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3.2 Resposta imune ao Toxoplasma gondii

3.2.1 Imunidade Inata

A ativação das células natural-killer (NK), dos macrófagos e das células dendríticas pelo T. gondii é importante para a resistência inespecífica que representa a primeira linha de defesa contra a replicação irrestrita do parasita. Além da atividade antiparasitária, essas células são importantes para ativação da imunidade específica através da apresentação de antígenos e da produção de interleucinas e citocinas.

As células dendríticas são as mais eficientes apresentadoras de antígenos (APC: antigen-presenting cell), expressando moléculas dos antígenos leucocitários humanos (HLA: human leucocyte antigens) classes I e II (HART, 1997).

Os macrófagos apresentam apenas HLA classe II, mas secretam mediadores pró-inflamatórios como interferon-gama (INF-), fator de necrose tumoral alfa (TNF- ), fator estimulador de colônias de granulócitos-macrófagos (GM-CSF), interleucina-12 (IL-12) e interleucina-15 (IL-15).

As células NK, que derivam da linhagem linfocitária e tem função citotóxica, secretam citocinas (especialmente o INF-) ajudando a unir as respostas inata e antígeno-específica (BLIS et al., 1999). Antes da ativação da imunidade adaptativa, as células NK são muito importantes para a contenção da infecção, exercendo função efetora independente de células T (SHER, 1993; HUNTER et al., 1994).

3.2.2 Imunidade celular

A imunidade mediada por células é essencial para a atividade antiparasitária (GAZZINELLI et al., 1993). Assim, a transferência de soro de camundongos

cronicamente infectados pelo T.gondii não protege outros camundongos não infectados de uma infecção primária. Além disso, camundongos com supressão na produção de linfócitos B, responsáveis pela imunidade humoral, conseguem controlar a infecção primária pelo parasita (REYES & FRENKEL, 1987). Experimentalmente foi observado que camundongos atímicos (que não possuem células T) não são capazes de desenvolver uma resistência contra o T. gondii. Entretanto, após a transferência dessas células, uma imunidade protetora contra essa infecção foi observada (FRENKEL & TAYLOR, 1982).

As células T originadas no timo são responsáveis pela imunidade celular com a função de destruição e lise das células parasitadas (HAYNES & HEINLY, 1995). Infecções experimentais em camundongos mostram que células T CD4+ e CD8+ são necessárias para evitar a multiplicação parasitária descontrolada (SUZUKI & REMINGTON, 1988; GAZZINELLI et al., 1992). Os linfócitos T CD4+ h (auxiliares ou

helper) são necessários para a geração de células T CD8+ efetoras citotóxicas

(CTL) capazes de lisar células-alvo infectadas (GAZZINELLI et al., 1991). Dessa interação formam-se células de memória, tanto para as células T CD4+ quanto para as T CD8+. Enquanto o linfócito T CD8+ parece representar a célula efetora mais importante contra o T. gondii, o linfócito T CD4+ cumpre importante função regulatória (DENKER & GAZZINELLI, 1998).

O T. gondii induz rapidamente a uma resposta imune do tipo 1 mediada por linfócitos T, o que limita a infecção e garante a sobrevivência do hospedeiro (YAP & SHER, 1999). O parasita estimula os macrófagos e as células NK a produzirem IFN- , um potente inibidor da diferenciação dos linfócitos T CD4+ em T CD4+ T helper 2 (Th2). Além disso, a IL-12 produzida pelos macrófagos promove a diferenciação dos linfócitos T CD4+ em T CD4+ Th1. A replicação dos taquizoítas é progressivamente restrita pela liberação de interferon gama (INF) pelos linfócitos T (PFEFFERKORN, 1984; HALONEN et al., 2001).

A subpopulação de linfócitos T CD4+ Th1 é capaz de inibir, através da produção de citocinas, a diferenciação e o crescimento das células e da produção de citocinas específicas da subpopulação de linfócitos T CD4+ Th2 e vice-versa. As células T CD4+ do tipo Th são uma fonte importante na produção de IFN e IL-12, durante a infecção pelo T. gondii (DENKERS et al., 1993). A eliminação dessas

células leva a um aumento na multiplicação do parasita nos tecidos. Contudo, camundongos com depleção de células T CD4+ sobrevivem à infecção pelo T.

gondii devido à redução da resposta inflamatória (apesar de que alguns destes

camundongos sucumbem mais tarde devido a infecção), enquanto os camundongos normais não depletados podem morrer precocemente com uma inflamação hiperimune. Mais recentemente, tem sido descrito que células não-T também estão envolvidas na produção de IFN- no cérebro de camundongos (KANG & SUZUKI, 2001). O fator solúvel mais importante na regulação da resposta imune na toxoplasmose é o IFN-. Sua produção após a infecção pelo taquizoíta pode resultar na imunossupressão transitória do hospedeiro, permitindo que o parasita se estabeleça durante a infecção aguda (CHANNON & KASPER, 1996).

