• Nenhum resultado encontrado

Os motivos que levaram os portugueses a sair de seu país e se dirigirem ao Maranhão, não são diferentes daqueles que os levaram a outros destinos no Brasil, a situação econômica de Portugal, a intenção de melhorar de vida ou enriquecer, os estimularam a cruzar o Atlântico. No caso do Maranhão, poderia ser justificada a escolha por ser atrativo no início do século XIX, pois ainda despontava como uma das províncias mais ativas economicamente, configurando até meados do século XIX como uma das quatro que mais exportavam e importavam produtos de Portugal.

A chegada a essa próspera província foi marcada por dificuldades, pois as viagens eram demoradas e perigosas, sujeitas a naufrágios e doenças. Os que embarcavam com poucos recursos ficavam a mercê de capitães mercenários que se aproveitavam da condição socialmente inferior desses passageiros para poderem alferir para si lucros ilegais, com a venda de “escravos brancos”. A gradual substituição dos barcos a vela pelos vapores trouxe maior comodidade aos passageiros, pois as viagens ficaram mais curtas e menos desconfortáveis, porém com um preço mais alto, o que para muitos compensava.

No Maranhão, a vida desses imigrantes não foi fácil, mesmo para aqueles que chegavam já colocados no mercado de trabalho, pois estavam sujeitos a preconceitos, perseguições, jornadas longas de trabalho, salários baixos, ainda que melhores do que os portugueses. Mas as dificuldades para outros foram maiores, muitos não conseguiram se colocar no mercado de trabalho e outros, apesar de terem posição econômica favorável, perderam tudo e voltaram a estaca zero, restando-lhes recomeçar a vida novamente, muitas vezes em outras províncias ou em colônias portuguesas na África ou em Portugal. Se não bastasse, no Maranhão muitos encontraram o motivo de sua fuga de Portugal, o serviço militar, pelo menos nas décadas de 1830 e 1840, sendo vítimas de prisões e alistamentos forçados, obrigando o consulado a intervir a seu favor e nem sempre bem recebido.

A diminuição dos negócios foi seguida do encolhimento do número de embarcações trafegando entre os dois espaços e da manutenção do número de portugueses no Maranhão, que girou sempre, até a década de 1910, em torno de dois mil indivíduos, número relativamente expressivo na década de 1830, diante do quadro de habitantes, mas muito baixo na segunda metade do século XIX, já que o conjunto populacional se elevou.

A redução do contingente português diante da população do Maranhão pode estar associada a outros fatores, pois a região Norte, mais tarde denominada Nordeste, a qual fazia

parte era desqualificada por muitos, destacando a sua insalubridade, as epidemias e seu clima desfavorável. Apesar da preocupação das autoridades em desfazer esta visão, pouco foi feito e consequentemente os resultados foram pífios, fazendo com que o Maranhão se tornasse o décimo terceiro estado com mais portugueses no início do século XX, posição sem expressão no contexto nacional e inferior a anteriormente ocupada, o nono lugar, ainda que tenha permanecido como a terceira no Nordeste até o fim do período estudado.

Não houve aumento no contingente português e, também, na mudança de perfil no que se refere à maior presença de mulheres, como acontecia em outras regiões do país. A participação de menores, por sua vez, é notada, os jornais, as correspondências entre o consulado português e o MNE e a literatura dão conta de sua presença, mas, sendo pouco expressivos nas estatísticas. Os dados também apontam para o envelhecimento da população portuguesa, fenômeno nacional, mas com maior ênfase no Maranhão diante da insignificante renovação.

A busca por alternativas: sair de Portugal

A vasta bibliografia que trata dos motivos da emigração portuguesa para o Brasil, desde Alexandre Herculano até autores mais recentes, como Jorge Fernando Alves, dispensa uma longa exposição sobre o tema, permitindo aqui uma apresentação suscinta dos fatos.

