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A mentalidade medieval desprezava a natureza, pois esta era vista como fonte de pecado e de perdição. Quanto mais distante ficasse da natureza e da matéria, mais o homem poderia se dedicar à sua alma e aos pensamentos puros em Deus. Neste contexto religioso, o homem se expressa pela fé e deve imitar o próprio Cristo.

De acordo com o pensamento feudal, o trabalho era apenas um meio de subsistência, de disciplina do corpo e de purificação da mente. A organização do trabalho servil era justificada pela ordem divina. Deus está na vida de todos e em todos os lugares o tempo todo. Deus é o centro e a Terra está no centro do Universo. A Igreja está no centro da Terra como representante divina junto aos homens. Vivia-se sob o jugo desta hierarquia rígida, capaz de colocar na fogueira todos aqueles que ousassem pensar de modo distinto do que era hegemônico. Mesmo assim, alguns cientistas como Copérnico e Galileu, por exemplo, fizeram pesquisas no campo da ciência, porém, tiveram que esconder as conclusões a que chegaram e Galileu compareceu perante o tribunal do Santo Ofício para “negar” que a terra se movia ao redor do sol. No entanto, cabe perguntar: por que Copérnico teve que esconder os resultados de suas pesquisas e Galileu foi forçado a comparecer perante a inquisição e negar que a Terra se movia ao redor do Sol? Segundo Chauí,

Porque a concepção astronômica geocêntrica (elaborada na antiguidade) permitia que a Igreja Romana mantivesse a idéia de que a realidade é constituída por uma hierarquia de seres, que vão dos mais perfeitos – os celestes – aos mais imperfeitos – os infernais -tendo a Terra como ponto intermediário entre o celeste e o infernal. Essa posição da Terra como ponto intermediário servia de base para a afirmação de que a mesma função pertencia à Igreja e que esta, portanto, estava mais próxima de Deus do que as outras religiões e, no mundo cristão, ela ocupava um lugar mais alto que os reis e os imperadores. Estes, por sua vez, na hierarquia de perfeição dos seres, estavam acima dos barões e estes acima dos camponeses e servos. Se a astronomia demonstrasse que a Terra não é o centro do Universo e se a mecânica galilaica demonstrasse que todos os seres estão submetidos às mesmas leis do movimento, então as hierarquias celestes, naturais e humanas perderiam legitimidade e fundamento, não precisando ser respeitadas. Uma sociedade e uma concepção do poder viram-se ameaçadas por uma nova concepção científica (CHAUÍ, 2003, p.235).

O homem de fé, resultante de uma sociedade com tais características, podia até achar natural sua condição em relação aos outros, pois, dentro da hierarquia social, ele ocupa e desempenha seu papel. Com essa visão de mundo, de homem e de sociedade, foi possível manter o sistema feudal, até que as transformações das forças produtivas e as próprias contradições internas ao modo de produção levaram à sua superação.

As transformações empreendidas nas formas de pensar, ao final da Idade Média, tiveram como ponto fundamental a valorização do homem como um ser distinto de Deus. Assim, o homem torna-se o centro do Universo. Por isso, o ser humano passa a ser aquele que descobre verdades por conta própria, cria coisas novas e busca novos mundos, cheio de vontade,

impulsionador do progresso, enfim, individualista.

Este novo homem, capaz de fazer quase tudo, submetia de forma intensa as forças da natureza, extraindo dali além do seu sustento, os produtos que faziam alguns ocuparem posições privilegiadas na sociedade. Ainda assim, buscava-se um atributo que fizesse do ser humano a maior de todas as maravilhas, saídas das mãos do criador, que o colocasse acima das hierarquias angelicais, rompendo definitivamente com os últimos laços medievais. Mas, o que há no homem

de único, não é simplesmente a sua racionalidade, como anunciado por Aristóteles, nem a imortalidade, como pregava o cristianismo, e sim a prerrogativa de autocriar-se livremente. Assim, o Homem é

O único ser que livremente pode ser mais do que já é por natureza. Não no sentido de que seja causa eficiente de si e que pudesse tirar a si mesmo do nada. Uma vez constituído na sua essencialidade básica de ser e existir, o homem continua inacabado, imperfeito, mas dispondo de larga margem de perfectividade e acabamento (PICCO DELLA MIRANDOLA, 1999, p.33).

O homem do renascimento, individualista, capaz de fazer quase tudo, está na ante-sala do liberalismo e no centro das mudanças do modo de produção e da organização do trabalho. Dessa forma, o feudalismo vai aos poucos dando lugar ao capitalismo. A curiosidade da renascença e o impulso para o progresso deram novos rumos para a ciência e para a técnica, inventando máquinas, conforme relatado em 11 de março de 1776.

Na última sexta-feira, uma máquina a vapor construída segundo os novos princípios do Sr. Watt foi posta em funcionamento em Bloomfield Colliery...na presença de alguns homens de ciência cuja curiosidade fora estimulada pela possibilidade de ver os primeiros movimentos de uma máquina tão singular e poderosa[...] (HUBERMAN, 1986, p.171).

A máquina a vapor significou a ruptura definitiva com o modo de produção feudal e, por conseguinte, as bases da hegemonia capitalista. As inovações tecnológicas representaram um aumento na produção e, portanto, na circulação de mercadorias, intensificando o processo de acumulação de capitais. O avanço tecnológico foi também responsável pelo desenvolvimento dos meios de transporte que tornariam as distâncias menores, contribuindo assim, para a expansão do capital. As invenções que se sucederam à máquina do Sr. Watt, ao intensificar o processo de

acumulação do capital, aceleraram a divisão do trabalho e, desse modo, fortaleceram a desumanização e alienação do trabalhador.