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Homicídio culposo

No documento Manual Operacional Do Policial Civil SP (páginas 74-78)

O homicídio culposo, decorrente de ação ou omissão por imprudência, negligência ou imperícia, freqüentemente tem sua autoria esclarecida sem muita dificuldade. É fácil defender tal premissa, pois quem age com culpa não deseja o resultado letal, uma vez que o fato em si é caracterizado pela acidentalidade.

Acidente do trabalho, envenenamento, disparo acidental de arma de fogo, desaba- mento, desmoronamento, deslizamento, manuseio de explosivos, gases e outras substân- cias inflamáveis e, principalmente, acidentes de trânsito são exemplos dessa modalidade.

4.1. Morte no trânsito

O Estado de São Paulo conta com frota de mais de doze milhões de automóveis, ônibus e caminhões, além de um número sempre crescente de motocicletas e bicicletas. Esse universo de veículos circulando pela deficiente malha viária, principalmente na Capital, causa elevado número de mortes, em decorrência de atropelamentos, choques e colisões. Grande parte desses óbitos são homicídios culposos de autoria desconhe- cida, que exigem investigação especializada por parte da Polícia Judiciária.

4.1.1. Investigação nos crimes de trânsito

Diante da necessidade de uma investigação especializada nos homicídios e lesões corporais de autoria desconhecida envolvendo veículos automotores, foi criada em São Paulo, a 1ª Delegacia de Acidentes de Trânsito, junto à Divisão de Crimes de Trânsito do Detran, operando conforme a Resolução SSP- 212, de 13/10/94.

Essa delegacia especializada atua em regime de plantão permanente, sendo aciona- da pelas unidades de base territorial quando o cadáver estiver no local, e este preservado.

2 GOMES, José Carlos. Perfilamento psicológico – a nova arma da Polícia para os homicídios seriados,

4.1.2. Rotina investigatória

A 1ª Delegacia de Acidentes de Trânsito, unidade especializada, atua com métodos próprios desenvolvidos a partir de perícia minuciosa do local do acidente, bem como de suas cercanias. Nesses eventos, os vestígios, não raras vezes, são encontrados a centenas de metros do ponto de impacto.

Os vestígios do acidente, representados por fragmentos de vidros e plásticos, esca- mas de pintura e peças metálicas, são valiosos elementos para a definição da marca e tipo do veículo. Detritos desgarrados dos pára-lamas e assoalho podem indicar a procedência do veículo, enquanto que as marcas de frenagem podem determinar a velocidade desen- volvida.

Pesquisas efetuadas através dos diversos programas de Informática, desenvolvidos especialmente para o Detran, têm produzido bons resultados às investigações. Vários veículos envolvidos em acidentes têm sido identificados através da pesquisa denominada

fragmentos.

Além desse apoio técnico, as investigações sobre acidentes de trânsito com vítimas fatais obedecem à rotina das informações das testemunhas.

A fiscalização de oficinas especializadas em reformas de latarias, conhecidas como funilarias, assim como as lojas que comercializam pára-brisas novos e usados, também são freqüentes na rotina investigatória dessa infração penal.

Diante de tal especialização, o índice de esclarecimento dessas ocorrências, lamen- tavelmente, ainda é muito baixo, tanto pela ausência de multiplicadores que levam ao cometimento do tipo, bem como pelo perecimento da própria prova.

4.2. Suicídio

O suicídio, destruição da própria vida, não é reconhecido como tipo penal, mesmo porque a morte extingue a pretensão punitiva do Estado. Entretanto, a lei penal substan- tiva tipifica o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio.

4.2.1. Caracterização do suicídio

Para a Polícia Judiciária é de suma importância a caracterização do suicídio, pois facilita o trabalho de investigação decorrente. Uma vez excluída a hipótese de homicídio, caberá apenas indagar sobre as causas do desatino, para extinção ou reforço da tese de instigação, induzimento ou auxílio.

