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No Rio de Janeiro, vive mais jornalista que gente. Você encontrará garçons, ascensoristas, choferes, camelôs, detetives, cafetões, botequineiros, contrabandistas, todos com carteira de jornalista no bolso...

Nestor de Holanda

O Rio de Janeiro era palco exclusivo no Brasil de boêmios-intelectuais-jornalistas possuidores de estreitos vínculos com os produtores das manifestações populares ascendentes. Um trabalho simbólico de classificação e denominação, artífice pioneiro da legitimação das formas artísticas em questão, teria sido levado a termo por esses personagens, o que resultaria na afirmação de um novo domínio estético musical.48 Com efeito, desde meados do século XIX, quando da fundação das grandes sociedades carnavalescas, jornais próprios e internos a estes agrupamentos passavam a tematizar o carnaval, seus personagens e os sentidos tomados pelas festas.49 Esses órgãos amiúde apresentavam a serventia de suporte a críticas com viés republicano ao regime monárquico, o que lhes conferia certa importância naquela figuração. Traçavam ainda estratégias a fim de promoverem o nível dos debates e a relevância auferida por esses veículos que consistiam em abrigar as penas de intelectuais maiores apreciadores dessas novas formas “nobres” de divertimento, como Olavo Bilac, Bastos Tigre e Emílio Menezes, alguns dos contribuidores de idéias e textos neste prelúdio de institucionalização das sociedades carnavalescas. Mas seria mesmo

48 Há uma relativa escassez de informações a respeito de alguns desses personagens, a despeito de trabalhos acadêmicos

terem realizado análises de cunho histórico e localizado sobre eles. Ressalta-se que, no âmbito geral, esses trabalhos não se aprofundam na possível participação dos referidos agentes na delimitação formal, territorial e grupal do samba. Ver Caldeira (1982), Coutinho (2006), Moraes (2006), Napolitano & Wasserman (2000), Napolitano (2007), Sandroni, (2001) e Stroud (2008).

49 O Tenentes do Diabo foi fundado em 1855, o Democráticos em 1867 e o Fenianos em 1869 (COUTINHO, 2006: 36).

somente após o advento da República, em 1889, que a escrita em forma de crônicas, a qual já vinha sendo desenvolvida nos órgãos mencionados desde seus princípios, invadiria as redações dos grandes jornais. Decerto, em um primeiro momento os grandes jornais abrigaram estas colunas dentro de um formato muito recatado e guardando os preconceitos de época, uma vez que suas matérias postavam-se enquanto apreciadoras do carnaval aristocrático e depreciativas dos folguedos populares.50 Aos poucos, no entanto, ao passo que essas matérias se rotinizavam, as manifestações tomavam cada vez mais vulto e os jornalistas especializados traçavam um domínio próprio e relativamente independente em termos de pauta e linguagem, os relatados preconceitos se dissipavam. O elemento popular doravante passaria a ser julgado sob as lentes de seus defensores, o que redundava em uma riqueza de detalhes que nutria a imagem positiva desse juízo.

O Jornal do Brasil, por exemplo, na esteira de antecedentes como A Gazeta de Notícias, de 1874, teria vindo à luz em 1891 com uma coluna específica sobre crônicas de carnaval. Constituindo-se dentro de pouco tempo como um dos periódicos mais prestigiados da capital, outros os seguiriam na aurora do século XX estreitando, desse modo, a relação estabelecida entre os veículos de comunicação e as agremiações carnavalescas, que não economizariam em festas e bajulações aos cronistas-jornalistas especializados neste universo. Os clubes, blocos e ranchos carnavalescos, formações detentoras de menor reconhecimento social em comparação com as grandes sociedades na aurora do século XX, lançariam mão do expediente de oferecer refeições e homenagens a diversos desses jornalistas, recebendo em troca, em geral, comentários elogiosos nos respectivos veículos e auxílio para angariarem apoio oficial junto a governantes e à polícia, se fosse o caso. Tratados como semideuses nestas ocasiões, os jornalistas do carnaval eventualmente contribuíam com suas crônicas e reportagens para os jornais específicos de propriedade das agremiações que seguiam o exemplo das grandes sociedades, conferindo de lambujem certo ar de legitimidade e importância aos novos folhetins. Por outro lado, esses proto-especialistas poderiam ser oriundos dos mencionados folhetins e recrutados pelos jornais que ensejassem criar as suas colunas sobre as manifestações populares com entendidos do meio. Jota Efegê, ele próprio cronista e auto-arrogado “testemunha ocular” dos festejos do início do século XX, asseveraria sobre a relação íntima instituída entre os jornalistas e as agremiações carnavalescas desde seus primórdios: “(…) Os jornalistas que nos diversos órgãos da imprensa carioca cuidavam ou faziam a cobertura (como está agora em voga dizer) dos assuntos atinentes às festividades da época eram não só habitués da agremiação mas, declaradamente, seus fãs”. (EFEGÊ, 1965: 112).

