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Interpretação judicial e discricionariedade: as atuais formas de se fazer justiça no

CAPÍTULO II O PODER JUDICIÁRIO E SUA CONJUNTURA FUNCIONAL

2.2. Interpretação judicial e discricionariedade: as atuais formas de se fazer justiça no

Num sentido de compreender melhor essas críticas feitas à atuação do Poder Judiciário, em sua função como intérprete legal, principalmente no que tange às Cortes Constitucionais, remonta-se ao que defende Cappelletti, em sua obra Juízes Legisladores? (1999), o qual procura analisar o fenômeno da interpretação judicial dentro do sistema de separação de poderes, admitindo que, com a expansão do Estado, naturalmente a atuação de todos os seus Poderes também foi tomando novas formas, especialmente no tocante ao Judiciário, frente ao Legislativo, com o crescimento, também, do papel criativo dos juízes, na formulação de suas jurisprudências.

Cappelletti (1999), em seu estudo, adverte que essa expansão dos poderes, principalmente do Judiciário, no que se refere à sua função de intérprete das leis, é necessária para se fazer o contrapeso com os demais Poderes Estatais, dentro de um sistema democrático de “checks and balances”3. Contudo, afirma Cappelletti (1999) que se faz necessário entender

quais são os limites que essa interpretação deve ter, para manter-se legítima neste sistema.

3 Segundo Oriana Piske de A. Barbosa e Antonio Benites Saracho, “O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve trabalhar em harmonia com os demais Poderes” (BARBOSA, Oriana Piske de A; SARACHO, Antonio Benites. Considerações sobre a Teoria dos freios e contrapesos (Checks and Balances System). Publicação em 2018. Disponível em <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos-discursos-e- entrevistas/artigos/2018/consideracoes-sobre-a-teoria-dos-freios-e-contrapesos-checks-and-balances-system- juiza-oriana-piske> Acesso em: 25 mai. 2019).

49 Inicialmente, Cappelletti (1999) compara os conceitos de “interpretação” e “criação do direito”, no âmbito do Poder Judiciário, justificando que a linha entre um e outro é bastante tênue, e que seria impossível, na interpretação das leis e sua aplicação aos casos concretos, não haver um mínimo de criatividade por parte dos juízes. Cappelletti (1999), nesse sentido, afirma que essa mínima criatividade é necessária porque as leis sempre deixam lacunas que devem ser preenchidas com a interpretação judicial, e que por serem essas leis criadas dentro de uma certa conjuntura temporal, faz-se necessário modificar, em certos casos, o entendimento que se tem sobre elas, para adequá-las ao momento atual. Portanto, nas palavras de Cappelletti (1999), “O verdadeiro problema, portanto, não é o da clara oposição, na realidade inexistente, entre os conceitos de interpretação e criação do direito. O verdadeiro problema é outro, ou seja, o do grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários” (CAPPELLETTI, 1999, p. 21).

Para Cappelletti (1999), tanto o Judiciário, quanto o Legislativo, são Poderes legitimados para a criação da normatividade, contudo um não se confunde com o outro, na medida em que o primeiro tem maior grau de criatividade que o segundo, num sentido de que, na aplicação da norma ao caso concreto há maiores divagações e comparações normativas do que na formulação de uma lei específica, mas essa criatividade deve estar subsumida aos preceitos formulados por este. Nesse sentido, Cappelletti (1999) afirma que o intérprete da lei não está totalmente vinculado às normas legislativas, uma vez que existem princípios legais e morais que também regulam a sociedade, entretanto, a sua liberdade interpretativa também não é absoluta, de modo que não pode fundamentar-se apenas em critérios de valoração, devendo apoiar sua argumentação no direito judiciário ou legislativo. Nas palavras de Cappelletti (1999):

Por isso, deve ser firmamente precisado que os limites substanciais não são completamente privados de eficácia: criatividade jurisprudencial, mesmo em sua forma mais acentuada, não significa necessariamente “direito livre”, no sentido de direito arbitrariamente criado pelo juiz do caso concreto. Em grau maior ou menor, esses limites substanciais vinculam o juiz, mesmo que nunca possam vinculá-lo de forma completa e absoluta (CAPPELLETTI, 1999, p. 26).