Historiadores como Oliveira Martins e Joel Serrão lembram o quanto são remotas e presentes as crises e problemas econômicos em Portugal. Joel Serrão (1982) se remete ao século XV e Oliveira Martins (1994: 76) fala das constantes catástrofes que assolaram o país desde o século XVI, destacando os problemas do final do século XIX, quando o país se encontrava «a braços com a crise, talvez mais grave, que a tem assaltado desde o princípio do século». O mesmo autor, elenca problemas como a falta de trabalho em obras públicas, a redução dos vencimentos ou dos quadros do pessoal burocrático, assim como uma crise agrícola “já crônica”, devido à concorrência com os cereais americanos, resultando no aumento dos preços dos alimentos e no «peso dos tributos e dos encargos hipotecários» (Martins, 1994: 176-177). Russel-Wood (1998) lembra as crises vividas pelos portugueses no século XVIII, especialmente depois de 1765, quando a vida era dura para os pequenos rendeiros e trabalhadores do campo e da cidade. Desemprego, pobreza e falta de alimentos faziam parte do cotidiano de milhares de portugueses, enquanto as indústrias sofriam com a falta de investimentos e a agricultura passava por mais uma crise.

Para além das más condições econômicas históricas de Portugal que estimulavam o crescimento da pobreza de muitos e a impossibilidade de crescimento de outros tantos, inúmeras oportunidades surgiam no Brasil durante todo o século XIX. Outro motivo que teria intensificado a saída de muitos portugueses, essencialmente os mais jovens foi o serviço militar obrigatório. O problema era antigo, no final do século XVIII e início do XIX as autoridades já se queixavam da fuga ao recrutamento, do «„horror‟ da população pelo serviço militar» (Costa, 1995: 140).

Ao longo do século XIX não foi diferente, os possíveis candidatos buscavam alternativas para o não cumprimento de suas obrigações, sendo o pagamento da remissão uma delas. Por outro lado, o recurso investido nessa dispensa, possibilitava ao jovem a compra da passagem para o Brasil, proporcionando retorno financeiro mais atraente do que os seis ou sete anos que serviria nas forças militares, estimulando, assim, a clandestinidade53 (Pereira, 2002: 22). Também é verdade que muitos dos que podiam ou não tinham a intenção de emigrar, pagavam as remissões. Entre os anos de 1856 e 1872, 20% do contingente fixado optaram por essa alternativa. Nos anos em que o valor da remissão era mais baixo, muitos jovens deixaram de se apresentar às forças militares. Exemplo disto, em 1871, 41,8% pagaram para não servir (Monteiro e Maia, 2013).

Não é possível quantificar os clandestinos que desembarcavam no Maranhão, fugidos ou não do serviço militar, pois não existem fontes que os representem numericamente e as demais pouco ou nada informam sobre o tema, mas sabemos que era corriqueira a presença destes nas embarcações, quase sempre com o aval dos capitães, que lucravam com esse serviço ilegal, como notou o vice-cônsul de Portugal Antônio Aires de Carvalho em 1835: «Eu falei pessoalmente com ele, disse-lhe o modo como os portugueses vinham para este império, uns com passaporte, outros escondidos pelos capitães dos navios [...]» (ANTT, MNE, Correspondências dos consulados portugueses no Maranhão, caixa 298, 31/10/1835, Antonio Aires de Carvalho).

Um dos expedientes utilizados pelos capitães das embarcações que chegavam do Porto para burlar a fiscalização do consulado era a não apresentação das listas de passageiros, como esclarecia o cônsul de Portugal Joaquim Joze da Costa Portugal (ANTT, MNE, Correspondências dos consulados portugueses no Maranhão, caixa 298, 12/05/1842, Joaquim Joze da Costa Portugal). Sabemos, também, pelo relato do cônsul de Portugal, Claudino de

53 A legislação sobre o serviço militar muda de acordo com o período. Para melhor compreender as mudanças

ver para o final do século XVIII: Fernando Costa (1995). Para a segunda metade do século XIX ver: Isilda Monteiro (2007).

Araújo Guimarães, que no final da década de 1850 havia um fluxo de imigração clandestina para o Maranhão: «Cumpre-me, também, levar ao conhecimento de V. Exa., que, em razão da extrema miséria e desvalimento em que se achavão estes infelizes, victimas da emigração clandestina, que anos antes se fazia para esta província [...]» (AHMNE, Correspondências dos consulados portugueses no Maranhão, caixa 518, 31/07/1861, Claudino de Araújo Guimarães). Obviamente, a clandestinidade desses passageiros diminuiu com a imigração para o Maranhão ao longo do século XIX, mas não parece ter deixado de ser utilizada como meio de sair de Portugal e chegar ao Brasil, pois em 1902 dois portugueses de Funchal foram encontrados escondidos no vapor inglês Lisbonense (AHMNE, Correspondências dos consulados portugueses no Maranhão, caixa 522, 13/08/1902, nome ilégível).

