénios da pulga e provocam a libertação de histamina, através da desgranulação dos mastócitos, que é posteriormente quantificada (127,128).Este teste aparenta ter uma boa correlação com o TID, requerendo-se, contudo, mais estudos na aplicação da técnica no diagnóstico destes gatos (128). Salienta-se ,uma vez mais, que os métodos referidos não devem ser interpretados de forma isolada, devendo ser apenas empregues como linhas orientadoras de diagnóstico.

2.5.1.1.4. TRATAMENTO

A melhor forma de tratar um animal com HPP é evitar o contacto com as pulgas, através da eliminação das pulgas em contacto, presentes quer no gato quer no ambiente onde se encontra inserido. O maneio médico sintomático pode ser necessário para aliviar o prurido (129). Para este efeito encontra-se disponível uma variedade de produtos que variam na sua forma de apresentação, nomeadamente: soluções para unção punctiforme, coleiras, comprimidos, pulverizadores, champôs e soluções parenterais, pelo que a escolha do produto poderá ser dirigida pelas condicionantes de cada caso. No caso particular dos gatos (e sobretudo quando há prurido), os produtos de efeito sistémico reclamam uma maior eficácia na prevenção da HPP, uma vez que permitem ultrapassar a questão das lavagens excessivas (129,130). Os tutores devem ser informados sobre a importância da profilaxia dos ectoparasitas (e não apenas da pulga em si), uma vez que terão de o fazer durante a toda a vida do animal, observando-se melhor colaboração por parte de tutores consciencializados e motivados (129).

A terapêutica ectoparasiticida deve ser agressiva, de rápida ação e de longa duração, no intuito de evitar reinfestações (101). Idealmente, devem ser usados fármacos adulticidas, combinados com um regulador de crescimento de insetos (IGR) ou com inibidores de desenvolvimento (IDI) para eliminar não só as formas adultas como as formas intermédias (ovos, larvas e pupas) que se encontram no ambiente e, assim, incluir no tratamento todas as formas infestantes do artrópode. Salienta-se ainda que todos os animais que vivam na mesma casa devem ser contemplados tratamento (108). De entre os produtos disponíveis, o imidacloprid (10 mg/kg, tópico) é um neonicotinoide que é bem tolerado pelos gatos, que reclama uma boa eficácia na eliminação de formas adultas e larvares das pulgas (129,131-133). Também o dinotefuran, outro neonicotinoide, tem-se associado a bons resultados , com redução do número de pulgas de 91 a 98% ao trigésimo dia de tratamento num estudo como na remissão de sinais clínicos em gatos alérgicos (111,134) A selamectina (6mg/kg tópico) é uma lactona macrocíclica (avermectina) muito utilizada para o controlo ectoparasitário em felinos, quer pela boa eficácia na eliminação das pulgas como na melhoria do quadro clínico alérgico. Para além do efeito adulticida, combina inclusivamente, efeito endoparasiticida (111,135 referido por 129). Outra opção é

49 indoxicarb, uma oxadiazina, parasiticida com efeito adulticida cujos resultados se têm mostrado bastante promissores na redução das pulgas, com cerca de 100% de eficácia durante quatro semanas de tratamento, durante um estudo, e cerca de 99,6% ás seis semanas (136).

O controlo ambiental é um componente fundamental do tratamento, uma vez que no ambiente se alojam as formas imaturas do artrópode (111). Devem tomar-se medidas como a aspiração e lavagem das áreas de descanso (eg.: camas, mantas, carpetes) assim como de todas as outras áreas passíveis de estarem infestadas (101).Aliado a estas medidas está o uso de inseticidas, mencionados anteriormente, pertencentes ao grupo dos IGR (que impedem o desenvolvimento da larva) como o metopreno e o piriproxifeno, que podem ser combinados com adulticidas, disponível em produtos com diversas apresentações desde soluções para unção punctiforme, coleiras, pulverizador ou spray destinado ao uso doméstico (101). Á semelhança dos IGR, o lufenuron é um IDI que interfere com a síntese de quitina da pulga e que pode, igualmente, ser utilizado para controlo ambiental das formas imaturas do artrópode, disponível em gatos em suspensão oral ou injetável (111).

Uma adequada abordagem terapêutica antiparasitária começa pela compreensão da biologia da pulga, assim como pelo conhecimento dos fármacos e da sua correta posologia, conhecimento que se torna fundamental na prevenção da criação de resistências aos fármacos mais comummente usados , potenciando assim o sucesso terapêutico a longo prazo (111).

2.5.1.2. HIPERSENSIBILIDADE À PICADA DO MOSQUITO

No documento Clínica e cirurgia de pequenos animais (páginas 60-64)

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