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Capítulo 2: Infecções de Ossos e Articulações

2.1 Infecções ósseas (osteomielites)

2.1.1 Introdução

Osteomielite é uma infecção causada por micro-organismos que invadem os ossos. O tecido ósseo normal apresenta resistência natural às infecções, as quais, no entanto, podem ocorrer quando existe traumatismo, nutrição comprometida, presença de inóculo microbiano significativo e/ou presença de corpo estranho. Um processo infeccioso agudo do tecido ósseo caracte- riza a OSTEOMIELITE AGUDA que, na ausência de tratamento ou tratada de forma inadequada, evolui, a partir de 10 dias, para a OSTEOMIELITE CRÔNI- CA, com necrose tecidual, processo inflamatório, presença de pus, sequestro ósseo, podendo comprometer partes moles e drenar através de fístula, com evolução lenta por semanas, meses ou anos.

O inóculo bacteriano é comumente introduzido no tecido ósseo por 3 vias:

„ Hematogênica.

„ Trauma cirúrgico ou não-cirúrgico, seguido de contaminação óssea por

introdução do agente infeccioso.

„ Invasão óssea por contiguidade de tecidos adjacentes infectados.

2.1.2 Epidemiologia

„ Osteomielite por via hematogênica depende da faixa etária: do nasci-

mento à puberdade, ossos longos são mais frequentemente envolvidos; e nos adultos, os mais afetados são as vértebras.

„ Osteomielite por trauma é responsável por 70% de infecções em fraturas. „ Osteomielite por contaminação de tecidos adjacentes ocorre com úlceras

Kingella kingae, um bacilo Gram-negativo fastidioso, emerge como impor- tante agente das infecções osteoarticulares em crianças, responsável por até 50% das infecções não diagnosticadas anteriormente em crianças menores de 2 anos de idade. Estudo mostrou a incidência de 14% desse isolado em 406 crianças com suspeita de infecção osteoarticular, resultante provavel- mente de técnicas de isolamento mais precisas.

2.1.3 Patogênese

Osteomielite hematogênica ocorre principalmente na infância, mas, recen- temente, tem sido encontrada com mais frequência em adultos.

Na infância, a metáfise dos ossos longos (tíbia, fêmur) é mais comumente envolvida, decorrente do maior fluxo sanguíneo nessa região; uma obstrução dos capilares que a irrigam gera uma área de necrose avascular. Trauma pre- dispõe a criança à infecção, devido ao surgimento de hematoma e necrose óssea subsequente, lesão que pode ser infectada em decorrência de uma bac- teremia transitória proveniente de qualquer foco. A infecção também pode se estender à epífise e espaço intra-articular, além do canal intramedular.

No adulto, a infecção envolve o disco intervertebral e as duas vértebras adja- centes, comprometendo o suprimento de nutrientes para o disco, resultando em necrose e estreitamento do mesmo. A diáfise dos ossos longos também pode ser infectada. Adultos com osteomielite vertebral com frequência têm história de infecção urinária precedente ou de uso de drogas intravenosas. Apenas um agente patogênico é responsável pela osteomielite hematogêni- ca, apesar de eventualmente detectarem-se infecções polimicrobianas. Sta- phylococcus aureus é o agente mais comum, mas o Streptococcus pyogenes e Streptococcus agalactiae são responsáveis por um número crescente de in- fecções ósseas, especialmente na infância, assim como os bacilos Gram-ne- gativos em adultos. Pacientes com osteomielite hematogênica apresentam tecido mole normal envolvendo o osso. Se a terapia antimicrobiana direcio- nada ao patógeno isolado é iniciada antes da necrose extensiva do osso, o paciente tem excelente prognóstico.

Osteomielite por introdução do agente infeccioso ocorre quando o trau- ma séptico quebra a barreira do tecido que envolve o osso, com penetração do agente infectante na matriz. As condições predisponentes incluem fra- turas expostas e redução cirúrgica com implantação de fixações metálicas internas. Ao contrário das osteomielites hematogênicas, as culturas são po-

Módulo 3: Principais Síndromes Infecciosas

Na osteomielite por contiguidade, os pequenos ossos dos pés são com- prometidos secundariamente a uma infecção adjacente em pacientes com insuficiência vascular generalizada, como é o caso dos diabéticos que de- senvolvem celulite e úlceras de pele. A circulação sanguínea inadequada do tecido favorece a infecção por interromper a resposta inflamatória local. Aeróbios múltiplos e anaeróbios são geralmente isolados. O principal foco da terapia é interromper a infecção e manter a integridade funcional do membro comprometido. Infecções recorrentes ou novas ocorrem em mui- tos pacientes e a amputação da área afetada é quase sempre necessária. As osteomielites de contiguidade também ocorrem nas sinusites, abscessos dentários, mordeduras de animais, atividade de jardinagem e feridas com objetos perfurantes.

