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2 INSTITUCIONALIZAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO COTIDIANO ESCOLAR:

2.4 INSTITUCIONALIZAÇÃO DA APRENDIZAGEM

A Revisão Sistemática de Literatura aqui apresentada seguiu protocolo criterioso e objetivo durante todo o processo. No entanto, isso nem sempre garante a completa eliminação da subjetividade de quem pesquisa. Tem-se ciência que a

exclusão de algum trabalho relevante – em função dos critérios de inclusão e

exclusão – pode ter ocorrido, visto que passada essa etapa, aqueles que não

continham os termos de busca nas palavras-chave, títulos ou resumos foram desconsiderados, sem que uma leitura completa fosse feita. Por outro lado, dentre os trabalhos remanescentes, durante o processo de leitura e compreensão dos dados, é possível que decisões subjetivas tenham desqualificado sua importância, ora em função de deficiências nas descrições, ora por trazerem alguma dificuldade na aplicação direta dos critérios.

Feitas essas considerações, conclui-se que os dados apresentados nesta Revisão Sistemática de Literatura oferecem indícios importantes sobre a naturalização da institucionalização da aprendizagem no cotidiano escolar, dentre os quais: a falta de identificação, em âmbito acadêmico científico, da escola como instituição institucionalizante (ou seja, que, de inúmeras maneiras, cria e legitima por si mesma, embora não o faça sozinha): a) da infância e da adolescência; b) de experiências de aprendizagem; c) da aprendizagem no cotidiano escolar.

Esta afirmação baseia-se tanto na falta de pesquisas publicadas nas bases de dados referidas com esta temática ou entendimento, quanto na quase completa ausência de tratamento da questão nas publicações que tratam da escola e questões institucionalizadas a ela relacionadas, como se pôde acompanhar na síntese dos artigos apresentada.

É como se a escola não fosse efetivamente identificada como aquela que institui e oficializa o saber, as experiências educativas e as aprendizagens estudantis. Como se não fosse aquela que escolhe, recomenda, define os meios e os recursos necessários à aprendizagem e depois avalia seu cumprimento por parte dos(as) estudantes, ou, melhor dizendo, das crianças e dos(as) adolescentes, agregando aos processos institucionalizantes suas famílias.

Ainda que o termo "institucionalização da aprendizagem" não apareça explicitamente nos artigos que compõem esta RSL, há indícios de que sua essência esteja presente (e naturalizada). Para além disso, podem ser observados por intermédio da legislação educacional mais recente que favoreceu a democratização da Educação Básica, pois a medida em que a escolarização se alargou, indo ao encontro dos mais pobres, as crianças e adolescentes que não conseguiram se adequar a sua rigorosidade (tempo e condutas), bem como aqueles(as) que expressam mais os conhecimentos e as aprendizagens que se dão fora da escola ou sem a supervisão docente, sentem o peso da discriminação.

Reitera-se, dentre tudo o que foi dito, que a escola não apenas acabou se constituindo como o espaço institucionalizante da aprendizagem, como também se constituiu como instituição que desconsidera (ou pouco considera) as aprendizagens que se dão fora dela ou sem a supervisão docente.

Não é exagero dizer que a instituição escolar nasceu para se impor e não para adaptar-se às crianças e suas vidas, desejos, gostos, necessidades, saberes, experiências. Ela se fez esteio da vida contemporânea, do ideal de sociedade, sem que se perguntasse a sociedade o que dela se quer. Estabeleceu a si mesma, independentemente dos anseios sociais.

Mais recentemente, com os mecanismos de monitoramento dos desempenhos estudantis, as chamadas avaliações externas, o Estado não apenas se autorizou, mas foi sendo socialmente autorizado, a validar e atestar a aprendizagem e a não aprendizagem das crianças escolarizadas.

A escola submete o aluno e retira de si mesmo, progressivamente, sua capacidade de criar o novo, de transformar o que aí está, de formar a si mesmo. O aliena de seu universo cultural e, consequentemente, de si mesmo, de sua essência e faz isso através dos mecanismos de aferição das supostas aprendizagens.

Ainda que a institucionalização da aprendizagem possa e deva ser questionada em função das experiências empobrecidas que proporciona aos(as) estudantes, como apontam alguns autores(as), denunciando muitas vezes o caráter instrumental da escola – em que a adaptação ao currículo pré-determinado, o treino de habilidades, a extensão do conhecimento e não sua comunicação, o distanciamento das relações se tornaram imperativos – "a educação se submete ao ajustamento, a obediência às normas, as políticas, entre outros, sem indagação, sem reflexão." (BARBOSA, 2013, p. 21326-21327).

É a escola, os(as) professores(as) e, mais amplamente, o Estado, quem legitima as aprendizagens. Nada do que esteja fora desse caráter oficial tem valor, mesmo que se insista que "a Educação não se situa no previsível, na precisão, mas no improvável, no subjetivo, no inconstante, no paradoxal." (BARBOSA, 2013, p. 21330).

