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3. RESULTADOS

3.3. Imagens negativas relacionadas ao sucesso escolar

O sucesso acadêmico nem sempre é relacionado a imagens boas. Em vários momentos, estimulados por perguntas ou espontaneamente, entrevistados expuseram situações de desconforto relacionadas ao sucesso. Além das já citadas, apresentamos a seguir algumas dessas imagens e situações.

3.3.1. Apelidos

A maior parte dos entrevistados relatou ter tido, durante a escolaridade, apelidos decorrentes do sucesso acadêmico. Alguns efêmeros, outros com duração superior ao ano escolar. “Nerd”, “Cabeção” e outros termos empregados por colegas causaram incômodo no ensino fundamental, porém hoje são aparentemente bem tolerados pelos entrevistados que citaram essas situações.

Já me chamaram de muita coisa. Isso me incomodava antes, agora não mais. C., 17 anos

[Apelidos?]

Não muito. Tem sempre um babaca da sala que fica falando alguma coisa...

G., 17 anos

A forma hostil como “G.” se refere aos colegas que o assediam verbalmente denota o incômodo ainda gerado pelos comentários considerados inconvenientes.

Os apelidos já me incomodaram muito, porque me colocavam lá numa posição como um E.T., mas eu sempre achei que não estava fazendo nada mais que minha obrigação. Quem tá errado é você, não eu. Hoje em dia eu levo na brincadeira, eu sei que quem faz isso são meus amigos.

[E alguma vez, quando essas brincadeiras te incomodavam, você já teve o impulso de reduzir seu rendimento, para ser inserida no grupo?]

Com certeza isso já passou pela minha cabeça, mas eu sempre chegava à conclusão de que era bobagem, aí eu desistia da idéia logo, mas que já passou pela cabeça, isso já.

A., 16 anos

É ilustrativo ressaltar que as entrevistas foram realizadas entre alunos da terceira série do ensino médio. Atingiram o sucesso porque, entre outros fatores, venceram diversas dificuldades, inclusive a do assédio moral, como ilustra a fala acima, em que “A.” assume que já se viu em situações de ceder às pressões do grupo para ser mais aceita socialmente. Portanto, uma das habilidades desenvolvidas por eles foi a resistência às influências do grupo,

que em muitos momentos tenta conduzi-los a atividades ou situações divergentes em relação à meta do sucesso escolar.

No ensino médio, é particularmente estratégico o assédio para encontros sociais, tais como festas, cinema etc. Muitas vezes os convites são aceitos, embora com certa parcela de culpa, dado o envolvimento com o estudo. Dessa forma, aquilo que seria uma atividade natural para qualquer indivíduo, especialmente nessa faixa etária, transforma-se em concorrente ao estudo deliberado.

O que mais me provoca é quando meus amigos me chamam pra sair quando eu estou querendo estudar. Às vezes não dá pra resistir, e eu vou com eles.

F., 17 anos

Nesse trecho, “F.” revela a dificuldade em perseguir a meta do estudo individual, quando confrontada aos convites para eventos sociais. Percebe-se nesses jovens a imagem da dualidade entre a diversão e o estudo. Nota-se certa dificuldade dos entrevistados em lidar com essa questão. “G.”, por exemplo, expõe seu incômodo com a imagem de que alunos de sucesso escolar apresentam restrição de vida social.

Também me incomoda quando as pessoas ficam falando que eu não tenho vida. Eu tenho vida, eu saio, vou a festas, ao cinema com os meus amigos.

G., 17 anos

3.3.2. Pressão excessiva

Em algumas falas percebe-se que a pressão, alimentada principalmente por sentimentos do próprio entrevistado, parece ter gerado níveis elevados de estresse. O perfeccionismo para resultados escolares é nítido, e esse fator, aliado a outros, como a exigência dos pais e o cansaço, deixou imagens de sofrimento.