Para limitar a replicação dos taquizoítas, a resposta imune do hospedeiro age paradoxalmente promovendo a sobrevivência do T. gondii através da indução da diferenciação de formas taquizoítas para bradizoítas, as quais podem persistir por toda a vida do hospedeiro.

O T. gondii desenvolve várias estratégias para escapar do sistema imune do hospedeiro: 1) invade, persiste e cresce em diferentes tipos celulares, incluindo macrófagos não ativados; 2) suprime as defesas do hospedeiro através da regulação da produção de fatores solúveis como o IFN-; 3) desfaz a ligação de imunoglobulinas da sua superfície (LUFT, 1989; CHANNON & KASPER, 1996; ROZENFELD et al., 2003) e 4) interfere nos mecanismos de apoptose das células hospedeiras infectadas e não infectadas (LÜDER et al., 2001; HEUSSLER et al., 2001).

3.2.3 Imunidade humoral

O T. gondii também induz a uma imunidade humoral nos indivíduos infectados (SHER et al., 1995; TAYLOR et al., 1997; LI et al., 2000). A infecção pelo T.gondii estimula a produção de anticorpos do tipo IgM, IgG, IgA e IgE. Os anticorpos atuam nos taquizoítas extracelulares liberados após a lise de uma célula infectada. Esses

anticorpos limitam a replicação do parasita, promovendo a lise do taquizoíta através da ativação da via do complemento e também através da opsonização dos parasitas e do aumento da ação fagocitária dos macrofágos (FILISETTI & CANDOLFI, 2004). Esses mecanismos não oferecem proteção contra parasitas intracelulares, mas anticorpos como IgA secretor podem interferir com a interação inicial do parasita com as células hospedeiras das mucosas (ROBERTS & MCLEOD, 1999).

Na prática clínica, a presença de anticorpos do tipo IgM é considerada como marcador da fase aguda, pois são os primeiros a serem secretados (já na primeira semana de infecção), atingindo níveis elevados em poucas semanas e então reduzindo-se bruscamente até desaparecer. No entanto, em virtude da melhora na sensibilidade dos testes laboratoriais, é relativamente frequente que baixos níveis de IgM residual sejam detectados após a fase aguda. Os níveis de IgG surgem ao final da primeira semana de infecção, ascendem rapidamente e persistem ao longo da vida. Em gestantes com IgM positivo, nas quais é imprescindível que seja determinado se a infecção é recente, com o objetivo de avaliar o risco de infecção fetal, podem ser usados o teste de avidez do IgG, pesquisa de IgA e IgE. (revisto em ORÉFICE & BAHIA, 2005).

3.3 Apresentação clínica

A infecção pelo T. gondii pode ser dividida nas fases aguda, subaguda e crônica (PINKERTON et al., 1940; KRICK et al., 1989).

A toxoplasmose aguda se caracteriza pela rápida multiplicação do parasita e sua disseminação por via hematogênica ou linfática e ocorre nos primeiros 8 a 12 dias pós-infecção. A fase aguda é geralmente subclínica no adulto imunocompetente (70% dos casos), manifestando-se de forma semelhante a um estado gripal, frequentemente não valorizado e não relatado pelo paciente. Em 30% dos casos é sintomática, manifestando-se com linfadenopatia, pneumonia, encefalite e doença ocular. Esta fase raramente é diagnosticada pela detecção do parasita nos fluídos corpóreos, tecidos ou secreções. O método mais comum de diagnóstico é a

detecção de anticorpos IgM. Sua presença é considerada como marcador da fase aguda.

A transmissão do T. gondii da mãe para o feto ocorre em 30 a 40 % dos casos e varia de acordo com a idade gestacional em que acontece a infecção aguda (DESMONTS et al., 1985). Quanto maior a idade gestacional, maior a chance de infecção fetal, porém menor a gravidade da doença congênita. A infecção congênita pode apresentar-se no recém nato como: 1) infecção subclínica com cicatrizes de retinocoroidite, calcificações intracranianas e outros sinais que podem passar despercebidos; 2) doença neonatal que apresenta sinais clínicos bem evidentes ao nascimento como icterícia, exatema, petéquias, equimoses, febre ou hipotermia e sinais neurológicos como a tétrade de Sabin: hidrocefalia e/ou microcefalia, calcificações intracranianas, retinocoroidite e retardo mental, ou 3) doença pós-natal em que a criança nasce aparentemente saudável e desenvolve sintomas dias, meses ou anos após o nascimento. A fase subaguda é mais frequente na forma congênita. Uma vez diagnosticada toxoplasmose aguda em gestante, é imprescindível a identificação da infecção intrauterina pelo T. gondii. O teste de polimerase em cadeia (PCR) do líquido aminiótico tem sido utilizado por ser mais sensível, mais seguro e com resultados mais rápidos do que os exames feitos com o sangue do feto. Entretanto, resultados falso-positivos ou falso-negativos também podem ocorrer no PCR (GUY ET al., 1996; FOULON et al., 1999).