Cappelletti (1999) atribui essa nova maneira de pensar o Poder Judiciário à evolução da própria figura de Estado, principalmente das influências que as mais diferentes formas de atuar da democracia tiveram sobre as sociedades. Inicialmente, Cappelletti (1999) pontua que a criatividade inserida nas decisões judiciais, perante as leis, se deu pela necessidade de fuga do positivismo e do formalismo que passaram a imperar após o absolutismo, de maneira que

50 aquelas correntes de pensamento estavam, de certo modo, igualando-se a esta, quando passaram a engessar determinadas atuações sociais, dentro e fora do Estado.

Nesse sentido, para Cappelletti (1999), na medida em que os Poderes Legislativo e Executivo foram tomando para si cada vez mais responsabilidades, no que concerne a essa necessidade de inovação legal e administrativa, para a continuidade do Estado, e se agigantando como Poder, o Judiciário necessitava, de algum modo, igualar-se aos outros órgãos, para fugir da figura de mero aplicador do direito. Nesse ponto, Cappelletti (1999) aduz que os Tribunais Constitucionais, a depender do sistema de governo adotado, assumiu o dever de interpretar criativamente as designações dos demais Poderes, chegando até mesmo a controla-los, a partir de suas decisões, o que explica de onde o Judiciário retira sua legitimação para atuar de maneira criativa. Ainda de acordo com Cappelletti (1999), essa inovação judicial é muito mais comum nos países que adotaram um sistema de “checks and balances”, do que naqueles que procuraram seguir à risca os desígnios de Montesquieu. Desse modo, em suas palavras:

Os tribunais judiciários ordinários [...] passaram com audácia a aceitar a tarefa de ultrapassar o papel tradicional de decidir conflitos de natureza essencialmente privada. Todos os juízes, e não apenas alguns daqueles novos juízes especiais [...] tornaram- se, dessa maneira, os controladores não só da atividade (civil e penal) dos cidadãos, como também dos “poderes políticos”, nada obstante o enorme crescimento destes no estado moderno [...] (CAPPELLETTI, 1999, p. 49).

Cappelletti (1999) defende, ainda, que a criatividade nas decisões é fundamental para o Estado, considerando-se um sistema de balanceamento entre os Poderes. Cappelletti (1999) também aduz que a consequente criação normativa proveniente da inovação na interpretação das leis, dentro das decisões, não pode ser considerada um “legislar” dos juízes, uma vez que os procedimentos para a criação de leis e para a produção de decisões são completamente diferentes.

Entretanto, Cappelletti (1999) enumera vários defeitos para a legitimação da produção normativa através das decisões por interpretação do Judiciário, como, por exemplo, a falta de acesso à verdadeira informação, já que o excesso de produção normativa, em inúmeros sentidos, bem como o grande volume jurisprudencial de aplicação das normas, formuladas ao longo dos tempos, faz com que haja uma confusão no momento de aplicar tais resoluções aos casos concretos. Nesse sentido, Cappelletti (1999) defende que a saída para evitar tais confusões é o Judiciário voltar-se muito mais para o sistema de precedentes, uma vez que estes são muito mais flexíveis para serem aplicados aos casos concretos, diferentemente da norma positivada, que possui uma conotação mais objetiva.

51 Outro defeito elencado por Cappelletti (1999) é a eficácia retroativa das decisões, já que, naturalmente, se aplicam a situações que ocorreram antes de sua existência, pois sua intervenção na vida social sobrevém apenas quando provocada por alguém. Nesse sentido, pelo fato de ter uma eficácia retroativa, retira o sentimento de segurança jurídica que a normatividade positivada dá as partes, pois estas nunca saberão de que forma o Judiciário interpretará aquela norma aplicada ao caso concreto.

Uma terceira limitação descrita por Cappelletti (1999) é a incompetência institucional do Judiciário para produzir entendimento normativo para a sociedade. Segundo Cappelletti (1999), a produção normativa efetuada pelo Legislativo conta com inúmeros fatores externos, como estudos socioeconômicos, recursos financeiros, entre outros. Contudo, essa limitação é amenizada por Cappelletti (1999), quando este diz que o Judiciário também pode se valer de instrumentos parecidos, como perícias e pareceres técnicos sobre os assuntos, bem como problematiza a produção normativa do Legislativo, uma vez que nem sempre é técnica e pode sempre estar submetida à interesses locais e corporativos, vícios estes, no ponto de vista de Cappelletti (1999), inexistentes no âmbito Judiciário.

