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A identidade docente, segundo o currículo pós-crítico de Educação Física

2.4. Currículo pós-crítico

2.4.1. O currículo pós-crítico de Educação Física

2.4.1.1. A identidade docente, segundo o currículo pós-crítico de Educação Física

A identidade docente constituída pelo currículo pós-crítico da Educação Física sofre mais influência filosófica de seu referencial teórico do que da própria proposta pedagógica que preconiza.

Isso porque a visão de ser humano para a Pós-modernidade deve superar a visão Moderna, isto é, o Homem não é provido de razão e isso gerou diversas contradições presentes na contemporaneidade.

Fundamentados nas ideias de Derrida, o Currículo Cultural da Educação Física entende que “o indivíduo não é dotado de uma identidade prévia, original; ele constrói sua identidade com base nos aparatos discursivos e institucionais que o definem como tal, como a escola e o currículo” (NEIRA; NUNES, 2009, p. 178).

Fica explícito também o entendimento de que os discursos institucionais, como um currículo escolar, por exemplo, vão interferir na identidade dos sujeitos ao qual esse discurso é direcionado. São justamente os discursos dados como metanarrativas que constituem a identidade de cada sujeito. Por consequência, é esse mesmo discurso que estabelece aquilo que é classificado como diferente, fora do padrão identitário que o discurso almejava construir. “A identidade – aquilo que “nós” somos – é uma construção discursiva tanto quanto a diferença – aquilo que “nós” não somos.” (NEIRA; NUNES, 2009, p. 179).

As relações de poder que legitimam os discursos hegemônicos, segundo o currículo pós-crítico, estão presentes em todas as relações sociais. Isso significa dizer que o poder está descentralizado e que, desta forma, não é possível a emancipação do sujeito como preconizado pela teoria curricular crítica. Sendo assim, busca-se uma identidade solidária através do contato com diferentes culturas, pois isso favoreceria a autocrítica em relação aos discursos hegemônicos e, por consequência, seria uma possibilidade para a transformação social (NUNES; RÚBIO, 2008).

Isso não significa dizer que o Currículo Cultural da Educação Física é teleológico, pois, como currículo pós-crítico, rejeita a ideia de estabelecer metas fixas para a identidade a ser formada pela escola. Sendo assim, a transformação social não constitui uma direção, mas sim, uma possibilidade.

Com isso, temos mais uma ruptura: a do professor de Educação Física agente de saúde, militar, técnico esportivo e recreador. Também está rompendo com o professor de Educação Física à serviço das outras disciplinas escolares e com o professor crítico.

Desta forma, o docente em Educação Física para o Currículo Cultural não necessita de uma identidade docente constituída. Entendemos que ele assume a figura de professor, porém como sujeito em meio às relações de poder buscando um fazer/ser diferente em relação ao que já está dado. Assim, cabe ao professor construir sua própria identidade, ou seja, construir o próprio discurso.

Pode-se entender, com base nos argumentos expostos, que ser professor de Educação Física não é algo natural, uma essência. Vestir certas roupas, possuir certos corpos, realizar com eficiência certas práticas corporais, defender certas ideias são decorrências de processos discursivos que afirmam, por meio de relações de saber-poder, qual a identidade de professor de Educação Física é a norma. Apresentar-se de forma contrária à afirmada pelos discursos e pelas relações de saber-poder constitui a diferença (NEIRA; NUNES, 2009, p. 179).

“Sob a inspiração de uma pedagogia cultural, os educadores tornam-se menos escolares e mais culturais. Menos parecidos com o professor e mais próximos ao artista, trabalhando na linha da divergência e da reconceptualização daquilo que está posto” (NEIRA; NUNES, 2009, p. 233).

Sintetizando, a identidade docente para o currículo pós-crítico da Educação Física está relacionada com os discursos presentes na sociedade associados às relações de poder entre os sujeitos que praticam esses discursos. Portanto, parece não ser a preocupação desta teoria curricular, constituir uma identidade docente em Educação Física.

Ainda assim, foi possível compreender que a ideia de “identidade solidária” e de docente “menos parecidos com o professor e mais próximos ao artista” colabora para que possamos entender o professor como uma figura que busca ressignificar discursos ao mesmo tempo em que é ressignificado por eles.