Entendemos que a Educação tem papel fundamental de mediadora, de prática, interventiva com esforços pela busca de sentidos e valores, adequados aos interesses mais universalizados da humanidade, o investimento formativo do humano. Desse modo, a formação é mais que a instrução – é o modo de ser marcado pela emancipação, uma situação de maior humanidade possível, é a consciência verdadeira que conduz à liberdade. (BARBOSA, 2013, p. 21330).

A rigidez com que a escola se insere nas vidas de crianças e adolescentes, com seus tempos, espaços, currículos, normas e condutas, faz com que a aprendizagem deixe de ser o objetivo. A nota, que resulta da avaliação escolar, como um escore que mede as aprendizagens alcançadas, assume este lugar, pois é ela que confere ao(a) estudante a certificação e o prestígio social, é ela quem o(a) alavancará ao mundo do trabalho com sucesso, ela é sua determinante social mais do que seus próprios saberes.

Vieira (2015) conduz a reflexão em torno da centralidade ocupada pela escola, pois em seu entendimento, ela não apenas institucionaliza o curso de vida das crianças e dos(as) adolescentes, conferindo – e aferindo – significados públicos

para reconhecer ou não seus processos de constituição, como também suas aprendizagens.

Na suposta dimensão socializadora da escola, o que se observa é um processo moderno impositivo e cruel, em que:

[...] ciclos sequenciais relacionados com idades-padrão, trajetórias pré- determinadas e supostamente irreversíveis [...], etapas que se atingem superando outras previstas na estrutura curricular do curso, quando, e se, cumpridos determinados critérios. Este mecanismo, ao assumir uma conceção linear de tempo, conduziu ao adiamento da conversão do saber escolar em conhecimentos profissionais. Ao mesmo tempo, o sucesso escolar permanece medido e aferido de acordo com este modelo. Isto significa que, de uma perspectiva institucional, qualquer desvio desta norma – sequencial, linear e cumulativa – de trajetória escolar dos alunos é entendida como insucesso. (VIEIRA, 2015, p. 5).

O processo educativo racionalizado conduz a naturalização da

institucionalização da aprendizagem, e não necessariamente para sua mobilização e é sobre isso que se precisa pensar. Afinal, e se a aprendizagem se der em outro ritmo? E se o(a) estudante for considerado em relação aos seus contextos socioculturais? E se a escola levasse em consideração, na mesma medida de igualdade, as experiências que se dão fora do controle do(a) professor(a)? E se as subjetividades fizessem parte das trajetórias escolares? Se a escola é obrigatória, é

preciso que se repense os julgamentos em torno das aprendizagens12 para que seja

possível conciliar desejos, saberes, experiências, gostos e necessidades.

Como fazer isso? Como saber ao certo? A quem perguntar e com quem construir respostas? Talvez uma possibilidade seja chamar os(as) estudantes para reconstituir suas trajetórias escolares e, escutando atentamente suas percepções sobre as experiências escolares, valorizar suas aprendizagens, (re)conhecer a pluralidade de percursos, as noções de aprendizagem, as temporalidades em (des)acordo com as individualidades, suas percepções acerca das perspectivas institucionalizadas que apontam o (ins)sucesso escolar, enfim, os significados que atribuem as suas trajetórias escolares e de vida.

12 Em A arte de fazer a medida: o julgamento dos professores em contexto de avaliação escolar,

Resende e Caetano (2015) problematizam o processo avaliativo feito pelos(as) professores(as) em relação aos(as) estudantes no contexto de escolarização massiva, chamando a atenção para a necessária cautela frente à tradicional categorização escolar.

3 SOBRE DIREITO E APRENDIZAGEM

Neste capítulo, teoriza-se sobre a aprendizagem enquanto um direito universal, inalienável, inviolável e indispensável à formação e ao desenvolvimento humanos, e descreve-se os processos de aspiração e conquista do direito à educação, em que o direito a aprendizagem é subjacente e através do qual constituiu-se objetivo principal da educação.

Por intermédio da problematização de dados avaliativos da Educação Básica nacional e de concepções a respeito do direito à aprendizagem no cotidiano da educação formal, busca-se alertar para os mecanismos (in)visíveis que se alicerçam para a desconsideração dessa conquista, fruto de muitas lutas e investimentos coletivos.

A desqualificação das aprendizagens que se dão no âmbito da Educação Básica tem servido a projetos neoliberais cujo intento é a mercadorização da educação em todos os níveis de ensino. A destruição da educação pública passa pelo mito de sua ineficiência erigido sob uma maquinaria cujas engrenagens, a cada movimento, deturpam e desconstroem conquistas.

Apesar disso, o direito à aprendizagem encontra terreno fértil no âmbito escolar – e não apenas nele –, sobretudo quando lhe são fomentadas as condições para isso. Diluído em três importantes dimensões – concebido, vivido e percebido –, pode e precisa ser cotejado com o conjunto de experiências de aprendizagem

escolares – individuais, coletivas, sociais – narradas por quem vive o cotidiano da

Educação Básica.