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Interseccionalidade como potência para a construção de novos caminhos educacionais

O TDAH NA PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

1. Interseccionalidade e formação docente na Educação Infantil:

1.1 Interseccionalidade como potência para a construção de novos caminhos educacionais

Ao considerarmos que a intersecção é um lugar de encontros, mais precisamente um lugar onde se pertence a mais de um conjunto (conceito emprestado da matemática), podemos imaginar a inter-seccionalidade como um pertencer a mais de um recorte, ocupando diferentes conjuntos ao mesmo tempo. Podemos assim subentender que ocupamos um tempo-espaço, concomitantemente, tal qual em uma encruzilhada. A interseccionalidade se dedica a estudar quando esse tempo-espaço-identidade se cruza de maneira a acumular posições de não-poder, onde os sistemas de opressão se sobrepõem, atingindo o indivíduo em frentes diversas.

Lélia Gonzalez (RIOS; LIMA, 2020) anuncia a intersecciona-lidade como encruzilhada na década de 80 e também alerta para o uso das mídias de massa sobre os corpos negros e nos situou em uma cami-nhada constitutiva de mudanças, de novos caminhos, o que à época refletia a esperança nos constituintes e em uma lei que assegurasse o ensino de nossa história nas escolas, e hoje reflete a luta pela aplicação dessa constituição e dessa lei (10.639), a qual, atualmente, abre uma nova encruzilhada, por meio da qual evocamos a força ancestral de Lélia como uma potência para caminhos que nos conduzam a uma educação que nos capacite para construir um futuro, tendo nosso passado como base estrutural, reconhecendo todas as contribuições de nossos ances-trais para os avanços da humanidade, apesar do apagamento promovido pelas forças coloniais.

Nesse sentido, vivendo a cosmopercepção de tempo-espaço--identidade da lógica exúlica, com a subversividade, que só poderia vir de Exu, tomamos esse conceito para inverter sua polaridade, de modo a ressignificar a intersecção como uma encruzilhada de potências para (re)pensar uma educação que vai de encontro à colonialidade do poder, de maneira combativa e transgressora.

“A percepção de que as mulheres precisam conquistar um poder antes de resistirem efetivamente ao sexismo, está enraizada na falsa suposição de que as mulheres não possuem nenhum poder” (HOOKS, 2019, p. 140). Essa ideia explica o motivo de aqui abordarmos os conceitos teórico-metodológicos como poderes contra-coloniais e, portanto, instrumentos da luta antipatriarcal e antirracista. Vale dizer que o poder aqui referido não se trata de um poder sobre-humano, comumente atribuído às mulheres negras, atrelado ao papel de guer-reira e, consequentemente, menos vítima de uma sociedade opressora pelos seus mecanismos de resistência, mas sim um poder contra-colo-nial, associado à transgressão desse pensamento simplista que reflete uma “desconsideração de raça e classe que, juntamente ao sexismo, determinam a forma e a intensidade com que os indivíduos serão dis-criminados, explorados e oprimidos” (HOOKS, 2019, p. 48), mas sim poderes e capacidades humanas como adaptação, reorganização, ressig-nificação, respeito, entre outras que nutrem a comunidade.

Hooks (2019) nos auxilia a problematizar alerta sobre como as opressões de grupos são enraizadas no núcleo familiar desde os pri-meiros anos de nossas vidas, tanto pelos estigmas patriarcais, quanto pelo autoritarismo dos adultos, levando-nos assim a discutir a intersec-ção entre gênero, raça e idade. Apesar da idade muitas vezes não estar presente nas discussões interseccionais, em especial quando falamos de Educação Infantil, vale lembrar que o propósito criador do RPG Girassóis é a formação docente para a Educação Básica, considerando a “educação pública para crianças precisa ser um local onde ativistas feministas continuem fazendo o trabalho de criar currículos sem pre-conceitos” (HOOKS, 2018, p. 46). A autora ressalta que as culturas de dominação resultam em crianças desprovidas de direitos e afetos, o que, segundo ela, não pode coexistir com a dominação.