4.2.2. Causas do suicídio

Existem suicidas que são pessoas aparentemente normais, não sugerindo qualquer desequilíbrio mental. Todavia, constituem exceção à regra. Estudos revelam que as tenta- tivas e as ameaças são registradas com muita freqüência nos antecedentes comportamentais dessas infelizes criaturas.

Suicídios na família também são causas muito freqüentes, além do envolvimento da pessoa com drogas, doenças incuráveis, grandes dissabores amorosos e perdas financeiras.

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4.2.3. Cautelas necessárias

Os vestígios encontrados num local de suicídio são característicos e, por vezes, abundantes. No entanto, o investigador deverá desconfiar da cena, quando as evidên- cias desses vestígios forem exageradas, já que poderão estar dissimulando um homicídio doloso.

O exame de cartas dos suicidas, comparando-se a caligrafia com escritas anteriores, a verificação da sede da lesão, a posição da arma, a disposição do corpo em conjunto com os móveis e objetos do ambiente, deverá estar harmonicamente interligado e ser coerente com o ato praticado.

Quando o suicídio for praticado com arma de fogo, o exame residuográfico nas mãos do suicida será imprescindível.

A literatura policial brasileira registra alguns casos de suicidas que tentaram maquiar seus tresloucados atos com o propósito de incriminar inocentes, logicamente opositores ou inimigos.

Como se observa, a investigação do suicídio é aparentemente simples, mas exige cautela para que não ocorram inversões em seu rumo, que depreciam o trabalho policial.

4.3. Aborto

A legislação penal é específica no tocante à proteção da vida e trata do aborto nos artigos 124, 125, 126, 127 e 128 do Código Penal.

O primeiro refere-se ao aborto praticado pela própria gestante ou com o seu consen- timento. O artigo 125 tipifica a forma mais grave, e que maior interesse policial desperta, pois cuida do aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante. O artigo 126 reprime o aborto provocado por terceiro com a anuência da gestante. Os artigos 127 e 128 complementam essa repressão.

O conceito doutrinário de aborto, aliás, termo impróprio, pois aborto é o resultado de um ato de abortamento, diz respeito à interrupção da gravidez com a destruição do óvulo fecundado, do embrião ou do feto.

4.3.1. Aspecto médico-legal

O aborto provocado ou consentido, antes de ser um problema policial, é assunto de grande interesse social e, principalmente, de saúde pública.

O número absurdo de abortos, estimado em cinco milhões de casos anuais no Brasil, segundo estatísticas da Organização Mundial da Saúde – OMS, traz um grande desconforto às autoridades sanitárias, pois a maioria desses procedimentos não obedece princípios mínimos de higiene, colocando em risco a vida da gestante. Logicamente, tal preocupação refere-se aos abortos praticados por parteiras, enfermeiras, ou, até mesmo, pessoas leigas em ambientes impróprios.

Os procedimentos efetuados por médicos em hospitais ou clínicas, apesar de não representarem perigo à saúde das gestantes, são, igualmente, objeto da ação policial quando não constituírem as exceções legais previstas no artigo 128, incisos I e II, do Código Penal.

4.3.2. Ação policial

O crime de aborto, na maioria das vezes, chega ao conhecimento da autoridade policial em decorrência da imperícia do sujeito ativo, que acaba provocando lesões, ou até mesmo, a morte da gestante. Raramente por denúncia.

Com essas informações, a investigação é direcionada ao consultório médico ou ao local improvisado conhecido na gíria policial como fábrica de anjos. A prisão em flagrante delito dos responsáveis é quase certa, visto que uma das características da modalidade é a sua alta rotatividade.

Outra forma de investigação desse ilícito penal é o contato de policiais com infor- mantes que residam ou tenham alguma atividade nas proximidades de clínicas ou consul- tórios suspeitos. A movimentação constante de casais, principalmente, pela manhã, é um indício muito comum na consumação desse tipo penal.

