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Intervenção arqueológica na Igreja de São Mamede de Vila Verde (Felgueiras)

Cumprindo as recomendações internacionais relati- vas às práticas de intervenção em monumentos com valor arquitetónico, a Igreja de São Mamede de Vila Verde, Felgueiras, foi objeto de um estudo arqueológico completo da sua arquitetura, no âmbito de um projeto de restauro implementado pela extinta Direção Regio- nal de Edifícios e Monumentos do Norte.

Os trabalhos arqueológicos, realizados em 2004 e 2005 por uma equipa da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho2, decorreram em duas fases. Na

primeira fase realizou-se o levantamento e análise es- tratigráfica dos alçados para compreender a evolução construtiva do edifício e, na segunda fase, executaram- -se sondagens no interior da capela-mor, no sentido de obter dados que ajudassem a avaliar o impacte arque- ológico da obra e, assim, informar o respetivo projeto.

A leitura estratigráfica dos alçados foi precedida do levantamento fotográfico sistemático e detalhado da construção, com base no qual se fizeram os desenhos de todos os alçados à escala 1:1, em restituição por foto- grametria de convergência.

Sobre desenhos à escala 1:50 e com base na observa- ção direta e detalhada dos alçados, facilitada pelo facto de parte significativa das paredes se apresentarem sem revestimentos, procedeu-se então à identificação dos di- ferentes contextos construtivos (unidades mínimas com características construtivas uniformes e limites definidos).

A escavação arqueológica incidiu no interior da capela-mor, parte da qual apresentava a rocha base à superfície e a restante parte já com indícios de revolvi- mento para saque de lajes do pavimento, abrangendo ainda o arco triunfal e o ombro setentrional da nave. Escavou-se apenas o lado norte da capela-mor e do 2 luís Fontes, André Machado, Miguel Carneiro e Sofia Catalão.

arco-triunfal, de modo a obter a leitura estratigráfica no perfil central.

Os sedimentos arqueológicos foram decapados res- peitando a sua deposição original, procedendo-se ao registo sistemático da estratigrafia (sedimentar e cons- trutiva) em fichas descritivas, em desenho à escala 1:10 e 1:20 e em fotografia.

Procedeu-se depois à integração dos resultados ob- tidos na leitura estratigráfica dos alçados e nas escava- ções, através da elaboração de diagramas de sequência estratigráfica tipo Harris, com base nos quais se formu- lou, finalmente, uma proposta de interpretação da evo- lução arquitetónica do edifício, identificando-se as suas principais fases construtivas, caracterizadas tendo em atenção os materiais e técnicas utilizadas, a forma e/ ou planta geral, os elementos arquitetónico-decorativos e sua filiação estilística e proposta de cronologia com base na posição relativa na sequência estratigráfica.

Em síntese, distinguiram-se as 5 fases construtivas: FASE I Edifício original, orientado este-oeste, corres- pondente a uma igreja de nave retangular e capela-mor quadrada, esta mais pequena e mais baixa, mas implan- tada a uma cota mais elevada que aquela, vencendo-se o desnível através de três degraus no vão do arco triunfal.

A forma geral da planta e a sua volumetria, a par dos elementos arquitetónicos e decorativos particulares, como são as cachorradas, as frestas e as portas com arco semicircular, bem como o contexto histórico associ- ável, permitem-nos classificar o edifício correspondente a esta Fase I como um projeto românico de expressão ru- ral, de finais do século XIII, em que se cruzam influências simultaneamente conservadoras e progressistas.

FASE II Corresponde a uma primeira e importante remodelação da edificação original, expressa por um conjunto de ações construtivas e decorativas mate- rializadas quase exclusivamente no interior do templo,

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desde o encerramento de vãos de portas e janelas e abertura de outros novos, até à construção de novos elementos como o coro e o púlpito e à decoração com pinturas murais.

Embora todas estas alterações arquitetónicas pos- sam ter ocorrido de modo faseado, a sua contempo- raneidade construtiva é estabelecida pelo reboco que reveste as paredes, em parte com pintura mural, o qual sobrepõe as frestas originais e envolve as molduras das janelas, do arco triunfal e do altar colateral. De acordo com o detalhado estudo das pinturas murais feito por Joaquim Inácio Caetano (2011), esta Fase II datará da 1.ª metade do século XVI.

FASE III Esta terceira fase é estabelecida pela identifi- cação de sobreposição de pinturas murais na capela-mor, testemunhando a renovação da decoração do retábulo pintado do altar-mor.

Tratam-se de testemunhos materiais que remetem para a efetiva utilização cultual do templo, configuran- do-se, não tanto como fase de obra, mas como fase de ocupação, que podemos balizar entre meados do sécu- lo XVI e meados do século XIX.

FASE IV Corresponde à construção da sacristia, adossada contra a fachada meridional da capela-mor. Com base apenas na relação estratigráfica, propomos para esta fase uma cronologia em torno do século XVIII e inícios do século XIX.

FASE V Corresponde à desativação da Igreja, seu abandono e consequente ruína, processo cujo início po- demos situar em torno de meados do século XIX, num período balizado entre a extinção do Mosteiro de Pom- beiro, em 1833-34, e a construção da nova igreja paro- quial de Vila Verde, inaugurada em 1866.

A Igreja de São Mamede de Vila Verde constitui um bom exemplo de património arquitetónico que deve ser conservado e valorizado numa perspetiva de monu- mento interpretado, isto é, de proporcionar ao visitante a compreensão das alterações decorridas ao longo do tempo, através da leitura das diversas arquiteturas que se sedimentaram no edifício.

De facto, tal como a análise estratigráfica de alçados e as escavações arqueológicas evidenciaram, a antiga Igreja de São Mamede de Vila Verde não é, apesar da sua aparente uniformidade, um edifício arquitetonica- mente unitário, correspondente à execução de um só projeto construtivo. Pelo contrário, revela diversas e sig- nificativas alterações, que testemunham uma sucessiva adaptação do templo às diversas mudanças que afeta- ram a organização dos espaços de culto cristão durante toda a época moderna.

Na sua recuperação procurou assegurar-se, portan- to, a conservação das diversas expressões arquitetóni- cas que foi conhecendo ao longo da sua existência.

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Bibliografia

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MAlhEIRO, Miguel, coord. – Estudo de valorização e salvaguarda das envolventes aos monumentos da Rota do Ro-

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O Paradigma

da Revitalização

Patrimonial1

1 Adaptação do artigo “Rotas do património em Portugal: uma revolução necessária” publicado em SIMÕES, José Manuel; FERREIRA, Carlos Cardoso, ed. - Turismo de nicho: motivações, produtos, territórios. lisboa: Centro de Estudos Geográficos - Universidade de lisboa, 2009, p. 95-107.

CATARINA VALENÇA GONÇALVES Spira – Revitalização Patrimonial, Lda.