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4.1. A mulher de casa e a mulher da rua

4.1.1 Ser a mulher da rua: autopercepção de risco para o HIV

4.1.1.2 Incentivos à realização do teste relacionados à autopercepção de risco

Para entender como ocorre o reconhecimento do próprio risco e a tomada de decisão por estratégias que as coloquem em maior situação de proteção, como usar preservativo e fazer o teste HIV, é preciso desdobrar como estas mulheres se percebem enquanto grupo e enquanto profissionais do sexo (MARTIN, 2003). A pesquisa evidenciou correlações positivas entre aids e prostituição, dependendo do modo como algumas mulheres vivenciam este cenário. Percebeu-se que esta associação direta entre prostituição e infecção pelo HIV pode incentivar a realização do teste quando associada a contextos de maior proteção: Sim, eu me acho uma pessoa prevenida, faço os procedimentos de prevenção corretamente, uso camisinha sempre, até no sexo oral, informo ao médico que corro risco por ser garota de programa. Eu sei que é arriscado, por isso decidi fazer o teste de aids (Lis, 22 anos).

Analisando o caso de Lis, percebeu-se sua capacidade de conduzir de forma mais autônoma seu contexto de prostituição. Ela apresentava singularidades que lhe

proporcionavam maior acesso à informação e capacidade de autoproteção. A entrevistada concluiu o ensino médio, estava solteira na época, era independente financeiramente, trabalhava em um bar (neste caso, local considerado mais seguro que a rua, pois o índice de violência era inibido pela própria presença do dono do estabelecimento comercial), e tinha relações familiares de apoio ao seu modo de viver enquanto prostituta.

Haída, uma das entrevistadas que também estava inserida em um contexto de maior proteção, estava há mais tempo na prostituição (quase 20 anos), ocupava uma posição de coordenadora dos trabalhos no bar em que as mulheres se prostituíam na sua área (rota de caminhoneiros, entorno da Avenida Osório de Paiva), reconhecia a importância da autonomia e liberdade para maior segurança na prostituição: As pessoas podem até optar em fazer programa, mas precisa ter a clareza da importância do seu próprio corpo, usando sempre o preservativo e fazendo o teste de aids com frequência (Haída, 32 anos).

Na mesma direção, a autopercepção de risco foi compreendida como importante no sentido da proteção, quando Jane afirmou que quem „tem mais risco‟ é justamente quem não se percebe sob risco: As pessoas mais fracas têm mais facilidade de pegar (HIV), porque tem gente aí que cede, acaba não usando camisinha, eu penso que quem tem mais risco é exatamente quem acha que não tem risco (Jane, 24 anos).

A estreita associação entre prostituição e aids para algumas mulheres contribuiu para motivar a realização do teste, como no caso de Fabíola e Helena, que já fizeram o teste mais de uma vez por reconhecerem as situações a que estavam expostas no exercício da prostituição, mesmo afirmando que usavam preservativo em todas as relações sexuais com os clientes: Aqui a gente tem mais risco sim, é assim, tem uma hora que você pode pegar um homem ruim, que pode lhe matar no quarto, você chega aqui você vai fazer um programa, chega lá (no quarto) o homem pega e quer fazer coisa além do que você combinou, você está arriscando sua vida, tem homem que pode furar a camisinha, ou então você está coisando (sendo penetrada) e a camisinha estoura, de todo jeito você está arriscando a vida, um homem ruim, drogado, ele mata você e nem acontece nada, eu não gosto dessa vida não, eu só estou aqui por falta de opção mesmo, não gosto acho isso tudo muito humilhado, você sair com uma pessoa que você não gosta, só por dinheiro?...Horrível!! Por isso que eu me cuido, tenho uma filha para criar, é uma vida difícil, tem é que se prevenir mesmo, vale a pena não... (Fátima, 32 anos). Quem vive numa área dessas (prostituindo-se) está sujeito a qualquer hora pegar (HIV), porque transam e às vezes a camisinha estoura, porque ninguém nunca sabe quem é que tem aids e não pega só na relação, eu faço exame sim, tem que fazer, a gente corre risco (Haída, 32 anos).

Outro contexto que influenciou de forma positiva para realização do teste e o cuidado consigo foi a ideia de ter um projeto de vida. Identificaram-se algumas mulheres que buscavam a prostituição como alternativa a situações mais arriscadas, como a prisão, ou mesmo para buscar suprir outros desejos na vida, como o de conseguir um complemento de

renda para terminar uma faculdade e „subir na vida‟, como também ter amigos, divertir-se, aventurar-se, ser livre. Estes contextos foram descritos por algumas mulheres que tinham a ideia do teste incorporada como um aspecto importante de proteção para que estes objetivos fossem alcançados: Eu decidi fazer o teste porque eu queria saber de mim mesmo, não foi por causa de cliente não, eu estou nessa de programa só há sete meses, como você sabe, eu fazia outras coisas (roubava e estive presa), então como eu não quero me prejudicar e nem ir para aquele inferno de novo mais, eu resolvi ficar nessa, então quando eu fiz o teste, eu fiz antes de começar aqui, para saber se eu tinha, para me prevenir melhor, eu já transei com namorado sem camisinha, e a camisinha também já estourou, então eu fiz logo....eu quero sim uma vida melhor... (Karla, 27 anos). Às vezes eu ia para a pista não era nem para eu fazer programa não, era só para eu ter alguém, para eu conversar com alguém, para eu rir com alguém e quantas meninas dessas não estão nem aí, não tão nem querendo fazer programa não, querem só conversar, querem só ser ouvidas, é verdade, porque isso acontecia comigo porque que não acontece com as meninas de hoje, acontece porque só muda o lugar e o tempo, mas as dores são as mesmas, o ciclo é o mesmo, mudou o tempo, mudou o ano, mas a coisa é a mesma, vai lá de onde ela veio porque que ela está lá, porque ela está rindo, está gostando, porque é legal, é também por causa disso, porque ela se diverte, porque ela ri, porque ela tem aventura, e isso nos seres humanos sendo ou não de programa, a gente é impelida para a aventura, faz parte, nós temos o nosso senso de animal, nós também somos sensíveis, nós precisamos de colo, a gente precisa de palavras, e precisa também de tapa na cara, isso tudo me faz querer me cuidar melhor, eu me previno por isso, estou cuidando da minha saúde, para eu sair daqui feita na vida, estou fazendo faculdade, eu vou sim ter um superior... (Amanda,

45 anos). Eu não gosto daqui não, mas é melhor do que roubar, se a gente rouba, a gente vai presa, o nome da

gente fica sujo, é a maior besteira, aqui pelo menos a gente dá as coisas para os filhos da gente (Marieta, 22

anos).

Assim, para cada contexto de prostituição estudado, a temática da aids reverberou de forma singular. As ideias sobre o exercício da prostituição e sua proximidade com o entendimento do que seja a infecção pelo HIV, associado a um contexto de maior proteção, visibilidade afirmativa e projetos de futuro influenciaram de forma positiva a realização do teste.