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Até agora consideramos as pistas de profundidade uma a uma, separadamente. No en- tanto, em geral temos acesso a várias pistas de profundidade de uma só vez. Isso levan- ta a questão de como combinamos essas diferentes fontes de informação para julgar a profundidade ou a distância. Duas possibilidades são aditividade (reunindo informações de todas as pistas) e seleção (usando apenas informações de uma única pista) (Bruno & Cutting, 1988). As pistas também podem ser combinadas de formas mais complexas.

Como devemos integrar as informações das pistas para maximizar a precisão de nossa percepção de profundidade? Jacobs (2002) defendeu que devemos atribuir mais peso às pistas confiáveis do que às não confiáveis. Como pistas que são confiáveis em um contexto podem ser menos confiáveis em outro, devemos ser flexíveis em nossas avaliações a respeito da confiabilidade da pista.

TERMOS-CHAVE Disparidade binocular

Pista de profundidade baseada nas duas imagens retinianas quando um observador vê uma cena; é a base para a estereopsia. Paralaxe do movimento Pista de profundidade baseada no movimento em parte da imagem retiniana em relação a outra. Convergência Pista de profundidade baseada no foco dos olhos voltado para dentro com objetos próximos.

Acomodação

Pista de profundidade baseada nas mudanças na potência óptica produzidas pelo espessamento do cristalino quando um observador focaliza objetos próximos. Estereopsia Percepção de profundidade baseada na pequena discrepância nas duas imagens na retina quando uma cena visual é observada (disparidade binocular).

Autoestereograma

Imagem bidimensional complexa percebida como tridimensional quando não focalizada por um período de tempo. CONTEÚDO ON-LINE em inglês Weblink: Teste de percepção de profundidade

66 PARTE I Percepção visual e atenção

Essas noções levaram Jacobs (2002) a apresentar duas hipóteses:

1. Pistas menos ambíguas (p. ex., aquelas que fornecem informação consistente) são consideradas mais confiáveis do que as mais ambíguas.

2. Uma pista é considerada confiável se as inferências baseadas nela são compatíveis com as baseadas em outras pistas disponíveis.

A experimentação nessa área se beneficiou dos avanços nas tecnologias da reali- dade virtual. Esses avanços permitem que os pesquisadores controlem as pistas visuais com muita precisão e forneçam aos observadores ambientes virtuais que possibilitam testes claros das hipóteses.

Achados

Evidências que apoiam a primeira hipótese de Jacobs (2002) foram reportadas por Triesch e colaboradores (2002). Eles usaram uma situação de realidade virtual na qual os obser- vadores monitoravam um objeto definido por cor, forma e tamanho. Em cada ensaio, dois atributos eram duvidosos ou inconsistentes (seus valores mudavam frequentemente). Os observadores associaram um peso cada vez maior à pista confiável ou consistente e menor às pistas duvidosas durante o curso de cada ensaio.

Evidências compatíveis com a segunda hipótese de Jacobs (2002) foram reporta- das por Atkins e colaboradores (2001). Eles usaram um ambiente de realidade virtual em que os observadores viam e agarravam cilindros elípticos. Havia três pistas sobre a profundidade do cilindro: textura, movimento e háptica (relativa ao sentido do tato).

Quando as pistas háptica e de textura indicavam a mesma profundidade do cilin- dro, mas a pista do movimento indicava uma profundidade diferente, os observadores faziam uso crescente da pista de textura e uso decrescente da pista de movimento. Quan- do as pistas háptica e de movimento indicavam a mesma profundidade do cilindro, mas a pista da textura não, os observadores se baseavam de forma crescente na pista de mo- vimento, em vez de na pista de textura. Assim, qualquer pista visual relacionada à pista háptica era preferida, e essa preferência aumentava com a prática.

A maior parte das pesquisas sugere que os observadores integram informações das pistas de acordo com a noção de aditividade, uma vez que levam em conta a maio- ria ou todas as pistas (Landy et al., 2011). Entretanto, eles associam um peso adicio- nal às pistas mais confiáveis. Essas condições certamente se aplicam aos inúmeros estudos nos quais havia apenas pequenos conflitos entre as informações fornecidas por cada pista.

