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sexista feito por mulheres e para mulheres

2.4 Interações em rede

Scherer (2006) classifica a sociedade civil em três níveis: no primeiro nível encontra-se o associativismo local, como as associações civis, os movimentos comunitários e sujeitos sociais envolvidos com causas sociais ou culturais do cotidiano; no segundo nível encontram-se as formas de articulação inter-organizacionais, dentre as quais se destacam os fóruns da sociedade civil, as associações nacionais de ONGs e as redes de redes “que buscam se relacionar entre si para o empoderamento da sociedade civil, representando organizações e movimentos do associativismo local” (Scherer, 2006, p. 4); e num terceiro nível estão as mobilizações na esfera pública. Nesse nível, observa-se que as mobilizações são fruto da articulação de atores dos movimentos sociais localizados, das ONGs, dos blogs e fóruns e redes de redes:

E buscam transcendê-los por meio de grandes manifestações na praça pública, incluindo a participação de simpatizantes, com a finalidade de produzir visibilidade através da mídia e efeitos simbólicos para os próprios manifestantes e para a sociedade em geral, como forma de pressão política das mais expressivas no espaço público contemporâneo. (Scherer, 2006, p. 4)

A Revista AzMina, o blog estudado neste trabalho, ilustra essa forma de organização, pois conta com pessoas - principalmente mulheres - de diferentes partes do país, diferentes classes sociais e faixas etárias, que defendem ideais comuns. Além disso, promove campanhas em redes, como por exemplo a campanha realizada antes dos Jogos Olímpicos de 2016 intitulada “Quero Treinar em Paz”. Junto ao manifesto, a equipe da Revista criou o manual didático “Como não ser machista em contextos esportivos” para lembrar a jornalistas, treinadores, e espectadores como devem abordar as atletas, e também ter em mente que elas treinam porque querem competir e ser boas atletas, e não porque querem ser musas.

14Sexismo, de acordo com Smigay (2011), é o termo que se refere ao conjunto de ações e ideias que

privilegiam determinado gênero ou orientação sexual em detrimento de outro gênero. De maneira geral, o termo é usado como exclusão ou rebaixamento do gênero feminino. Trata-se de uma posição que pode ser praticada tanto por homens quanto por mulheres.

Imagem 3: Manual da Revista AzMina ensina como não ser machista em contextos esportivos

Fonte: Revista AzMina. https://olimpiadas.uol.com.br/colunas/azmina/2016/07/25/manual-didatico-de- como-nao-ser-um-machista-em-contextos-esportivos.htm. Acesso em 12/01/2017.

Além disso, no período entre a Olimpíada de Londres em 2012 e a Rio 2016, o empoderamento feminino ganhou as ruas e as redes. São vários os blogs feministas que avançam e realizam uma cobertura mais consciente relativamente ao papel da mulher nos jogos. O Olga Esporte Clube15, por exemplo, é um projeto da ONG Think Olga16 cuja missão, como o próprio portal

define, “é transformar a relação das mulheres com o esporte e abrir novas possibilidades para a prática feminina”. O Guerreiras Project17 utiliza o futebol como ferramenta para revelar,

analisar e combater preconceitos de gênero. As Dibradoras18, que também atuam na conscientização a respeito do machismo presente nas coberturas dos meios de comunicação convencional, criaram a campanha #MaisQueMusas.

É em torno da rede eletrônica que essas ações se comunicam não só com movimentos locais, mas também com os mais globais, com movimentos de outra natureza, com simpatizantes, e com diferentes identidades. Scherer (2006) aponta que muitos defendem que o ativismo e a

15http://olgaesporteclube.com/ 16http://thinkolga.com/

17http://www.guerreirasproject.org/pt 18http://dibradoras.com.br/

militância vêm perdendo fôlego nas últimas décadas, o que, segundo a mesma, é verdade para militância que se autodefine como “revolucionária”; mas existe um outro tipo de ativismo, que se alicerça nos valores da democracia, da solidariedade e da cooperação, e que vem crescendo significativamente nos últimos anos.

Todo esse processo de articulação é chamado por Ilse Scherer de “rede de movimento social”, e caracteriza-se por “sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou projetos em comum, os quais definem os atores ou situações sistêmicas antagônicas que devem ser combatidas e transformadas” (Scherer, 2006, p. 113). A autora acrescenta:

A sociedade civil organizada do novo milênio tende a ser uma sociedade de redes organizacionais, de redes inter-organizacionais e de redes de movimentos e de formação de parcerias entre as esferas públicas, privadas e estatais, criando novos espaços de governança com o crescimento da participação cidadã. As redes de movimentos sociais possibilitam, nesse contexto, a transposição de fronteiras territoriais, articulando as ações locais às regionais, nacionais e transnacionais; temporais, lutando pela indivisibilidade de direitos humanos de diversas gerações históricas de suas respectivas plataformas; sociais em seu sentido amplo, compreendendo o pluralismo de concepções de mundo dentro de determinados limites éticos, o respeito às diferenças e a radicalização da democracia através do aprofundamento da autonomia relativa da sociedade civil organizada. (Scherer, 2006, p. 126)

Essa nova caracterização de ações sociais tornaram-se possíveis, segundo Scherer, porque há meios técnicos que as viabilizam, como a Internet e os e-mails. As redes sociais também são fatores importantes no momento de o grupo se comunicar com o coletivo. As postagens diárias no FaceBook relacionadas a causas fazem com que o público não se distancie do grupo.

Assim, os encontros presenciais podem ser mais circunstanciais e espaçados quando a comunicação cotidiana está garantida pelos meios virtuais.

As redes, por serem multiformes, aproximam atores sociais diversificados – dos níveis locais aos mais globais, de diferentes tipos de organizações –, e possibilitam o diálogo da diversidade de interesses e valores. Ainda que esse diálogo não seja isento de conflitos, o encontro e o confronto das reivindicações e lutas referentes a diversos aspectos da cidadania vêm permitindo aos movimentos sociais passarem da defesa de um sujeito identitário único à defesa de um sujeito plural. (Scherer, 2006, p. 109)

A Revista AzMina também é um exemplo de luta feminista que se une a outras causas de igualdade, solidariedade, liberdade, justiça e paz. Dessa forma, as publicações não só conseguem se “comunicar com o conjunto das tendências do feminismo, dos movimentos de mulheres de base local, mas também com os mais globais, com movimentos sociais de outras especificidades, com simpatizantes de causas, formando redes de redes de movimentos” (Scherer, 2006, p. 119). De acordo com Ilse Scherer (2006), a nova utopia do ativismo são mudanças com engajamento com as causas sociais dos excluídos e discriminados, e com defesa da democracia na diversidade.

Até aqui foram levantadas as questões de gênero, as dificuldades encontradas pelas mulheres no esporte, o papel do jornalismo e seu imbricamento na cultura, e a importância dos blogs na era da convergência e organização em rede. Na segunda parte, será realizada a análise da cobertura dos Jogos Olímpicos de 2016 nos meios de comunicação GloboEsporte.com e Revista AzMina, num estudo empírico relacionado com as referidas questões.