O início da fase crônica é marcado pelo aparecimento dos bradizoítas, momento em que o parasita passa a se replicar lentamente. Cistos teciduais parecem ser “invisíveis” para o hospedeiro uma vez que existe pouca ou nenhuma evidência de processo inflamatório ao redor do cisto (STRITTMATTER et al., 1992). Nesse estágio o parasita mantém a infecção ao longo da vida do hospedeiro. A manifestação clínica mais comum na fase crônica é a retinocoroidite, que ocorre em 70% a 90% das crianças infectadas verticalmente e em 2 a 30% dos pacientes infectados horizontalmente (GILBERT & STANFORD, 2000). A retinocoroidite supostamente toxoplásmica (RCST) tem um caráter recidivante, sendo a recorrência mais frequente no primeiro ano após o episódio inicial (HOLLAND, 2003a). Estudo recente demonstrou que 79% dos pacientes acompanhados por mais de cinco anos tiveram recorrência da doença, e esta foi mais frequente no olho acometido previamente. (BOSCH-DRIESSEN et al., 2002).

3.4 Patologia

A liberação dos taquizoítas resulta em destruição tecidual, decorrente da ruptura das células parasitadas. As células infectadas também sofrem a ação da resposta inflamatória do hospedeiro. Tais eventos compõem a patologia observada nos tecidos (KIERSZENBAUM, 1994; HOFF & CARRUTHERS, 2002). Não se sabe ainda se o T. gondii produz toxinas citolíticas. Contudo, a destruição tecidual também não parece ser decorrente da apoptose, uma vez que o parasita induz a célula parasitada a um estado anti-apoptótico (GOEBEL et al., 1998) e inibe a apoptose de células do sistema imune, o que diminui a inflamação.

Como observado em outras doenças parasitárias, a patologia da infecção pelo T. gondii resulta da interação entre fatores do parasita (cepa, tamanho do inóculo, via de infecção, etc) e do hospedeiro (idade, estado nutricional e imunológico, fatores genéticos, etc). Isso explica o amplo espectro da patogenicidade, desde uma infecção inaparente até uma doença aguda fatal, com muitas situações intermediárias (DARCY & ZENNER, 1993).

A infecção pelo T. gondii em humanos é muito comum. Em pacientes imunocompetentes é geralmente assintomática, resultado de uma imunidade duradoura contra a doença. Na fase crônica da toxoplasmose apenas a presença de anticorpos é notada e os cistos persistem ao longo da vida do hospedeiro em diferentes tecidos, na maioria das vezes sem provocar sintomas (DARCY & ZENNER, 1993). Torna-se sintomática apenas naqueles pacientes que apresentam RCST.

A toxoplasmose ganhou maior destaque na medicina como uma das mais importantes infecções oportunistas após o surgimento da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA). A encefalite causada pelo T. gondii era observada em 40% dos pacientes com SIDA (antes do advento do tratamento antirretroviral) e era fatal em 10-30% dos casos (LUFT & REMINGTON, 1988; LUFT & REMINGTON 1992; LUFT & CHUA, 2000). A encefalite toxoplásmica e a

toxoplasmose disseminada têm sido observadas em pacientes com imunodeficiências por várias causas, tais como doença de Hodgkin ou terapia imunossupressiva para outras doenças (HO-YEN, 1992).