O que acontece quando duas ou mais pistas estão em forte conflito? Como ve- remos, os observadores normalmente se baseiam de forma preponderante (ou mesmo exclusiva) em apenas uma pista. Assim, a percepção de profundidade dos observado- res está fundamentada na estratégia de seleção, conforme definida por Bruno e Cutting (1988). Isso faz sentido. Suponha que uma pista sugira que um objeto está a 10 m de dis- tância e outra sugira que ele está a 90 m. Provavelmente, não está correto tirar a média e decidir que o objeto está a 50 m de distância! Usamos a estratégia de seleção no cinema – as pistas de perspectiva e textura são usadas para produzir um efeito tridimensional, enquanto ignoramos as pistas (p. ex., disparidade binocular) que indicam que tudo na tela está a uma mesma distância de nós.

Evidências relevantes foram reportadas por Girshick e Banks (2009) em um estudo sobre o efeito de duas pistas (disparidade binocular e gradientes de textura) na percepção inclinada. Quando havia um pequeno conflito entre as informações fornecidas pelas pistas, os observadores usavam as informações de ambas. Quando havia um grande con- flito, no entanto, a inclinação percebida era determinada exclusivamente por uma das TERMO-CHAVE Háptico Relativo ao sentido do tato. CONTEÚDO ON-LINE em inglês Weblink:

Pistas ambíguas sobre profundidade

CAPÍTULO 2 Processos básicos na percepção visual 67

pistas (disparidade binocular ou gradiente de textura). É importante mencionar que os observadores não tinham conhecimento consciente do grande conflito entre as pistas.

Já discutimos as formas pelas quais os observadores combinam informações de pistas diferentes. Até que ponto essa combinação de pistas produz um desempenho óti- mo (i.e., percepção de profundidade precisa)? Lovel e colaboradores (2012) abordaram essa questão. Em seu estudo, eles exploraram os efeitos da disparidade binocular e do sombreamento na percepção de profundidade. De um modo geral, a disparidade bino- cular era a pista mais informativa da profundidade, mas esses pesquisadores testaram os efeitos de torná-la menos confiável durante os ensaios. As informações das pistas foram combinadas idealmente, com os observadores atribuindo de forma consistente um peso maior às pistas confiáveis do que às não confiáveis.

Knill e Saunders (2003) estudaram o uso das pistas sobre textura e estéreo nos jul- gamentos da inclinação da superfície. As informações sobre a textura se tornam cada vez mais úteis conforme aumenta a inclinação, e os pesquisadores previram que os observa- dores fariam mais uso das pistas sobre textura com inclinações maiores. Sua previsão foi confirmada. Knill e Saunders também encontraram diferenças individuais interessantes no peso atribuído às pistas sobre textura e estéreo. As pistas sobre textura recebiam um peso muito maior por parte dos indivíduos mais capazes de usar tais pistas e o mesmo aconteceu com as pistas sobre estéreo. De modo geral, os observadores combinaram informações sobre estéreo e textura de maneira próxima ao ideal.

Avaliação

Muito já foi aprendido a respeito das numerosas pistas que os observadores usam para fazer uma estimativa da profundidade ou da distância. Informações provenientes de diferentes pistas sobre profundidade normalmente são combinadas para produzir uma percepção precisa da profundidade. Isso com frequência acontece de forma aditiva, com informações de todas as pistas combinadas. No entanto, existem várias situações (p. ex., quando diferentes pistas colidem fortemente) nas quais uma pista domina as outras.

Como defendeu Jacobs (2002), atribuímos mais peso às pistas que dão informa- ções confiáveis e compatíveis com as fornecidas por outras pistas. Além disso, o peso que atribuímos a uma pista é flexível – algumas vezes tomamos conhecimento de uma pista que era confiável no passado e já não é mais. De modo geral, as pistas são avaliadas para produzir uma percepção precisa de profundidade.

Quais são as limitações da pesquisa nessa área? Em primeiro lugar, passamos a maior parte de nosso tempo estimando a distância em contextos nos quais inúmeras pis- tas estão presentes e não há grandes conflitos entre elas. Em contrapartida, os ambientes de laboratório frequentemente fornecem apenas algumas pistas, e essas pistas dão infor- mações muito discrepantes. A falta de familiaridade dos ambientes de laboratório pode algumas vezes causar um desempenho abaixo do ideal pelos observadores e reduzir a generalização à vida diária (Landy et al., 2011).

Em segundo, presume-se em geral que as informações que os observadores obtêm de pistas únicas são precisas. No entanto, esse pressuposto raramente é testado. Em terceiro, os observadores aprendem razoavelmente rápido quais pistas são mais e quais são menos confiáveis. A avaliação da confiabilidade envolve a comparação da eficácia das diferentes pistas, e os processos complexos envolvidos não são bem-compreendidos.