Assim, entendemos a importância da discussão do adultocen-trismo atrelado a outras formas de violências, como racismo e sexismo,

para problematizar o não lugar das crianças no mundo e na educação apontam a prática adultocêntrica como estigma colonial interligado ao androcentrismo, que desconsidera as crianças, seus saberes e leituras de mundo, bem como suas diversidades. Tais apontamentos escancaram que “é cruel a iniciação que consiste em extirpar da criança, o mais cedo possível, sua capacidade específica de expressão, e em adaptá-la também aos valores, significações e comportamentos dominantes” (FINCO;

OLIVEIRA, 2020, s/p).

Partindo desses pressupostos, ao considerar alternativas de cons-trução de um protagonismo infantil na perspectiva pós-colonialista, por meio da escuta e percepção ativa, se deparam com as crianças como

“sujeitos que questionam os valores do mundo adulto, e que constroem relações a partir de seus próprios interesses, desejos, valores e regras”

(FARIA; FINCO, 2020, s/p), de modo que, afastar-se da visão adulta sobre as crianças é trabalhar com elas e não para elas; é considerar as crianças como seres de direitos e completos no presente e não como páginas em branco que um dia se tornarão alguém. Desvincular dessa perspectiva tradicional e adultocêntrica é um dos caminhos trilha-dos pelo Girassóis, pois garantir a formação inicial ou continuada de professores e professoras de Educação Infantil, a nosso ver, é instigar profissionais que se relacionem com as crianças por uma óptica de cum-plicidade, assim como estabelece a lógica exúlica:

As epistemologias das crianças implicam as interrogações, os mo-vimentos, o atrevimento em olhar, perguntar e transformar a rea-lidade. Não é a criança quem tem que entrar na lógica do adulto, mas, na lógica exúlica¹, são os adultos que devem entrar na lógica da criança, pelo óbvio a criança não fora adulto, mas nós os adultos já fomos crianças, então qual a lógica que deve permear as relações verdadeiras? Do contrário, as relações permanecem forjadas, perni-ciosas e adultocentradas à medida em que forçamos a criança ser o que não é; paralelo a isso, o adulto finge que nunca foi (criança) (SOUZA, 2016, p. 162-163).

Dando vazão à lógica de Exu, em uma encruzilhada epistêmica, a intersecção idade-raça-gênero, perpassa também pela noção do “pensar sobre a natureza interconectada dos vários sistemas de opressão e sobre as formas potenciais que tal interseccionalidade pode promover a resis-tência” (COLLINS, 2017, s/p).

Quando pensamos as infâncias no Brasil, podemos perceber como a intersecção idade-raça-gênero é atravessada - para não dizer dilacerada - por necropolíticas (MBEMBE, 2020) que continuam a fazer o diferente desaparecer. Crianças negras têm sido constantemente assassinadas, inclusive pelas forças do Estado, sem que o mesmo se reveja, ou legisle em favor da proteção da vida. Trazer conosco mulheres negras que conseguiram chegar à academia e, em movimento sankofa, levar a academia até as margens onde a maior parte dessa população se encontra é promover a justiça cognitiva e social por meio da justiça curricular.

Nesse sentido, refletir sobre os mecanismos que nutrem os sis-temas de opressão, faz-se necessário. Assim, compreender como a violência, a opressão, o abuso e a perseguição estão amparados na colo-nialidade do poder e na colocolo-nialidade de gênero, ou seja, na estrutura patriarcal, cisheteronormativa, branca, capitalista, sexista, ancoram os princípios, objetivos e fundamentos da proposta do RPG Girassóis.

Compreendemos a colonialidade do poder como uma forma que a população branca tem de seguir com a manutenção da exploração, do conflito e da dominação sobre o trabalho, o sexo, a autoridade coletiva e a subjetividade e intersubjetividade da população negra e não branca, cujas relações são postas no interior da globalização, do capitalismo, da modernidade e do eurocentrismo (QUIJANO, 2005). É dentro desse padrão de poder que raça e gênero ganham significados e é para e com essa intersecção que olhamos atentamente.

Ao extrapolar os limites do estudo de Quijano (2005), ou seja, distanciando do significado hegemônico de gênero, é possível levar