4.3.3. Das provas

No crime de aborto, tipicamente relacionado a procedimento médico-cirúrgico, implica entender que a prova principal está fundada nos preceitos de Medicina Legal, muito embora uma série de vestígios possa também indicar a prática abortiva.

Indispensável o exame de constatação de gravidez no ato da prisão em flagrante, observando-se o disposto no inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal, que garante o direito ao silêncio. Recomenda-se que a gestante, o sujeito passivo, submeta-se a novo exame após o decurso de 10 (dez) dias, ocasião em que o resultado será certamente nega- tivo. Essa é uma prova irrefutável de que a examinanda estava grávida no dia da prisão em flagrante e que, por ocasião do exame, não, concluindo-se, portanto, pela ocorrência da prática abortiva.

O feto e fragmentos de placenta, quando apreendidos, também devem ser subme- tidos à perícia e, nos dias atuais, com a possibilidade do exame pela técnica de DNA, tais vestígios transformam-se em provas materiais de alto valor probatório porque vinculam a pessoa do sujeito passivo ao crime.

Instrumentos cirúrgicos, tais como curetas, pinças, bicos de pato e outros priva- tivos de uso médico, quando encontrados na posse de parteiras, ou curiosas, indicam prática delituosa. Estoque de medicamentos específicos, também, constituem fortes indícios.

Nas clínicas e consultórios suspeitos, todas as anotações, agendas, fichários e com- putadores devem ser apreendidos e periciados, uma vez que podem conter informações preciosas à investigação. Na hipótese, recomenda-se rigoroso levantamento fotográfico. Na ocorrência de óbito da gestante, é comum encontrar-se objetos e substâncias utilizadas na prática abortiva dentro da cavidade uterina.

4.4. Lesões corporais

A lesão corporal é figura penal comum de maior incidência. Numa comunidade, a freqüência de desentendimentos, desinteligências, vias de fato, brigas ou rixas é conside- rável, mas apenas uma pequena parcela desse universo chega ao conhecimento das auto- ridades policiais.

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A própria legislação brasileira, a partir de 1995, com o advento da Lei nº 9.099, deu nova característica ao crime tutelado pelo artigo 129, caput, do Código Penal, condicio- nando-se a inauguração da ação penal à representação da vítima.

4.4.1. Ação policial

Quando a Polícia é acionada para tais ocorrências, geralmente trata-se de conflito ou briga envolvendo vários contendores. O ambiente propício é exatamente aquele onde exis- te concentração popular, v.g., festas, bailes, espetáculos esportivos ou artísticos, e bares. O primeiro passo na investigação de lesões corporais concretiza-se com a coleta de informações para se saber os motivos da briga, as pessoas envolvidas, quem iniciou o conflito e, se possível, a apreensão de armas ou objetos improvisados utilizados na prática agressiva.

Após as diligências iniciais, e a expedição de requisições de exames médico-legais, deverá a investigação concentrar-se nas informações fornecidas pela vítima. Esta, em últi- ma análise, será a figura central de toda a ação policial, pois, caso não manifeste o desejo de prosseguir no procedimento apuratório, inútil serão as diligências futuras.

Os registros dessas ocorrências, ainda que arquivados, devem ser cautelosamente mantidos nas unidades policiais, mesmo porque não é novidade que um caso banal venha a se transformar em homicídio, no futuro.

4.4.2. Lesões corporais culposas

Consoante tratamento dado aos homicídios culposos, a linha de trabalho investiga- tório é exatamente a mesma em se tratando de lesões corporais.

Cuidando-se de lesões decorrentes de acidentes comuns, raramente de autoria des- conhecida, a palavra da vítima é importante para o esclarecimento.

Nos acidentes de trânsito, cuja delegacia especializada do Detran tem atuação em São Paulo – Capital, nos termos da Resolução SSP-212, de 13/10/94, percebe-se que as informações fornecidas pela vítima, muitas vezes, colaboram para o esclarecimento do delito, ao indicarem detalhes sobre o local, o veículo, ou sobre o condutor e seus acompa- nhantes.

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