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2 A FUNÇÃO INSPEÇÃO E A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE DO

2.6 a inspeção escolar no estado: as diferentes visões e a fonte da sua

Como foi possível observar na entrevista e nos questionários respondidos, o perfil da inspeção escolar no estado do Rio de Janeiro apresenta-se confuso e marcado por leituras diferentes, mas que apontam para uma função reguladora e burocrática, em muito formada pela própria burocracia e controle das instituições que agrupam os inspetores. Enquanto órgãos externos a veem como despreparada, excessivamente burocrática e com uma relação distante e conflituosa com a escola, a instituição (DICA e seus inspetores) vê-se como a responsável pela regularidade das escolas e da vida escolar dos estudantes e a responsável por “olhar” e “examinar” todas as escolas do sistema de ensino.

Ressaltamos ainda que, apesar de afirmar que a inspeção escolar atua diretamente no fazer pedagógico das escolas, em nenhuma das ações descritas conseguiu demonstrar tais ações, reafirmando apenas as ações burocráticas e fiscalizatórias. Em contrapartida às duas visões expostas anteriormente, temos ainda a de alguns inspetores que se disponibilizaram a responder o questionário encaminhado, em que, mesmo não compondo uma amostragem significativa dos inspetores do estado, demonstraram muitos pontos em comum, tais como: a dificuldade de definir sua identidade, a dualidade entre uma atuação parceira e uma atuação fiscalizatória e, sobretudo, uma consciência da necessidade da revisão de suas atividades contrapondo tal fato à reação à Deliberação CEE/RJ nº 357/2016 (RIO DE JANEIRO, 2016b), que retira o poder do professor inspetor escolar nas escolas do sistema estadual. Demonstram ainda insatisfação em algumas atividades que desempenham e que não lhes cabem, tendo em vista a competência técnica que não possuem por formação. Enfim, observamos nos questionários respondidos pelos professores inspetores escolares uma visão pouco clara de quem são, em que

só o discurso construído historicamente e o arcabouço legal permitem que atuem da maneira como atuam na inspeção escolar atualmente.

Desta forma, o presente estudo identifica que a inspeção escolar no estado do Rio de Janeiro atravessa um momento de “questionamento existencial”, no qual o ser inspetor que atua nas escolas não é o ser inspetor que se vê atuando. São ações e atuações baseadas em discursos e relações de poder que são vistas pelos próprios inspetores e que no fundo, querem ser alteradas por eles, quando, de forma unânime, assumem que as suas atribuições devem ser revistas, pois estão confusas e desatualizadas perante leis maiores e da redemocratização do estado.

Nesta perspectiva, o quadro aponta que o sistema estadual de ensino do Rio de Janeiro precisa de um professor inspetor escolar bem preparado, coerente com os novos paradigmas de uma educação que se baseia na autonomia e em pressupostos de gestão democrática e participativa, substituindo o autoritarismo por outras posturas que contribuam para o crescimento profissional de todos os profissionais da escola, contribuindo assim, de forma efetiva e participativa na oferta de uma educação de qualidade para o estado. Precisa de uma inspeção, atuante, comprometida, consciente de suas atribuições, podendo assim ajudar a construir uma educação mais justa e livre, acompanhando a evolução educacional e trabalhando na garantia de uma educação de qualidade que promova a igualdade e a equidade. Partindo da análise da entrevista e dos questionários, além da fala de gestores escolares, podemos apreender que o estado do Rio de Janeiro necessita de uma inspeção escolar que tenha seu papel definido por múltiplas dimensões, entre as quais ressaltam-se a comunicação entre vários níveis de sistema, a promoção de um relacionamento humano entre profissionais da educação e a assistência às equipes e comunidades escolares promovendo o necessário e contínuo aprimoramento.

É inegável que o ingresso dos novos inspetores escolares, provenientes do concurso realizado no ano de 2007, trouxe grandes avanços para a regularização das situações que se encontravam fora dos padrões e prazos legais, tendo em vista o reduzido número de professores inspetores escolares que o estado do Rio de Janeiro possuía. Mas também é possível observar que a inspeção mudou o seu perfil, como a própria fala do ex-presidente de Conselho Estadual de Educação relata e a legislação estadual ratifica por meio da Resolução SEEDUC nº 5.160/2014 (RIO DE JANEIRO, 2014b), que aumenta os “poderes” e trâmites burocráticos

realizados pela inspeção escolar no estado, além de inflar sua estrutura, em um momento de crise financeira que se iniciava no estado.

Hoje, o que se observa é que a inspeção escolar no estado do Rio de Janeiro repete a história da educação, mantendo uma inspeção escolar com ênfase no controle da qualidade do ensino imposto pelo Estado e que obedece a padrões rígidos. Neste contexto, o inspetor escolar tem de exercer esse controle de forma rigorosa e pontual. Hoje, no entanto, o que se busca é uma gestão democrática da educação, cujo controle é exercido com a participação de toda a comunidade escolar e é desta forma que o um novo modelo de inspeção escolar deve ser pensado para o estado do Rio de Janeiro. Já que a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional trouxeram para o contexto educacional mudanças significativas através dos princípios de autonomia, descentralização, gestão democrática e avaliação permanente de processos, estas mudanças passam a exigir novos paradigmas, surgindo então desafios para as escolas e todos os seus sujeitos.

Estes desafios também se colocam à inspeção escolar e suas funções e papéis relevantes no contexto educacional do estado, ultrapassando suas atribuições voltadas para questões relativas à fidedignidade, veracidade e atualização da escrituração escolar, habilitação dos docentes e equipe técnico- administrativa-pedagógica e aspectos estruturais. Sabemos que alguns pontos levam a esta atuação do professor inspetor escolar, tais como: os repetidos e conhecidos casos em que há o não cumprimento das normas pelos gestores escolares, gerando, portanto, uma maior preocupação, por parte dos inspetores com as questões relacionadas à aplicação das normas legais nas instituições de ensino. No entanto, há a necessidade de uma reflexão acerca de uma prática atual pautada na burla ao sistema e não na construção de um sistema forte e de qualidade, em que a inspeção escolar, sendo o elo entre as normas e os órgãos centrais e possa atuar de maneira orientadora e eficaz, formando parcerias com as escolas e seus profissionais.

3 A ATUAÇÃO ORIENTADORA E PARTICIPATIVA DO PROFESSOR INSPETOR