Um último defeito, o mais relevante, de acordo com Cappelletti (1999), é a falta de legitimação democrática do Judiciário, na produção normativa. Segundo Cappelletti (1999), os juízes seriam absolutamente incompetentes para produzir normas porque não são representantes diretos do povo, além de que “[...] num sistema democrático é, obviamente, assegurada a independência dos juízes, mas tanto mais são esses independentes, tanto menos obrigados a ‘prestar contas’ das suas decisões ao povo ou à maioria deste e a seus representantes” (CAPPELLETTI, 1999, p. 93).

No entanto, por ser a favor de tais intervenções inovativas do Judiciário, Cappelletti (1999) contraargumenta a citada limitação, dizendo que, mesmo que o Judiciário não seja diretamente representativo do povo, tampouco o é os poderes Executivo e Legislativo, uma vez que estes somente representam parcelas da população, concentrados em grupos de interesses locais. Além disso, afirma que o Judiciário pode ser sim considerado representativo, na medida em que as decisões tomadas pelos juízes são públicas, e, portanto, submetidas ao controle social, bem como os juízes que presidem os órgãos deliberativos são renovados com o passar do tempo, onde pode-se alterar o viés filosófico das Cortes. Por fim, Cappelletti (1999) ainda aduz que é no Judiciário que as pessoas têm maior envolvimento direto, uma vez que este órgão somente atua quando provocado pelas partes, e é o único onde as pessoas (ainda que somente as envolvidas) participam diretamente na formação do convencimento do juiz.

52 Denota-se, portanto, que Cappelletti (1999) legitimou a criatividade judiciária através da própria função do Judiciário, em aplicar as leis aos casos concretos, mesmo que de maneira inovadora, mas não fugindo do conjunto normativo e principiológico existente. O que Cappelletti (1999) não levou em conta, é que, com o passar do tempo, as decisões judiciais criativas passaram a receber influências externas, conforme se pode depreenderá no tópico a seguir.

Nesse mesmo sentido, retoma-se o estudo de Lênio Luiz Streck, em sua obra Verdade e Consenso (2014), onde verifica-se que o positivismo é visto como uma teoria mais rígida, com relação à aplicação da norma aos casos concretos, e não leva em conta a legitimação das decisões tomadas, ficando a sociedade à mercê do entendimento privatista dos poderes. Nesse sentido, surgiu o constitucionalismo, em contraposição à ideia anterior, com a intenção de auxiliar o Poder Legislativo na produção normativa, uma vez que este não consegue antever todas as situações que necessitam de legislação, atuando também como limitador da discricionariedade dos juízes, em suas decisões, a partir dos princípios e direitos fundamentais elencados e protegidos na Carta Maior. Para Streck (2014), o fenômeno do constitucionalismo, que deveria vir neste sentido de condicionar toda a normatividade aos direitos fundamentais que preleciona, seria essencial para a construir as condições do Estado Democrático de Direito, no que se refere à produção e aplicação da lei.

Contudo, o que de fato acabou ocorrendo, principalmente nos países de Democracia jovem, como no caso brasileiro, foi o aumento do protagonismo das decisões judiciais, apenas rompendo com o pensamento positivista primitivo, que era extremamente rígido com a produção e aplicação da normatividade estatal. Depreende-se que esse protagonismo se deve pelo fato de a Constituição, além de possuir conteúdo normativo relativamente estático, ser, principalmente, uma convenção política, que ao mesmo tempo em que deriva da Democracia e da vontade geral, através da jurisdição, é a mesma limitada por esta, possuindo, portanto, um sentido ambíguo em sua própria existência.

Nesse sentido, Streck (2014) ressalta a importância de se entender o fenômeno do controle de constitucionalidade, dentro de cada realidade Democrática, para entender de que forma ocorre o deslocamento de funções entre os poderes Estatais. No caso brasileiro, por exemplo, relembra Streck (2014) que, quando da constituinte de 1986-88, permaneceu-se com

53 o sistema norte-americano do judicial review4, onde delegou-se a função de controle de

constitucionalidade ao Judiciário, de maneira difusa. De acordo com Streck (2014):

No Brasil, há um elenco considerável de juristas que [...] defendem uma atuação mais efetiva da justiça constitucional, questão que assume maior visibilidade em face da notória inefetividade da Constituição e da omissão dos poderes legislativo e executivo na execução de políticas públicas, circunstância que demanda a utilização dos mecanismos (ações constitucionais, controle de constitucionalidade etc.) aptos à realização dos direitos substantivos previstos na Constituição (STRECK, 2014, p. 91).