O serviço militar, que muitos buscavam burlar com sua saída de Portugal, o esperava em terras brasileiras. Apesar do fim da existência dos batalhões de estrangeiros nas forças militares brasileiras em 1830, a prática de recrutá-los, especialmente portugueses continuou, principalmente na Marinha, chegando a causar preocupação às autoridades portuguesas na década de 1840.

Em meados dos anos de 1840, o recrutamento forçado de marinheiros portugueses para a Armada de Guerra do Brasil passou a chamar a atenção do governo de Lisboa. O alerta era feito pelos representantes consulares lusos em cidades portuárias, por meio de correspondência diplomática. Carente de homens livres para ocupar postos nas embarcações militares, o império recorria a incorporação compulsória de marítimos que serviam em barcos de comércio, fossem brasileiros natos, adotivos, naturalizados ou estrangeiros, sobretudo lusitanos (Mendes, 2011).

O vice-cônsul português no Maranhão Antônio Aires de Carvalho parecia concordar com a necessidade de utilizar esses indivíduos nas embarcações de guerra diante da falta de homens livres no Maranhão, deixando a decisão de liberá-los, sem questionamento, nas mãos do Ministro da Marinha brasileira.

Por este mesmo motivo pois, e porque, se atendesse a todas as requisições deste gênero, em breve teria a corveta de soffrer um considerável desfalque de marinheiros, que o Maranhão não poderia suprir, tenho por acertado não deferir as mesmas, enquanto o respectivo ministro, a cujo conhecimento passo a levar este negocio não resolver a respeito, o que julgar mais justo (ANTT, MNE, Correspondências dos consulados portugueses no Maranhão, caixa 298, 26/06/1838, Antonio Aires de Carvalho).

Admitia, ainda, a dificuldade de se averiguar se os indivíduos eram portugueses ou brasileiros adotivos, pois estes se utilizavam de uma das duas nacionalidades de acordo com

seus interesses. Se era para servir à marinha mercante, eram brasileiros, se era para cumprir com suas obrigações militares, se declaravam portugueses, que, por lei, os impediam de serem alistados.

[...] mas conheço muito bem a difficuldade que há em distinguir se tais homens são portugueses ou brasileiros adoptivos, pois marinheiros há que tendo gozado dos direitos destes, servindo como tais em nossa Marinha Mercante, quando receião ser obrigados a cumprir deveres, provão perante o cônsul ter nascido em Portugal, e terem vindo dali a pouco, calando a circunstancia de ser esta viagem um recresso ao pais que a que já estavão anteriormente ligados e deste modo conseguir um documento, que os constituem no goso dos direitos de súditos das duas nações, com quanto não cumprem os deveres de nenhuma (ANTT, MNE, Correspondências dos consulados portugueses no Maranhão, caixa 298, 23/06/1838, Antonio Aires de Carvalho).

Na Corte não era diferente, as autoridades brasileiras suspeitavam que muitos portugueses adotivos se passavam por portugueses para driblar suas obrigações e cobravam mais atenção do cônsul na emissão de documentos.

Alegava na missiva, em tom entre o ríspido e o irônico, que as medidas deveriam visar às autoridades portuguesas de S.M. Fidelíssima, para que não fossem „facilmente iludidas‟. Recordava a existência de muitos „Brasileiros‟ do $ 4, artigo seis da Constituição. Estes não poderiam ser julgados „portugueses‟ porque haviam abdicado de sua cidadania (Ribeiro, 1997: 165).

A Marinha parecia ser o principal responsável pelo recrutamento forçado, e muitas vezes, violento de portugueses, como atestam os jornais e a correspondência do consulado português no Maranhão com o MNE português. Em maio de 1846, o presidente da província do Maranhão, a pedido do cônsul solicitava ao comandante da Divisão do Norte da Marinha que liberasse o súdito português Domingos Oliveira que havia sido recrutado à força e estaria há mais de um ano numa embarcação de guerra. Depois de algumas mensagens trocadas com a autoridade militar finalmente o “marinheiro” foi solto (Publicador Maranhense, n.º 382, 06/05/1846, “Ao Consul de S.M. fidelissima”, Autor: Angelo Carlos Moniz – Vice-Presidente da Província do Maranhão). Em outro documento, o vice-cônsul Antônio Aires pedia ao presidente da província que liberasse quatro portugueses embarcados violentamente na corveta Regeneração pela marinha de guerra (ANTT, MNE, Correspondências dos consulados portugueses no Maranhão, caixa 298, 18/06/1838, Antonio Aires de Carvalho). A tarefa da representação portuguesa no Maranhão de liberar súditos do seu país das forças amadas do império brasileiro nem sempre era fácil, pois contava muitas vezes com a má vontade das autoridades, o excesso de burocracia, da demora em se corresponder com outros níveis de poder e como vimos, pela necessidade da marinha em conseguir homens livres para as funções que as embarcações exigiam.