Essa busca por ser a melhor acaba que gera um pouco de pressão. Às vezes, nem por outras pessoas, mas por você mesma. Você sabe que pode fazer melhor, então você corre atrás...

A., 16 anos Por exemplo, eu tenho que ficar aqui todas as tardes. Eu poderia almoçar em casa, eu almoço aqui todos os dias, e isso desgasta. Eu acordo praticamente como se não tivesse dormido. Eu volto pra casa, durmo e acordo cansado.

G., 17 anos

Os fragmentos apresentados expressam de forma clara o sofrimento embutido no sucesso escolar, o que agrega ainda mais valor. Paralelamente a esse sofrimento, é possível notar nas entrelinhas certo ar de heroísmo nessa conquista.

[Alguma outra lembrança negativa, em relação à sua vida escolar?]

Em termos de pressão, tem hora que eu não agüento mais, o estudo enche o saco demais, eu tenho vontade de ir embora,... fico saturada.

[Saturada de estudar ou saturada de tentar se manter em primeiro?]

Os dois, os dois.

[E o que te incomoda mais?]

Já rolou vontade de me contentar com seis, de não me exigir muito, já tentei, mas nunca consegui fazer isso.

[De que maneira?]

Ah... não sei... Por exemplo em Química, já larguei assim: pô, não vou aprender mesmo... aí vem a prova e eu tiro seis, ou seis e meio. Aí rola aquele arrependimento, porque eu podia ter ido melhor. Aí depois eu meto a cara no estudo. Não consigo. Nem quero ser a melhor de todos sempre, mas quero ser o melhor que eu puder ser.

K., 17 anos

Esse último trecho ilustra a exigência desenvolvida pela aluna em relação aos próprios resultados e à incapacidade estabelecida em contentar-se com o mínimo exigido pelo sistema educacional. O discurso demonstra também o papel motivador que o insucesso desempenha na retomada da aprendizagem. A consciência sobre o fracasso ativou na jovem a vontade de superar a dificuldade, com foco na própria potencialidade, numa atitude de autoconhecimento.

3.3.3. Insucessos

Durante as entrevistas, os sujeitos foram provocados a discorrer acerca dos insucessos e seus desdobramentos. Mais uma vez, fica evidente a auto-exigência por elevados desempenhos.

Na quinta serie, quando mudei pra escola particular, eu tinha uma dificuldade grande com algumas matérias. Na escola pública, em geral, eu só tirava 10 ou 9,5. Chega lá, você tira um 7. Aí, você: ‘nossa, muito baixo’. Isso diminuiu a auto- estima, porque você pensa que está piorando. E também porque você chega e tenta estudar mais, como eu tentei. Me desafiou, mas na época foi ruim. Eu não me sentia eu. Eu gostava de ser bem-sucedido nas provas.

G., 17 anos

Percebe-se no excerto a busca pelo bom resultado, a relação entre nota e bem- estar e a forma como o jovem lidou com pequenos fracassos, chamando para si a responsabilidade. É dada muita relevância aos erros, cuja causa é geralmente localizada em procedimentos do próprio aluno (atribuição causal interna, controlável).

Um termo recorrente quando se fala em sucesso é culpa. Na interação abaixo, o entrevistado relaciona culpa à responsabilidade e também localiza a causa do erro nas próprias ações. Como no caso anterior, percebe-se também forte preocupação em corrigir os erros, de modo a não repeti-los e, assim, atingir as metas estabelecidas.

[Você citou mais uma vez a palavra culpa. É a primeira coisa que você busca após um insucesso?]

Sim.

[E esse culpado, geralmente, é quem?]

No meu caso, geralmente sou eu. Geralmente é a quem é incumbida a responsabilidade.

[E o que você faz depois de ter descoberto a culpa?]

Eu vejo o que eu fiz de errado. A partir daí é aprender com os erros e fazer de tudo pra conseguir atingir minhas metas.

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