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O Porquê do Estudo das Representações Sociais da Formação Inicial de Professores

Ao escolhermos a problemática na formação inicial de professores do 1º ciclo, procuramos perceber como é que esta é vista pelos professores que, no terreno, participam na mesma, os cooperantes.

O que esperam da formação inicial passa necessariamente pelo modo como cada elemento a percepciona e, consequentemente, como a vive, numa dicotomia de pressões individuais, institucionais e sociais, quer como pessoa, quer como profissional inserido num grupo de trabalho, cujas decisões e dinâmicas têm um efeito decisivo sobre a formação dos futuros professores. O pertencer a uma sociedade e, dentro desta, a um determinado grupo, pressupõe que cada elemento deste grupo recorra a uma multiplicidade de imagens do outro e de si, que se cruzam nas interacções entre cada um e os outros, para representar o mundo que o rodeia. As imagens que cada indivíduo tem de si e a imagem que os outros têm sobre o indivíduo, que constantemente se cruzam, resultam das representações que cada um vai construindo ao longo da vida. Assim, a imagem que o cooperante constrói de si próprio e a imagem que os outros, neste caso os formandos e docentes da instituição de formação inicial, constroem e que reenviam ao cooperante são de primordial importância para ele e para o grupo em que se insere ou com o qual se identifica. Além das representações individuais ou mentais, cada cooperante partilha com os outros membros da organização imagens de algo, neste caso da formação inicial, podendo-se entender as representações como guias na forma de interpretar a formação inicial e de estatuir sobre ela.

Grande parte dos comportamentos correspondem às representações sociais, ou seja, grande parte dos comportamentos são configurados pelas representações sociais, que funcionam enquanto orientadoras dos comportamentos. E se a representação social é

preparação para a acção (Benavente, 1999), também a representação social que cooperantes têm da formação inicial influenciará o seu desempenho enquanto formadores.

Neste contexto, interessa-nos analisar as representações sociais que os professores cooperantes têm da formação inicial, partindo do pressuposto de que estas representações estão ligadas à sua acção de cooperante e às relações pessoais e institucionais com a instituição de formação. Neste sentido, é fundamental tentar identificar quais as representações que estão na base das concepções dos cooperantes sobre a formação inicial e, por outro, quais as concepções dos modelos de formação e supervisão que estão subjacentes ao currículo da formação inicial de professores.

São as representações sociais que podem reflectir determinada visão de uma realidade, que expressa a forma como os futuros professores são formados e “construídos” como sujeitos sociais e objecto de formação, durante a sua formação e, mais especificamente, durante a prática pedagógica. O cooperante é um elemento participante e activo no sucesso ou insucesso da formação inicial e a prática pedagógica é um elemento fortemente associado a esses mesmos processos. Também é influenciada pelo modo como os professores cooperantes e instituição de formação interagem entre si, com os formandos e com as problemáticas que os envolvem.

As diferenças nas representações da formação inicial produzem variações de posição face à mesma, traduzidas na qualidade das interacções individuais, grupais e institucionais. O acto de representar a formação inicial, para além de pressupor uma forte influência de factores institucionais e sociais, pressupõe também a autonomia dos intervenientes (cooperante) neste acto, resultante das expectativas, motivações e interpretações das orientações na estruturação das actividades que enquadram a prática pedagógica. Como parceiro social, na formação inicial de professores, o cooperante precisa de se ajustar ao que a sociedade exige desta formação, sobretudo na tentativa de adequar as suas práticas à realidade. Em função dessa realidade são criadas representações e isso é um acto fundamental, uma vez que o cooperante partilha um contexto social, a formação inicial, pleno de acontecimentos e pessoas, um espaço

marcado tanto pela convergência como pelo conflito. Assim, as suas decisões são tomadas em conformidade com as representações que vão construindo ao longo da sua experiência enquanto formadores.

Contrapondo-se, muitas vezes, ao conhecimento científico, o conhecimento dos cooperantes, menos elaborado e construído na prática, designado por “senso comum”, é um conhecimento normalmente marginalizado, mas é o conhecimento utilizado para orientação no seu quotidiano. Este situa-se na fronteira entre o social e o individual, sendo ao mesmo tempo partilhado e elaborado socialmente e está sempre presente nas formas de pensar e agir. Estas formas de pensar e agir não são neutras, pois enraízam-se num complexo movimento social através do qual o sentido do objecto se forma nos indivíduos, orientando-os na comunicação, condutas e atitudes. Nesta perspectiva, uma actividade profissional, se tem as marcas de um conhecimento próprio, tem também marcas de valores, de normas, de crenças, de opiniões, de imagens e de modelos individuais dos seus objectos, agentes e destinatários, que configuram uma determinada dinâmica própria daquele conhecimento.