A importância desses jornalistas menores, cronistas que se ocupavam também do futebol, dos casos policiais e do teatro de revista, detentores de posições dominadas e secundárias dentro das

50 Cf. COUTINHO (2006: 39). Coutinho transcreve um exemplo desses preconceitos no Jornal do Brasil em 1892, bem

ao modo dos manifestos por França Júnior nos anos de 1870: “O zé-povinho divertiu-se ao som de guizos e canções populares com música sui generis (...)” (COUTINHO, 2006: 55).

redações e dominantes junto às agremiações carnavalescas e aos seus membros, teria sido basicamente a de sistematizar, rotinizar e dar ao conhecimento de um público leitor de jornal a linguagem êmica e o universo simbólico que circundavam as emergentes instituições promotoras de manifestações musicais populares. Mais do que grandes conhecedores e participantes de todas as festanças levadas a cabo naquela figuração, agentes que se auto-alcunhavam Vagalume, Morcego, Peru dos Pés Frios, K-Peta, K-Rapeta, V. Neno, K-Dete etc. conquistavam uma posição de destaque ao reproduzirem as gírias utilizadas naquele “gueto” e os “causos” envolvendo figuras obscuras ligadas ao (sub)mundo da música popular que, a partir daí, passavam a não mais ser estranhas ao público leitor de jornal.51 Personagens que amiúde faziam uso de apelidos construídos com trocadilhos tendendo à galhofa – espécie de distanciamento provavelmente incentivado pelos próprios jornais, tendo em vista a identificação dessas manifestações populares emergentes com elementos que expressassem diversão, farra, alegria – suspenderiam a seriedade jornalística ainda pelo motivo de que o uso dos nomes próprios angariaria certo desprezo junto de “cultos” que porventura se aventurassem pelos seus textos reservados aos assuntos “leves”, como o esporte, o teatro de revistas e as manifestações musicais e festivas populares. Ao tratarem de assuntos “sérios” e legítimos, em contrapartida, eles tornariam a firmar os seus próprios nomes. A permissão para a existência de pautas desse jaez requeria o pagamento de certos pedágios simbólicos; um deles consistiria no próprio rebaixamento que os pretensos tópicos “leves” e “divertidos” receberiam ao não serem tratados com a sobriedade usual neste princípio de autonomização simbólica atravessado pelas manifestações musicais populares. À frente, quando o assunto se torna rotineiro e legítimo, os cronistas assumirão sua própria identidade sem peias, fato que se daria na década de 1930.52

Vagalume (sic) (Francisco Guimarães, 188?-1946) teria sido o mais representativo de todos esses agentes. De origem humilde, o negro Vagalume sofreu dificuldades no acesso à escola quando criança; apesar desse contratempo um tanto natural àquela altura, pôde cursar o Instituto Profissional do Rio de Janeiro, evento inusitado para alguém da sua cor e camada social. O cronista mantinha colunas semanais no Jornal do Brasil e n’A Tribuna desde os primeiros anos do século XX que tratavam de trazer à tona reportagens variadas, terminando por retratar o ambiente musical popular, os locais e os personagens do Distrito Federal em que e por meio das quais estas manifestações tomavam lugar. Seus escritos sobre as artes “menores” inauguravam um padrão que chegaria a ser decalcado após ter alcançado certa notoriedade neste meio: demasiadamente opinativos, seus artigos mesclavam gírias com um toque de impostação pomposa, o que não impedia que seu ponto de vista viesse a firmar os parâmetros legítimos do que deveria ser considerado samba ou não. Vagalume teria trabalhado em mais de cinqüenta jornais cariocas

51 Coutinho (2006: 127-127) transcreve cerca de uma centena de pseudônimos utilizados por esses personagens.

52 Índice da institucionalização dessa atividade, um centro dos cronistas carnavalescos foi formado em 1925 (Cf.