Ensina-nos também, Streck (2014), que duas são as principais teorias que procuram entender como funciona o controle de constitucionalidade perante as sociedades modernas, quais sejam o procedimentalismo, da qual um dos maiores expoentes é Jürgen Habermas, e o substancialismo, da qual Streck (2014) é adepto. Streck (2014) ainda tece várias críticas ao procedimentalismo, aduzindo que este considera a Constituição apenas como um caderno legislativo procedimental, e que qualquer produção material de lei é de incumbência do Legislativo, sendo que o controle de constitucionalidade não poderia ser efetuado pelo Judiciário, sob risco de se estar suprimindo o poder de outro ente estatal. Já o substancialismo entende que a Constituição deve sim ter aspectos legais materiais, e que é necessário à democracia que o controle de constitucionalidade seja efetuado por órgão diferente do Legislativo, como um Tribunal Constitucional, de ares políticos e jurídicos, e que a jurisdição constitucional, até certo ponto, é saudável ao Estado Democrático, uma vez que permite a ampla proteção aos direitos fundamentais, que por muitas vezes é ignorado pelo Legislativo.

Dessa forma, denota-se que Streck (2014) defende certa intervenção judicial, na medida em que as decisões visem à proteção dos direitos fundamentais, quando da omissão do Poder Legislativo, contrapondo-se ao entendimento de Habermas, de que até mesmo o controle de constitucionalidade fere os conceitos primordiais de Democracia. De acordo com Streck (2014), “O que ocorre é que, em países de modernidade tardia como o Brasil, na inércia/omissão dos poderes Legislativo e Executivo [...], não se pode abrir mão da intervenção da justiça constitucional na busca da concretização dos direitos fundamentais de várias dimensões” (STRECK, 2014, pp. 198-199).

4Nas palavras de Édlon Nunes, o sistema de judicial review “se traduz na possibilidade do Poder Judiciário rever os atos dos demais poderes e até invalidar as leis. Esse modelo teve origem nos EUA, onde a importância atribuída às decisões judiciais, justamente por força do judicial review, exigiram para a funcionalidade do sistema, a adoção do efeito vinculante aos precedentes judiciais” (NUNES, Édlon. Afinal, de quem é a última palavra? Uma análise

sobre o “judicial review”. Publicação em 2017. Disponível em

<https://edlonnunes.jusbrasil.com.br/artigos/519674087/afinal-de-quem-e-a-ultima-palavra-uma-analise-sobre-o- judicial-review> Acesso em 26 mai. 19).

54 Contudo, Streck (2014) esclarece que, tanto na teoria procedimentalista, quando na substancialista, não se compactua com arbitrariedades que possam surgir da prática do decisionismo. Para Streck (2014), é fundamental que a jurisdição constitucional, para que seja saudável, esteja devidamente de acordo com os preceitos delineados na Constituição, não podendo, em hipótese alguma, acarretar em supressão de direitos aos cidadãos, ou interpretações dissonantes que configurem a insegurança no sistema judiciário.

Nesta senda, para se entender como a discricionariedade judicial atua no Brasil, Streck (2014) explica que o constitucionalismo brasileiro é de difícil compreensão, e de tamanha abrangência hermenêutica, porque o país adotou indiscriminadamente várias teorias de inúmeros países, com realidades sociais diferentes, não levando em conta tais diferenças, o que acabou originando tal desorganização. Segundo Streck (2014), três teorias adotadas pela jurisdição brasileira, principalmente, se destacam, quais sejam a teoria da Jurisprudência de Valores, a teoria da argumentação de Alexy, e o ativismo judicial norte-americano.

Com relação à Jurisprudência de Valores e a teoria da argumentação de Alexy, estas de certa forma se contradizem em suas fundamentações básicas, uma vez que a primeira pressupõe a existência de inúmeros princípios compilados numa Constituição, e que é tarefa do jurisdicionado se basear nesses valores fixados para tomar as decisões, enquanto a segunda admite a regra da ponderação de princípios, no qual o juiz deve escolher qual princípio norteará o caso concreto.