O estudo deste tipo de conhecimento pode ser feito através do conceito de representação social, definido como uma forma de conhecimento social cujos conteúdos explicitam processos de funcionamento e elaboração do mesmo. Como este estudo se refere à construção prática do conhecimento dos cooperantes sobre a formação inicial, a utilização do conceito de representação social justifica-se, uma vez que esta é uma forma de conhecimento prático, do senso comum, elaborado socialmente e que ajuda na construção da realidade de um determinado grupo.

Para além da consciência de cada um, as representações constroem-se e, muitas vezes, reconstroem-se nos grupos em que cada indivíduo se integra ou com que se identifica. É um conjunto de valores, crenças, atitudes, práticas de comunicação e cultura em comum, num grupo ou sociedade, que permite a compreensão de si próprio e dos outros. Assim, intrinsecamente ligadas às experiências resultantes das interacções no grupo ou na sociedade estão as representações sociais.

Falarmos da representação social da formação inicial pois surge como mais complexa do que a representação individual, porque não se trata apenas do cooperante saber como agir no seu papel e da necessidade de se ajustar a esse mundo da formação com a identificação e resolução dos problemas que vão surgindo. O cooperante terá de fazer todas estas coisas de uma forma mais complexa, isto é, em interacção com os outros intervenientes no processo que com ele enfrentam os mesmos problemas e desafios e que, em conjunto, procuram encontrar respostas que possa ser partilhadas e comuns a todos. O que está em causa é de que forma as representações individuais sobre a formação inicial de professores poderão ser consensuais ou entrar em conflito com os restantes elementos do grupo. As representações sociais que contribuem para a atribuição de significados partilhados por grupos implicam que o indivíduo construa significados não só para si, mas também que lhe permitam compreender os outros elementos do grupo e as próprias situações em que se encontra. Mas, para além de contribuirem para a construção de significado, as representações sociais funcionam como mediadoras de uma pluralidade de representações individuais do real, evitando as divergências e contribuindo para que os indivíduos do grupo construam referenciais partilhados que lhes permitam gerir e mediar as interacções. Isto significa que as representações sociais não são meros conjuntos de representações individuais de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos, mas sim um constructo partilhado por um conjunto de indivíduos em interacção social, com a finalidade de atingir determinados objectivos comuns e que partilham as mesmas crenças e valores.

A teoria das representações sociais apresenta-se como referencial teórico rico para a compreensão da assimilação simbólica da formação inicial, como um elemento determinante das práticas dos indivíduos nela implicados, pois “o conceito de representação social tem características polissémicas e apresenta configurações complexas na sua estrutura que remetem para elementos de ordem cognitiva, afectiva e normativa, influenciados, na sua génese, por factores contextuais de natureza social e institucional e factores de natureza individual, resultando de dados da experiência subjectiva do sujeito” (Santiago, 1996:11).

A aplicação desta teoria ao campo da educação possibilita a análise do objecto de pesquisa no próprio dinamismo que o gera, além da apreensão do sentido desse objecto articulado com outros “l’intérét essencial de la notion de représentation sociale pour la compréhension des faits d’education est qu’elle oriente l’attention sur le role d’ensembles organisés de significations sociales dans le processus éducatif” (Gilly, 1989:383).

Estamos conscientes de que, ao direccionarmos o nosso estudo para as representações sociais dos cooperantes sobre a formação inicial de professores, não se altera o facto de a concepção de formação inicial envolver uma complexidade de factores e actores que não se restringem ao professor cooperante e ao seu papel.

1.1 - As representações sociais da formação inicial como objecto de investigação

São escassos os estudos sobre as representações sociais da formação inicial nos professores cooperantes. No entanto, a análise das representações da formação constitui um suporte relevante para uma melhor compreensão das características assumidas pelos cooperantes nas interacções com os alunos formandos, supervisores e com a própria instituição. De facto, os cooperantes compreendem e interpretam a formação inicial de forma diferente, o que se traduz em formas diferentes de acção que se reflectem na qualidade das interacções formativas e, por conseguinte, nos resultados da formação. As práticas da instituição de formação induzem, nos cooperantes, a construção de esquemas de descodificação e de interpretação desta instituição, influenciando as suas decisões sobre a tomada de intervenção nas práticas pedagógicas.

Situadas na fronteira do psicológico e do social, são um saber funcional que permite aos sujeitos ou grupos dar sentido às suas condutas e compreender a realidade, apresentando-se assim como instrumento de análise das diferentes formas de conhecimento e interpretação da realidade quotidiana da formação de professores, nos cooperantes, durante a prática pedagógica.

As características da prática pedagógica na formação inicial, em que os cooperantes estão envolvidos, propiciam que estes, enquanto seres sociais, tenham representações dessa mesma prática, assim como da formação inicial. Abric (1987 citado por Moliner, 1994:2) alerta que é necessário assegurar a presença efectiva da representação no dispositivo experimental para que se possa atribuir os efeitos observados à acção dessa representação.