Desta maneira, a partir do nosso entendimento a respeito do Currículo Cultural da Educação Física, procuramos estabelecer a identidade docente constituída:

Quadro 11 - A identidade docente constituída pelo currículo pós-crítico de Educação Física

Principais características dadas pelo currículo

Identidade docente (ou profissional)

constituída

Currículo Cultural

Leitura da cultura corporal como discurso a ser ressignificado e valorização das culturas

marginalizadas no currículo escolar

Professor

Fonte: Organizado pelo pesquisador.

Seguindo o padrão estabelecido ao longo deste capítulo, abaixo segue o quadro contendo as informações referentes à proposta curricular pós-crítica da Educação Física:

Quadro 12 - Síntese da proposta curricular pós-crítica de Educação Física MOMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA CURRÍCULO TEORIA CURRICULAR TENDÊNCIA PEDAGÓGICA PRINCIPAIS REFERÊNCIAS BASE FILOSÓFICA/ EPISTEMOLÓGICA PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS IDENTIDADE DOCENTE CONSTITUÍDA Segundo momento: A Educação Física em busca da autocrítica Cultural Pós-crítica ---* Marcos Garcia Neira e Mário Luiz Ferrari Nunes (2006; 2009) Pós-estruturalismo, Estudos Culturais

Leitura da cultura corporal como discurso a ser ressignificado e valorização das culturas marginalizadas

no currículo escolar

Professor

* Não consideramos que alguma tendência pedagógica específica fundamente essa proposta curricular.

Fonte: Organizado pelo pesquisador.

Embora o Currículo Cultural tenha representado um distanciamento de uma Educação Física alienada e alienante, não podemos deixar de considerar a necessidade de permanecer com a autocrítica, uma vez que a crise de identidade da Educação Física parece permanecer.

É por isso que consideramos pertinente entendermos a Educação Física como uma construção histórica e, nesse sentido, o quadro abaixo nos traz uma noção de totalização ao sintetizar as propostas Educação Física escolar, conforme apresentada até aqui:

Quadro 13 - Síntese das propostas curriculares tradicionais, críticas e pós-crítica da Educação Física MOMENTOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA CURRÍCULO TEORIA CURRICULAR TENDÊNCIA PEDAGÓGICA PRINCIPAIS REFERÊNCIAS BASE FILOSÓFICA/ EPISTEMOLÓGICA PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS IDENTIDADE DOCENTE CONSTITUÍDA Primeiro momento: A Educação Física alienada e alienante

Ginástico Tradicional Tecnicista ---* Medicina, Biologia Condicionamento físico e disciplina

Agente de saúde / Militar Ginástico Tradicional Tecnicista ---* Medicina, Biologia Condicionamento físico e

disciplina

Ginástico Tradicional Escolanovista ---* Medicina, Biologia

Condicionamento físico e disciplina (olhar voltado para o aluno e para a normatização

do lazer) Esportivista Tradicional Tecnicista ---* Medicina, Biologia,

Fisiologia Performance esportiva

Treinador / Técnico Segundo momento: A Educação Física em busca da autocrítica

Psicomotor Tradicional Tecnicista Freire (1989) João Batista Psicologia através de atividades lúdicas Desenvolvimento global Professor / Recreador

Desenvolvi-mentista Tradicional Tecnicista Go Tani (1988) Psicologia

Desenvolvimento global através de atividades lúdicas

Professor / Recreador

Saudável Tradicional Tecnicista ---* Medicina, Biologia,

Fisiologia Cuidado com a saúde

Preparador físico / Personal training Crítico-superador Crítica Progressista (Histórico-Crítica) Coletivo de Autores (1992) Filosofia, Sociologia (à luz do Marxismo) Transmissão dos conhecimentos científicos relacionados à cultura corporal visando à superação

do senso comum. Professor Crítico-emancipatório Crítica Progressista (Libertadora) Elenor Kunz (1991; 1994) Filosofia, Sociologia (à luz da Fenomenologia)

Ensino dos esportes tradicionais (considerando também sua prática popular)

como manifestação do “Se-movimentar” visando à emancipação em relação à opressão do esporte. Professor Cultural Pós-crítica ---** Marcos Garcia Neira e Mário Luiz Ferrari Nunes (2006; 2009) Pós-estruturalismo, Estudos Culturais

Leitura da cultura corporal como discurso a ser ressignificado e valorização das culturas marginalizadas

no currículo escolar

Professor

**Currículos que não possuem um único autor como seu principal propositor.

** Não consideramos que alguma tendência pedagógica específica fundamente essa proposta curricular.

Fonte: Organizado pelo pesquisador.