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3. RESULTADOS

3.4. Inteligência e sucesso acadêmico

O construto inteligência está longe de ser consenso na pesquisa sobre o tema. Apesar disso, os participantes tenderam a reificar o conceito. Assim, quando perguntados em relação ao assunto, a quase totalidade dos entrevistados se autodenominou inteligente. Entretanto as imagens relacionadas a esse construto foram diversas.

Em muitos discursos, nota-se a clara influência dos pais, professores e colegas na construção dessa auto-imagem. A percepção dos outros em relação a si influi diretamente na construção do autoconceito de alguém. Portanto, os elogios recebidos ao longo da escolari- dade parecem ter sido fundamentais para a elaboração dessa imagem de si próprio como al- guém capaz.

Apenas duas entrevistadas disseram que não se consideram inteligentes, mas estudiosas, estabelecendo uma dicotomia entre esforço (estudo) e talento (inteligência). Para essa duas estudantes, a inteligência constitui-se em talento inato, que não depende do esforço para se construir. Entretanto, no caso delas, o empenho, a determinação foram fundamentais para estarem em igualdade de condições com aqueles que consideram privilegiados por terem nascido inteligentes.

Não me considero inteligente, mas sim estudiosa. Meu irmão sim é inteligente. Sem estudar, ele consegue ir tão bem quanto eu. Eu tenho que estudar muito pra ter o resultado dele.

L., 17 anos

Os significados de inteligência apresentados pelos participantes circularam em torno de cinco idéias principais: capacidade de se atingir metas; capacidade de resolução de problemas; inteligência relacionada a habilidades diversas (escolares e extra-escolares); capacidade de retenção de informações; preocupação com o bem-estar de si próprio e com o

do próximo. Os recortes abaixo ilustram alguns desses significados que emergiram na fala dos entrevistados.

[Você se considera inteligente?]

Sim [risos].

[O que é ser inteligente?]

Olha, pra mim é conseguir aprender as coisas. Alguém dizer alguma coisa e eu aprender.

[E o que é aprender?]

É chegar ao objetivo que a pessoa quer. Se o meu professor de Matemática quer que eu chegue à conclusão de que isso é aquilo e a conclusão está certa, eu tenho que chegar até ela. Ele não tem que chegar até ela por mim. Eu tenho que ter a capacidade de aprender, de chegar à conclusão sozinho, sem ter que depender de ninguém.

G., 17 anos

Para “G.”, a inteligência é considerada a capacidade de aprender e de se atingir metas com relativa autonomia. Esse sentimento contribui ao estudo individual deliberado, atividade que depende da capacidade autônoma, da disciplina. Portanto, é possível que essa imagem de inteligência alimente a atitude de perseverar no estudo administrando as próprias dificuldades. De forma semelhante, surgiu a associação entre inteligência e capacidade de resolução de problemas.

[Você então se acha inteligente?]

Acho.

[E o que é ser inteligente?]

Capacidade de resolver problemas.

[E você acha que consegue resolver com certa facilidade?]

Acho.

D., 17 anos

A inteligência também foi relacionada a habilidades escolares e extra-escolares. A fala de “V.” remete à idéia das múltiplas inteligências quando estabelece diferenças entre habilidades valorizadas não somente no ambiente escolar.

[Mas como você quantifica essa capacidade sua?]

Acho que pela facilidade de aprender. Também pelas notas, que é o método que a gente quantifica no colégio, e apesar disso eu não acho que seja necessariamente inteligente. Acho que inteligência é uma coisa muito mais ampla.

[E o que é inteligência?]

O que é inteligência?... Inteligência é... acho que é a capacidade de você saber lidar com determinadas situações e se sair bem nelas. Por exemplo, socialmente, a hora de falar, a hora de ficar calado. Em matemática, conseguir resolver situações- problema. Lingüística, a capacidade de escrever bem, de saber usar bem as palavras, usar seus argumentos. Acho que inteligência é algo mais do que simplesmente colégio.

V., 17 anos

Por sua vez, “A.” relaciona a inteligência à capacidade de retenção de informações, à curiosidade e à capacidade de discorrer sobre temas diversos.

[E você se acha inteligente?]

Sim.

[E o que é isso?]

Boa pergunta... [risos]...eu não sei, nunca parei pra pensar nisso... Não sei, talvez seja ser acima da média...

[Média de quê?]

Da inteligência... [risos] é conhecer mais que os outros...

[E o que é conhecer mais?]

[risos, incomodada com a insistência do entrevistador] ...Quanto mais responde, mais informação... Eu acho meu irmão do meio muito mais inteligente que eu. Qualquer assunto que você puxe com ele, ele sabe falar. Sabe falar sobre história, arte, ele é de ficar horas lendo um livro, vai pro computador e fica vasculhando, é mais curioso que eu.

A., 16 anos

Surgiu inclusive a relação entre inteligência intrapessoal e a interpessoal, ou seja, a prática de atitudes favoráveis a si mesmo, sem que tragam prejuízos a outrem.

[Você se considera inteligente?]

Sim.

[E o que é ser inteligente?]

Ser inteligente... eu acho que é... fazer o que é bom pra você sem que isso seja mal para as outras pessoas.

A abordagem acerca do tema inteligência por parte dos entrevistados vem confirmar a diversidade de imagens em torno desse construto. Embora a quase totalidade tenha se julgado inteligente, as concepções do que vem a ser variaram bastante em termos de significado.

Considerações

Os resultados da presente investigação revelaram que o significado do sucesso acadêmico extrapola a dimensão da aprendizagem de conteúdos escolares. Estar nesse seleto grupo é ser reconhecido como alguém capaz, alimentar expectativas, ter poder e maior possibilidade de inserção social. Ao mesmo tempo que caracterizam o sucesso acadêmico, esses significados agem como motivadores do estudo e, portanto, atuam na manutenção desse objeto simbólico.

A introversão desses estudantes pesquisados, que dificulta a ampliação do círculo de amizades, facilita a dedicação ao estudo individual deliberado por eles declarada, que é uma atividade solitária, necessitando o estudante de suportar com satisfação sua única companhia e seu próprio silêncio.

A aparente segurança e autodeterminação desses jovens oculta uma forte necessidade de seguir metas traçadas por outras pessoas, e atender a expectativas, que são com freqüência os pais. Percebeu-se grande identificação com modelos estabelecidos que incluem professores e colegas, mas estes nem se comparam, em grau de influência, à força do modelo dos pais.

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