durante cerca de cinqüenta anos, sendo, por conta disso, considerado o decano dos cronistas carnavalescos. Segundo o Dicionário da Música Popular Brasileira, Francisco Guimarães

Foi pioneiro ao criar uma coluna sobre notícias carnavalescas no Jornal do Brasil, logo imitada por outros jornais, no qual assinava com o pseudônimo de Vagalume. Publicou "Na roda do samba" (Rio de Janeiro: Tipografia São Benedito) em 1933, no qual contou a história do samba, de seus criadores e intérpretes mais importantes. O livro foi reeditado várias vezes pela Funarte.(...).53

O boêmio autor de Na roda do samba, pretensa biografia do gênero musical que surgia e das figuras deste meio, era habitué desde priscas eras dos ranchos carnavalescos, mais especificamente, do Ameno Resedá, agremiação da qual teria sido diretor e que lhe dedicaria uma nota biográfica em 1916 com o fito de elogiar seus “serviços” jornalísticos. Por meio da estreita relação entabulada com o mundo carnavalesco, firmaria contato com diversos dos considerados primeiros cultores das manifestações populares que viriam a desaguar no samba, dentre eles, alguns do grupo do afamado “berço” do samba, a casa de Tia Ciata, como Donga, Sinhô – com quem Vagalume chegou a compor algumas canções –, Heitor dos Prazeres, João da Baiana, Pixinguinha, Mauro de Almeida etc., passando assim a embrenhar-se nos locais em que as formas musicais “populares” estivessem presentes. Decerto Vagalume ainda foi o primeiro a registrar na escrita uma divisão interna e específica ao gênero musical samba, classificando como samba “puro” o do morro e de samba “desvirtuado” o executado nas rádios.54

Na roda do samba reúne e resolve os dilemas emergentes naquela figuração que diziam respeito ao lugar do samba, do carnaval, de seus agentes etc. Logo nas primeiras páginas, seu autor Vagalume declara a que veio: nada menos do que 114 nomes de jornalistas, políticos, advogados, médicos, militares etc. são citados e agraciados no rol de sua “prova de amizade e reconhecimento aos grandes amigos”.55 Quer dizer, buscando a chancela social por meio de homenagens prestadas a um grupo de seletos personagens pertencentes às cenas política e cultural carioca, Vagalume lograva tanto vincular as suas opiniões aos figurões, quanto se posicionar no espaço social em um patamar de igualdade, pois aos olhos dos que lessem sua obra aparentaria de que se tratava de fato de alguém “importante”, logo, passível de ser levado em consideração. A esta altura, o jornalista havia reunido condições para dissertar sobre o domínio que ele escrutinava há muito. Ademais, tinha construído a fama de “defensor das manifestações populares”, movimentando por diversas vezes as suas amizades e seu título honorífico no sentido de auxiliar esta ou aquela agremiação 53

Apud: http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela=T_FORM_B&nome=Vagalume#topo, acessado em 13/05/2008

54 O intelectual maior Mário de Andrade, já em 1928, conforme demonstra Stroud (2008: 11-14), teria sido um dos

primeiros personagens a propor uma divisão geral entre as manifestações musicais “autênticas”, quer dizer, as que preservassem elementos “intactos” de um folclore posicionado de preferência no interior do país, e as “popularescas”, correspondendo na opinião de Mário às manifestações musicais urbanas que eram reproduzidas no rádio e nas indústrias de gravação de discos. No que tange exclusivamente ao domínio do samba, Vagalume teria sido o pioneiro a realizar tal divisão em 1933.

55 Dentre esses se misturavam políticos importantes naquela figuração, como Lourival Fontes, posterior diretor do

Departamento de Imprensa e Propaganda de Vargas, o dançarino Duque, o jornalista e escritor Cândido de Campos, Orestes Barbosa etc (GUIMARÃES, 1978: 13).

carnavalesca ou mesmo um de seus personagens. O clientelismo do período encontrava em Vagalume um agente ímpar que, com muita desenvoltura, percorria verticalmente as camadas socais. Espécie de coroamento da “obra” levada a cabo em mais de trinta anos, Na roda do samba, por outro lado, também correspondia aos anseios de nomeação e ordenamento simbólico daquele universo que, no ano anterior à sua publicação, 1932, havia conhecido um grande processo de comercialização com a já citada engrenagem que se circunscreveria entre as emissoras de rádio, as gravadoras e a imprensa. Ninguém melhor do que Vagalume para fornecer as coordenadas ao ávido e parcialmente desorientado mercado que se estabelecia em torno do samba, de seus agentes e paragens. Como ele próprio cunhou na abertura de seu livro, “(...) Não tive outro objetivo, senão separar o joio do trigo. Hoje que o samba foi adotado na roda ‘chic’, que é batido nas vitrolas e figura nos programas dos rádios, é justo que a sua origem e o seu desenvolvimento sejam também divulgados” (GUIMARÃES, 1978: 20).