2.1.4 Fatores de risco

Osteomielite hematogênica – na infância os fatores são os traumatismos recentes e hemoglobinopatias (anemia falciforme). No adulto são as infec- ções do trato urinário ou intervenção com instrumentação invasiva, infecção da pele, infecções respiratórias, o uso de catéteres intravasculares, injeção de drogas intravenosas, síndrome da imunodeficiência e endocardites.

Osteomielite por introdução do agente infeccioso – são as fraturas e pró- teses articulares. Os corpos estranhos permitem que os micro-organismos se fixem no material avascular das próteses e fixadores metálicos, através dos biofilmes que se formam quando o micro-organismo adere a uma superfí- cie específica, se multiplica e secreta uma substância que os une firmemente uns aos outros; essa camada limosa de bactérias, em geral de natureza polis- sacarídica, é protegida de fatores como a ação dos antibióticos sistêmicos e dos elementos do sistema imunológico, formando colonizações em catéte- res, próteses e fixações metálicas.

Osteomielite por contiguidade – são as lesões em qualquer sítio próximo ao osso. Na infecção iniciada, ocorrem alterações metabólicas locais, reações inflamatórias, tromboflebite, edema e pressão intra-óssea que aumentam a necrose isquêmica denominada “sequestro”, que surge quando a cortex óssea é danificada, abscessos com inflamação perióstica se desenvolvem, in- duzindo nova formação óssea nos tecidos moles adjacentes.

Sítios anatômicos e micro-organismos mais frequentes em relação ao qua- dro clínico:

Trauma – Ossos longos: Staphylococcus aureus, Streptococcus sp., Haemo-

Anemia falciforme – Múltiplos: Salmonella sp., Staphylococcus aureus,

Streptocccus pneumoniae

Trato urinário – Vértebras: bacilos Gram-negativos, Streptococcus sp., En-

terococcus sp.

Infecção de pele – Vértebras: Staphylococcus aureus, Streptococcus sp. Trato respiratório – Vértebras, Quadril, Joelho: Streptococcus sp., Mycobac-

terium tuberculosis

Catéteres vasculares, Usuários de drogas – Vértebras, pélvis, clavícula: ba-

cilos Gram-negativos, Staphylococcus sp., Candida sp.

Imunodeficiência – Múltiplos: Fungos, Mycobacterium sp.

Endocardite – Vértebras: Staphylococcus aureus, Streptococcus sp.

Fraturas – Local da fratura: Staphylococus aureus, Staphylococcus epidermi-

dis, bacilos Gram-negativos

Prótese articular – Prótese: Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus au-

reus

Úlceras de pele – Pé, perna: Staphylococcus sp., Streptococcus sp., bacilos

Gram-negativos, anaeróbios

Sinusites – Crânio: Streptococcus sp., anaeróbios

Abscesso dental – Mandíbula, maxilar: Streptococcus sp., anaeróbios Mordeduras – Mão: Streptococcus sp., anaeróbios, Pasteurella sp. Paroníquia – Dedos: Staphylococcus aureus

Jardinagem – Mãos: Sporothrix shenckii

Feridas perfurantes – Pés: Pseudomonas sp., anaeróbios, Staphylococcus

sp.

2.1.5 Diagnóstico laboratorial

O agente etiológico da osteomielite deve ser determinado, pois não é previ- sível o suficiente para que uma rotina terapêutica seja estabelecida. Hemo- culturas são positivas em 25 a 50% dos casos de osteomielite hematogênica na infância, mas em outras manifestações de infecção óssea, é útil em ape- nas 10%.

Culturas de aspirado de abscessos podem ser diagnósticas, embora culturas superficiais de feridas abertas e úlceras de pele e culturas da mucosa de seios da face não determinem o verdadeiro agente patogênico, pela presença de flora mista e colonização bacteriana local. Em pacientes com úlceras crônicas de pele, curetagem da base da úlcera, o agente isolado coincide com o do tecido ósseo em 75%.

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dos, com a expulsão prévia do ar interno acumulado (Nota: agulhas devem ser descartadas previamente como medida de segurança). Os tecidos são enviados em frascos ou tubos estéreis, de preferência em pequeno volume de soro fisiológico para evitar ressecamento. Coleta de material para mico- bactérias, fungos e anaeróbios deve ser considerada quando a cultura bac- teriana de rotina for negativa. O material coletado é preparado em lâminas para exame microscópico pela coloração de Gram e/ou Ziehl e é semeado em meios adequados para cultura de bactérias aeróbias e anaeróbias. Se- meaduras em meios específicos para Mycobacterium e fungos são efetuadas quando solicitadas.