3.4.1 Toxoplasmose ocular

A retinicoroidite supostamente toxoplásmica (RCST) é a causa mais comum de uveíte posterior em várias partes do mundo, incluindo regiões da Europa e Américas do Norte e do Sul (HOLLAND, 2003). A prevalência da doença ocular em pacientes infectados pelo T. gondii ainda não está bem estabelecida, mas sabe-se que o envolvimento ocular é mais frequente e mais grave em neonatos e adultos imunocomprometidos (BOSCH-DRIESSEN et al., 2002; SMITH & CUNNINGHAM, 2002; HOVAKIMYAN & CUNNINGHAM, 2002). A transmissão transplacentária ou congênita da toxoplasmose foi a primeira a ser conhecida como causadora das lesões em humanos. Entretanto, a importância da toxoplasmose congênita como causa da doença ocular passou a ser reconhecida a partir dos trabalhos de WILDER (1952) e PERKINS (1973). Estes autores mostraram que 70% das infecções congênitas levarão à formação de cicatrizes corioretinianas, dados confirmados por METS et al. (1997). A prevalência da doença ocular na toxoplasmose adquirida é incerta (WILSON et al., 1980; KOPPE & ROTHOVA, 1989) devido a dificuldade do diagnóstico diferencial com a toxoplasmose congênita pós-natal de aparecimento tardio (TCPN). A RCST é encontrada em 2 a 30% dos pacientes com toxoplasmose adquirida segundo GILBERT & STANFORDT (2000). GLASNER et al. (1992), estudando uma população do sul do Brasil, observaram prevalência pouco usual de toxoplasmose ocular e sugeriram que a inflamação congênita é uma improvável causa para a alta prevalência.

A manifestação ocular típica da toxoplasmose consiste em uma retinocoroidite focal necrosante, acompanhada de reação vítrea, frequentemente associada a uma lesão satélite (sinal de recorrência). As lesões satélites foram observadas em 80% dos casos em uma série de 154 pacientes (BOSCH-DRIESSEN et al., 2002).

Manifestações atípicas incluem lesões extensas, eventualmente múltiplas e/ou bilaterais, forma punctata externa, neurorretinite, neurite, forma pseudomúltipla, esclerite e vitreíte sem lesão focal aparente (ORÉFICE &BAHIA, 2005; BOSCH- DRIESSEN et al., 2002; SMITH & CUNNINGHAM, 2002; HOVAKIMYAN & CUNNINGHAM, 2002; LABALLETTE et al., 2002).

A toxoplasmose ocular ativa apresenta-se como um foco bem definido de necrose coagulativa na retina, com a presença de um infiltrado inflamatório difuso na retina e na coróide. A resposta imune à infecção pelo T. gondii no olho é menos conhecida. Essa resposta tende a ser mediada por linfócitos T CD8+ e freqüentemente por uma classe do linfócito T CD4+ Th1. A indução dessa resposta imune depende de fatores que incluem a expressão intraocular do ligante do Fas (Fas L) ou CD-95, membro da família TNF, que pode promover a depleção de linfócitos T ativados no olho. Isto ocorre por apoptose após a interação das moléculas de Fas das células do infiltrado com moléculas de Fas L expressas nas células do parênquima do olho. Além disso, mesmo em circunstâncias normais, o fluido intraocular contém citocinas como o fator de crescimento e transformação beta (TGF) e outros mediadores que têm propriedades imunossupressivas (ROBERTS & McLEOD, 1999).

Lesões oculares graves, extensas e bilaterais caracterizam-se por edema da retina e diversos graus de inflamação envolvendo as áreas necrosadas. A coróide apresenta alterações vasculares, hemorragias, infiltrados inflamatórios e edema. Pode ocorrer neurite óptica. Células mononucleares contendo parasitas são abundantes na retina e as zonas cicatriciais aparecem como áreas bem delimitadas de atrofia da coróide e da retina (HUTCHINSON et al., 1982). As lesões cicatrizam de forma centrípeta e as bordas desta cicatriz, que podem apresentar cistos, às vezes se apresentam hiperpigmentadas (ROBERTS & McLEOD, 1999). Também podem ocorrer microftalmo, nistagmo, estrabismo, irite e/ou atrofia óptica (HUTCHINSON et al., 1982).

Várias teorias têm sido levantadas sobre a patogênese da toxoplasmose ocular recorrente, tais como: 1) rompimento dos cistos com liberação dos organismos vivos, que poderão infectar novas células; 2) rompimento de cistos com liberação de antígenos de Toxoplasma, resultando numa reação de

hipersensibilidade e 3) rompimento de cistos com liberação de organismos invasivos e antígenos.

A aparência das lesões oculares nos pacientes com SIDA (frequentemente extensas, graves e algumas vezes multifocais e/ou bilaterais) pode ser confundida com retinite necrosante viral causada por herpes simples, varicela zoster ou citomegalovírus (CMV). O diagnóstico diferencial é feito, às vezes, através de prova terapêutica, sendo que a toxoplasmose ocular responde rapidamente às terapias com perimetamina e sulfadiazina ou outras terapias antiparasitárias alternativas (HOLLAND, 1988), enquanto a retinite viral responde às medicações antivirais.

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