As forças terrestres, por sua vez, também forçavam portugueses ao alistamento, como foi o caso do declarado português Jozé Maria Gomes da Costa, que depois de apresentar documento comprobatório de sua nacionalidade, um título expedido pelo vice-consulado da

província, foi mesmo assim alistado na Guarda Nacional, recusando-se, foi preso e encaminhado à cadeia até que provasse satisfatoriamente ser português (ANTT, MNE, Correspondências dos consulados portugueses no Maranhão, caixa 298, 07/11/1838, Antonio Aires da Cunha). Em outro documento o vice-cônsul pede ao então presidente de Província, Luís Alves de Lima, que liberasse todos os portugueses alistados nas forças militares, afirmando existirem muitos nessa condição, portugueses e outros estrangeiros.

Os reclames das autoridades consulares portuguesas no Maranhão sobre o tema cessam no final da década de 1840, quando chega ao fim a política de recrutamento forçado de estrangeiros, devido o fim das revoltas que assolaram o território nacional desde o período regencial até a primeira década do segundo reinado. A Balaiada no Maranhão e Piauí, a Farropilha no Rio Grande do Sul e a Praieira em Pernambuco, haviam sido controladas em 1841, 1845 e 1849 respectivamente, trazendo assim, maior controle das províncias e tranquilidade ao novo imperador.

Para Joaquim Leite (2000), o movimento emigratório mais intenso ou menos intenso não estava relacionado somente às condições econômicas de Portugal, o que determinaria os picos de saída eram as condições do país de origem associado às oportunidades no Brasil, ponderando assim o emigrante, riscos e oportunidades (183-184). O país oferecia grandes possibilidades durante o século XIX, ainda que os empregos públicos e o monopólio do comércio anteriores à independência não existissem mais. O Brasil independente precisava de mão de obra qualificada, sendo possível encontrar portugueses em diversas profissões, além do tradicional emprego de caixeiro. Pedreiros, aguadeiros, jardineiros, padeiros eram algumas das ocupações dos portugueses no Brasil.

Essa grande oferta de atividades e melhores salários foram modificados pelo fim da escravidão em 1888, que libertava milhares de negros do trabalho compulsório. O mercado de trabalho era naturalmente competitivo entre os dois grupos, gerando muitas tensões, porém os melhores empregos ficavam nas mãos dos portugueses, mesmo quando disputado com nacionais brancos. Essas vantagens gozadas pelos portugueses em relação ao trabalhador nacional ajudam a compreender a manutenção da corrente imigratória para o Brasil mesmo quando Portugal estava vivendo em condições favoráveis.

Esse fluxo de trabalhadores qualificados era resultado de práticas familiares envolvidas com ofícios, mas também de lavradores, que gastavam parte de suas reservas com a formação dos filhos que não herdariam a propriedade, garantindo assim, uma maior probabilidade de emprego no Brasil: «[...] sendo o Brasil um pais escravocrata, quem quisesse ir pra lá tinha de ter um ofício ou saber ler e escrever, porque o trabalho braçal era para os

escravos. Antes de enviar seus filhos para o Brasil tentavam assegurar-lhes uma formação prévia» (Rowland, 1998: 314).

Essa formação prévia se dava não somente com os ofícios, mas, também, com o comércio. Muitos jovens ingressavam na carreira comercial no Porto em busca de cartas de recomendações que pudessem lhes abrir portas nas casas comerciais dos seus patrícios no Brasil.

«A maior parte das vezes, porém, a passagem pela casa comercial do Porto constituía apenas a introdução num meio social, cujo objectivo era a „carta de recomendação‟ do negociante para o(s) seu(s) correspondente(s), como forma de gratificação a serviços prestados com agrado» (Alves, 1993: 93).