Constatava-se em 1933, portanto, o o movimento de constituição de um gênero musical possuidor de regras próprias e divisões simbólicas operantes. Quando da entrada maciça das instituições comerciais especializadas em dar vazão à música, organizava-se um subgênero musical voltado a um consumo “restrito”, supostamente posicionado de forma distante às indústrias fonográficas. Falo aqui da classificação conferida a agentes que passavam a ocupar uma posição superior no espaço simbólico que se estabelecia, de connaisseurs, conforme se depreende desta passagem do livro de Vagalume: “(...) O samba não é o que os literatos pensam. É uma coisa toda especial, com a sua toada própria, com o seu compasso natural (em geral é o binário) e umas tantas exigências, que só os ‘catedráticos’ conhecem (...)” (GUIMARÃES, 1978: 51). Vagalume fazia questão de ressaltar a independência em termos de linguagem que o gênero em formação teria em relação às normas cultas, que não deveriam fazê-lo se curvar prontamente à tradição gramatical ou a outra qualquer, mas sim de acordo com suas exigências próprias:

(...) O samba pode não ter gramática, mas, não deve ter asneira, nem bobagens (...). É sem gramática, que nós o queremos, é sem concordância, é não ligando a colocação dos pronomes, porém, nos tocando a alma, nos falando ao coração, dizendo qualquer coisa, de carinho e amor ou glosando um fato, criticando A ou B, como fazia o inolvidável Sinhô! (...) queremos o samba, sem gramática sim, mas, nunca desmentindo o seu passado! (...) queremos o samba sem gramática, daquele que diz o que sente e que nós sentimos o que ele diz. (GUIMARÃES, 1978: 107-108).

Caso acontecesse de o samba passar às mãos daqueles que possuíssem suas regras próprias, ou seja, a dos “gramáticos”, dos “maestros” e dos “poetas”, em suma, daqueles agentes estabelecidos, portadores de uma legislação em seus domínios artísticos e de estudos há tempos, o samba “verdadeiro” de Vagalume se desvirtuaria:

No dia em que o samba se relacionar com a gramática, perderá toda a sua beleza, todo o seu encanto, porque passará a ser monopólio dos poetas e será até apresentado na fonética, como prova de habilitação para a Academia de Letras... (...) Quando o samba tiver gramática, quando o samba passar da roda em que foi gerado para a dos gramáticos e dos maestros, quando ele sair do seu próprio meio e for para o seio dos poetas, deixará de ser

samba. (...) a transformação se fará, mas durará muito pouco, porque, será tão grande a repulsa que o protesto partirá dos editores, que, notarão a queda da indústria, com a diminuição assombrosa da renda (GUIMARÃES, 1978: 108).

A necessidade e a carência de estudos de seus cultores se transformariam neste ponto em virtude para o folião-mór, tendo em vista os parâmetros próprios de apreciação e a legitimidade que o gênero musical apresentaria. Curioso é notar que Vagalume rogava aos editores, quer dizer, aos agentes mercadores a quem ele tanto desprezava, a manutenção do samba em suas “faltas” características, o que expressava de maneira tácita a aceitação de que o poder inexorável do comércio musical e de seus agentes daria as cartas na reprodução desse universo. Fora do mercado já não havia salvação, por mais se intentasse realizar idealmente o oposto. Fazem-se notórios ainda os intuitos classificatórios de Vagalume e a primazia e legitimidade que ele requer às suas asserções de insider deste meio. “(...) Ultimamente apareceram muitos escritos sobre o samba, mas os seus autores demonstraram sempre o maior desconhecimento do assunto. (...) a minha única preocupação, foi dar nome aos bois e provocar o estouro da boiada... (...)” (GUIMARÃES, 1978: 20). O notório folião, instituidor do dia dos ranchos, via em um João do Rio, por exemplo, cronista principal do período que atingiu a glória de ser elevado à Academia Brasileira de Letras, um concorrente à altura a ser defenestrado do universo dos regradores do samba, um intelectual ético a ser corrigido: “(...) Paulo Barreto, de saudosíssima memória, em Religiões do Rio, disse pouco, inventou muito, fugiu sempre à verdade e ridicularizou bastante” (Apud: COUTINHO, 2006: 95). O samba teria, a partir de Vagalume, de ser tratado por entendidos, por agentes realmente sabedores das injunções, das glórias e das “origens” daquela manifestação. Suas asserções sobre o gênero são construídas de maneira relacional, demarcando suas distinções com respeito às outras manifestações existentes:

