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2 PROGRAMA CULTURA VIVA E A POLÍTICA CULTURAL NO BRASIL

2.2 PROGRAMA CULTURA VIVA

2.2.2 Identidade coletiva dos pontos de cultura

No caso das organizações pontos de cultura, qual seria a identidade ou identidades do coletivo? Se há organizações que atuam em setores muitas vezes distintos, ainda que sobre área da cultura, o que criaria vínculo entre essas organizações?

Em avaliação feita Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2011 ao ouvir membros dos pontos cultura, a pesquisa concluiu que existe forte processo de identificação, a começar pelo nome “pontos de cultura” (IPEA, 2011, p.53). Muitas das instituições alteraram sua nomenclatura. No município de Ponta Grossa, no Paraná, por exemplo, uma iniciativa popular denominada Bando da Leitura, optou pela marca “Ponto de Leitura”, com o ingresso no Programa Cultura Viva.

A afirmação da identidade de pontos de cultura é um processo político, integrado ao conjunto das atividades realizadas, ou seja, a instituição torna-se ponto de cultura e não apenas o projeto específico de torna-seu plano de trabalho ou a ação pontual prevista em seu convênio. (IPEA, 2011, 53).

Na avaliação do IPEA também se constatou que instituições que haviam encerrado o convênio com o Ministério da Cultura continuaram a utilizar a denominação “ponto de cultura”. Os membros dos grupos também se identificam como “ponteiros”.

A avaliação concluiu que através da marca proporcionada do programa e dos dilemas15 compartilhados através da relação de recursos com o Ministério da Cultura, além da centralidade das ações dos diferentes grupos serem na área da cultura, criaram-se identificações, porém, somente essas características não garantiriam a identidade coletiva sem a articulação dos grupos, a qual proporcionada pela própria política através da Rede Cultura Viva.

Desde o preâmbulo do Programa Cultura Viva, foi-se destacado pelos seus criadores a importância de articulações entre os grupos e dos grupos nas suas

15 O principal dilema ou obstáculo que os pontos de cultura enfrentam é a não continuidade do Programa Cultura Viva, assim como a escassez de recursos financeiros do Ministério da Cultura.

relações com as demais instituições da sociedade. O historiador Célio Turino foi o secretário de Programa e Projetos de Gilberto Gil e responsável pela formulação do Cultura Viva. Ele descreve o programa como uma rede, a rede Cultura Viva:

A rede Cultura Viva deve ser maleável, menos impositiva na sua forma de interagir com a realidade e por isso ágil e tolerante, como um organismo vivo. O objetivo é fazer uma integração dos pontos em uma rede global que acontece a partir das necessidades e ações locais (TURINO, 2005, p. 138).

A interação dos pontos se efetivou diante de várias ações. Entre elas, as teias. Teia é o encontro nacional dos pontos de cultura, realizado a partir de 2006 com sua última edição em 2010. Nas teias eram realizadas trocas de experiências, debates, oficinas, entre outras ações. Além da teia nacional, foram organizadas teias regionais e locais. A participação na teia era obrigatória aos pontos de cultura, prevista como a exigência nos editais aos contemplados.

Outra ação de encontro promovida pelo desenho institucional da política foi a criação de pontões de cultura. Os pontões, assim como os pontos de cultura, foram criados a partir de editais públicos. A função principal das organizações selecionadas nessa modalidade é de articulação e capacitação de no mínimo dez pontos de cultura. Eles podem ser caracterizados por articular os coletivos por atividade temática, como os pontões de cultura digital – que atuam no compartilhamento de tecnologias livres. Ou podem ser geográficos – como o pontão Kuai Tema, da organização não governamental Soylocoporti, responsável pela comunicação entre os pontos de cultura paranaenses.

A partir de encontros presenciais (as teias) e articulação por interesses segmentados e geográficos (pontões de cultura), foi-se potencializado a criação e fortalecimento de vínculos entre os membros de diferentes pontos de cultura. Pode-se afirmar que os encontros prePode-senciais foram importantes para construção da identidade coletiva, já os pontões tiveram o papel de fortalecimento de vínculos.

Henriques (2007, p. 44) desenvolve um esquema de níveis de vínculos entre membros das organizações sociais. Para o autor, quanto maior o fator de identificação entre os participantes, mais consistente é seu vínculo e, por conseguinte, maior a probabilidade das iniciativas temporárias e fluidas se tornarem de maior corresponsabilidade e institucionalizadas.

A vinculação que gera a ação entre os indivíduos é caracterizada pelo autor por um processo cultural e não material.

Fatores de identificação são quaisquer elementos que constituem o referencial simbólico de causa de um projeto de mobilização social, capazes de gerar sentimentos de reconhecimento, pertencimento e corresponsabilidade nos públicos do projeto. O efeito dos mesmos opera no campo do simbólico e do não palpável, mesmo quando esses elementos possam ser materialmente observados, tocados ou apropriados.

(HENRIQUES, 2007, p. 82).

Como destacam Toro e Wetneck (2004, p. 13), a conversação tem um papel fundamental na formação de vínculos, na medida em que a comunicação – enquanto mobilização – é utilizada para “convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados”.

As interações entre os atores da política é uma das principais diferenças com as outras políticas culturais adotas até então. Embora assim como a Lei Rouanet, o Cultura Viva transfira recursos públicos para organizações-não governamentais, as diferenças no desenho institucional pode ser observadas em quatro aspectos (quadro 1).

Lei Rouanet Cultura Viva

Modelo de financiamento Indireto. Isenção fiscal para o setor privado

Seleção dos beneficiários Setor privado Editais públicos

QUADRO 1 – Comparação do desenho institucional da Lei Rouanet e com o do Programa Cultura Viva Fonte: Organização do autor com base na Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991 e del Claro (2013)