No que se refere ao ativismo judicial, por sua vez, Streck (2014) explica que o conceito foi adotado pelo Brasil de modo equivocado, uma vez que nem mesmo nas Cortes norte- americanas, onde o ativismo surgiu, há um consenso sobre a positividade ou não de tal prática. No âmbito brasileiro, de acordo com Streck (2014), o ativismo foi adotado de maneira tão abrangente, que essa teoria acabou se tornando um princípio de Direito, imposto pelo próprio Judiciário sobre suas decisões.

Streck (2014) ainda delineia que o equívoco na adoção dessa teoria, no território nacional, se dá pela confusão (proposital ou não) que os juristas fazem com os conceitos de ativismo e mutação constitucional. Enquanto a mutação constitucional se caracteriza pela inovação na interpretação normativa, sem, contudo, se afastar do texto escrito da norma, no ativismo “[...] temos uma decisão que vai além do próprio texto da Constituição, acarretando o que Hesse chama de rompimento constitucional, quando o texto permanece igual, mas a prática é alterada pelas práticas das maiorias” (STRECK, 2014, p. 63).

55 Dessa forma, o ativismo judicial é encarado por Streck (2014), como uma problemática, dentro de um Estado Democrático de Direito, principalmente quando ocorre no âmbito da Corte Constitucional, que institui tal prática na interpretação da Carta Maior do Estado, uma vez que os juristas Constitucionais performatizam verdadeiras inovações textuais na Constituição, com a desculpa de se estar agindo por uma mutação constitucional, pretendendo, contudo, modificar o texto escrito da norma, sem ter a legitimidade Constitucional e política para isso, a qual sabidamente pertence ao Poder Legislativo, através dos procedimentos legalmente bem definidos. Ressalta Streck (2014), ainda, que a prática do ativismo judicial está tão subvertida, que até mesmo regras de interpretação normativa se tornam princípios nas mãos desses atores, como é o caso da ponderação, da proporcionalidade e da razoabilidade que, para justificar o ativismo, se tornaram verdadeiros dogmas legais, inquestionáveis, de evocação ensimesmada, aplicados à rodo na tentativa de legitimar tal atuação jurisprudencial.

Mesmo com tamanha crítica às decisões discricionárias do Judiciário, Streck (2014) não possui total aversão à intervenção judicial, conforme já se pôde observar. Para Streck (2014), “[...] além da faceta ‘negativa’ de proteção contra atos e abusos dos poderes estatais, é obrigação da jurisdição constitucional efetuar uma efetiva proteção positiva, estando os juízes e tribunais obrigados, por meio da aplicação, interpretação e integração, a outorgar às normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível no âmbito do sistema jurídico” (STRECK, 2014, p. 215).

No entanto, Streck (2014) deixa claro que sua defesa à jurisdição constitucional não se confunde com as críticas ao decisionismo judicial, imbuído de subjetivismo, no qual ocorrem arbitrariedades por parte dos juízes e tribunais, e o qual verifica-se antidemocrático. Streck (2014) explica que jurisdição constitucional não se confunde com discricionariedade judicial, sendo esta o “[...] próprio paradigma positivista que o constitucionalismo do Estado Democrático de Direito procura superar, exatamente pela diferença ‘genética’ entre regras e princípios” (STRECK, 2014, p. 228).

Dessa forma, Streck (2014) afirma que o fenômeno que ocorreu com o constitucionalismo atual foi uma regressão à importância que se dá ao subjetivismo judicial nas decisões, que era predominante na fase positivista, onde o juiz possuía discricionariedade de buscar a fonte do direito das partes fora do conjunto normativo, quando este não conseguia se subsumir à facticidade. Além disso, segundo Streck (2014), o constitucionalismo existente hoje em dia, principalmente no âmbito brasileiro, falhou em sua fundamentação básica, que era a de propor que os princípios garantidos na Carta Magna fossem genéricos a ponto de permitir que

56 a jurisdição interpretasse as leis e os casos concretos a partir de seus nortes, já que deixou-se levar pela institucionalização da moralidade e da própria facticidade à aplicação normativa nas