(...) O que os poetas fabricam, são modinhas que estão longe do que, antigamente, escapando à classificação de samba, tinha a denominação de “lundu”. O samba, é irmão do batuque e parente muito chegado do cateretê; é primo do fado e compadre do jongo... (GUIMARÃES, 1978: 29).

Eis a “linha evolutiva” do gênero samba segundo Vagalume, que não perde a ocasião de eleger seus personagens para o panteão que (se) formava:

O primitivo samba era o raiado, com aquele som e sotaque sertanejos. Depois, veio o samba corrido, já melhorado e mais harmonioso e com a pronúncia da gente da capital baiana. Apareceu então o samba chulado que é este samba hoje em voga; é o samba rimado, o samba civilizado, o samba desenvolvido, cheio de melodia, exprimindo uma mágoa, um queixume, uma prece, uma invocação, uma expressão de ternura, uma verdadeira canção de amor, uma sátira, uma perfídia, um desafio, um desabafo, ou mesmo um hino! É este samba de hoje, de Caninha, de Donga, [Heitor dos] Prazeres, João da Baiana, Lamartine [Babo], Almirante, Pixinguinha, Vidraça, Patrício Teixeira, Salvador Corrêa, muitos outros e que constitui – o reinado do grande mestre, do saudoso, do inolvidável – do imortal Sinhô (GUIMARÃES, 1978: 27-28).

A propósito dos locais específicos e originários do samba, Francisco Guimarães não teria dúvidas em apontar o morro. Por possuir contato íntimo com os reprodutores do gênero posicionados na casa de Tia Ciata, no entanto, o jornalista teceria uma espécie de arreglo; aquele que teria sido o local “originário” do samba figuraria, a partir de então, como de maior importância

no que concerne ao assentamento do gênero musical, quer dizer, representaria a localidade onde o gênero ganhou forma e fama, asserção que daria margem para que, bem à frente, os agentes vinculados a este reduto passassem a requerê-lo e a fundamentá-lo como o “berço do samba”:

Os sambas na casa de Asseata, eram importantíssimos, porque, em geral quando eles nasciam no alto do morro, na casa dela é que se tornavam conhecidos na roda. Lá é que eles se popularizavam, lá é que eles sofriam a crítica dos catedráticos, com a presença das sumidades do violão, do cavaquinho, do pandeiro, do reco-reco e do “tabaque” (GUIMARÃES, 1978: 88).

Quanto ao afamado “primeiro samba”, o Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios), Vagalume o trataria com um bocado de ironia e desprezo. Na verdade, grande amigo de Sinhô, um desafeto de Donga, Vagalume aproveitaria a ocasião da célebre apropriação indébita da criação coletiva que teria sido a Pelo Telefone para espezinhar seu grande inimigo de meio musical, o maior vendedor de discos da época, o cantor Francisco Alves, o “Chico Viola”56:

Foi na casa de Tia Asseata, num dos seus famosos sambas que o “Donga” apanhou o – PELO TELEFONE – e fez aquele arranjo musical que celebrizou como precursor da “indústria” que hoje é o regalo do Chico Viola... (…) (GUIMARÃES, 1978: 88).

O Donga é o precursor da indústria do samba. Foi quem abriu caminho a toda esta gente que hoje forma um exército de Sambestros...(GUIMARÃES, 1978: 92).

Neste ínterim, portanto, o samba já contava com uma divisão estrutural interna correlata à implantação das instituições comerciais das artes no país. De um lado, um gênero que, segundo este “regrador”, estava acossado pelo perigo comercial do rádio, dos grandes tentáculos da indústria fonográfica e dos ladrões de composições alheias. Vagalume volta a alfinetar o cantor Francisco