Parte desses viajantes, no século XIX, para angariar os recursos necessários ao embarque – afinal ainda havia os gastos com o passaporte – faziam empréstimos, vendiam ou hipotecavam terrenos e casas (Leite, 2000). Alguns jornais portugueses anunciavam a venda do patrimônio de indivíduos que tinham o objetivo de conseguir recursos para a travessia (Monteiro e Maia, 2013). O adiantamento da “legítima” também financiava a viagem dos jovens preteridos da herança das terras da família e que não tinham colocação em Portugal, sendo assim, a travessia, segundo Jorge Alves (1990), não era uma decisão individual, mas uma estratégia familiar para garantir a manutenção da propriedade rural que ficava para apenas um dos herdeiros, que manteria os ascendentes e irmão desempregados, o que não o excluía da emigração, mas com outro objetivo, voltar e capitalizar a propriedade.

Essa realidade entre as famílias do Minho rural não foi a única a existir. Esse “modelo” foi antecedido, no século XVIII, por outro, onde a emigração era mais frequente entre as famílias mais ricas das freguesias urbanas do que entre as proprietárias de imóveis rurais (Rowland, 1998) e mais tarde, na segunda metade do século XIX, conviveu com um terceiro tipo, onde os emigrados não dispunham de recursos para a viagem, eram muito pouco qualificados e geralmente analfabetos.

Sem ter como pagar suas passagens, esses últimos se sujeitavam a contratos draconianos ou à condição de “escravo branco”, sendo negociados como mercadorias nos portos brasileiros, a exemplo do que aconteceu em Recife na primeira metade do século XIX, onde portugueses ricos, alguns destes traficantes de escravos, utilizavam suas embarcações para transportar seus patrícios pobres para serem vendidos no porto daquela cidade e de outras54.

54 Ao longo da tese, outros aspectos da emigração portuguesa para o Brasil que possibilitam contextualizá-la, a

exemplo da mudança de perfil e a origem dos viajantes serão abordados, sendo desnecessário, pois ficaria repetitivo, tratá-los nesse momento.

Era denunciada, também, a questão do pagamento das passagens por gente que vai a bordo arrematar esses colonos para o trabalho. Como eram muitos, parte deles não desembarcou no Recife e seguiu viagem para a Bahia e também para o Rio de Janeiro, «para lá serem vendidos». Nas devidas proporções, era algo bem similar ao tráfico de escravos: um transporte que gerava lucro, agora no endividamento do imigrante com os custos da viagem e na futura locação de seus serviços em terras brasileiras (Câmara, 2013: 3).

A percepção da coexistência desses dois modelos e a crítica ao último já podiam ser notados no Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito em 1873 e por autores como Oliveira Martins no final do século XIX e Joel serrão na segunda metade do século XX, que utilizaram termos diferentes para caracterizá-los, porém, com o mesmo significado: “emigração livre ou espontânea”, emigração clássica”, “emigração tradicional” X “emigração contratada”55

.

Seja qual fosse a situação financeira dos pretensos emigrantes, para se “fazer a América”, era preciso primeiramente cruzar o Atlântico. Dos Açores, do Porto e de Lisboa partiram embarcações cheias de sonhos e esperanças, que podiam desvanecer ainda na travessia. A viagem em si já representava um perigo, uma embarcação a vela – mais tarde a vapor – sem comunicação por semanas com terra firme, sujeito a mar revolto, tempestades, sol forte ou danos que comprometessem seu bom funcionamento poderia levar passageiros e tripulantes à morte ou tornar a viagem mais longa e dolorosa.

A travessia trazia uma série de desconfortos para além dos pequenos e abafados alojamentos. A comida e água estragavam e, consequentemente, poderia acometer os passageiros mais debilitados a doenças, sendo agravada a situação pela constante falta de médico (Cruz, 1987). Em 1857, a barca portuguesa Santa Clara, que saíra do Porto e ancorara no Rio de Janeiro, foi acometida de sarampo e 18 passageiros, entre eles, 16 crianças faleceram. A fome também aparece nas reclamações dos passageiros, que ficavam submetidos a pequenas porções de ração e/ou de péssima qualidade.

Em outra viagem da cidade do Porto, mas desta vez com destino a São Luís,

Documentos relacionados