Moscovici (1976:35) identificou três factores a partir dos quais se pensariam e constituiriam as representações sociais: a abundância ou a insuficiência de informação; a posição do grupo social face ao objecto; a predisposição dos indivíduos para desenvolver comportamentos e discursos sobre objectos que conhecem mal. Moliner (1996) reconhece que os requisitos de emergência das representações sociais enunciados por Moscovici são necessários mas não suficientes. Assim quanto à emergência das representações sociais Moliner (1996:31,36) sugere cinco condições para que um objecto possa ser uma representação. A existência de: a) um objecto que deve ser polifórmico uma vez que pode aparecer sob diferentes formas na sociedade e que permite interjogos entre os vários grupos sociais envolvidos; b) um grupo, dado que as condições de emergência de representações sociais implicam trocas entre pessoas que partilham preocupações e práticas sobre um objecto social. Podem distinguir-se dois tipos de configuração das representações sociais conforme a relação que o grupo estabelece com o objecto: estrutural - referente a grupos em íntima ligação com o objecto; e conjuntural - que pressupõe grupos pré-existentes que se confrontam com um novo objecto problemático; c) a existência de interjogos de dois tipos: a identidade e a coesão social. A identidade traduz-se quando um indivíduo define a sua identidade em função das representações criadas colectivamente e reforça, ao mesmo tempo, a existência do grupo como entidade social. Nas configurações estruturais o objecto localiza-se no centro do grupo e contribui para a identidade dos seus membros. A coesão social traduz-se quando um grupo já constituído está frente a um novo objecto, estranho e problemático, e tende a manter a sua própria coesão na construção da representação social; d) dinâmica social resultante das interacções de vários grupos, cada um com a sua identidade social; e) ortodoxia de um grupo -

este é dotado de instâncias de controlo e regulação da actividade dos seus membros com um código deontológico muito específico. Num sistema ortodoxo este controlo impede a construção de uma representação social. Assim, a emergência de uma representação só é possível na ausência de um sistema ortodoxo.

Resumindo, as condições favoráveis à emergência de representações sociais implicam uma configuração estrutural e conjuntural do objecto; a existência de um grupo inserido num sistema não ortodoxo; um objecto polifórmico, cuja matriz constitui um interjogo em termos de identidade ou de coesão social; e interacção com outros actores sociais numa dinâmica social. Todas estas condições se podem verificar no nosso objecto, a formação inicial, sendo de extrema importância o modo como os cooperantes se posicionam no seu papel de co- formadores consoante as suas representações.

A prática pedagógica, na formação inicial, ao agrupar vários grupos sociais, alunos, formandos, cooperantes e supervisores, permite interjogos entre diferentes e múltiplas visões da mesma, logo inerentemente carregada de uma vasta polissemia, constituindo assim um objecto polifórmico. A existência do grupo, outro dos factores que determina a emergência de representações sociais, também se verifica. Os cooperantes estão submetidos a processos de comunicação e partilha colectivos sobre a prática, resultando estes processos da comunicação directa e indirecta com o objecto de representação.

A configuração deste grupo é estrutural uma vez que a sua existência está intimamente ligada, pelas funções que exerce, ao objecto de representação (prática pedagógica na formação inicial), e as representações que sobre ela se desenvolvem estão submetidas a processos de partilha e comunicação com outros cooperantes. Estando presentes, na prática pedagógica, vários e diferentes grupos sociais, cada um deles com a sua identidade social, significa que o objecto de representação está inserido numa dinâmica social. Alunos, formandos, cooperantes e supervisores estão em constante interacção relativamente ao objecto de representação, mantendo cada um deles a respectiva identidade. A não existência de legislação relativamente ao perfil e funções do cooperante faz com que haja ausência de ortodoxia. Apesar de estarem

definidas algumas orientações programáticas relativamente ao funcionamento da prática e a algumas funções do cooperante, não existe um sistema de controlo e regulação desta actividade, permitindo assim que cada um se adapte ao instituído segundo a sua visão e orientação. A identificação destes requisitos da emergência de representações sociais de Moliner (1996:36) no nosso objecto de análise, permite que se avance neste estudo sobre as suas representações sociais relativas à formação inicial, de modo a promover nos cooperantes uma evolução representacional conducente a uma prática de supervisão que se traduza numa melhoria da formação de professores investigadores, críticos e reflexivos em colaboração com a instituição de formação inicial, numa relação que é hoje sabidamente hierárquica, permeada de conflitos e relações diferenciadas de poder.

Neste contexto, as representações da formação inicial enquadram-se numa dimensão relacional num espaço circunscrito, as práticas pedagógicas, cujos contornos são afectados por factores gerais e factores específicos que lhe imprimem determinadas características.

As dimensões relacionais assumem diferentes formas neste espaço, ligadas à posição institucional de cada um dos sujeitos, propiciando diferentes representações sociais decorrentes das relações interpessoais, intergrupais e interinstitucionais.

Santiago, ao referir-se às representações sociais de escola enquanto factor que faz variar as interacções entre sujeitos e escola, potencia a nossa análise das relações entre cooperantes e instituições de formação: “enquanto fenómenos, as representações sociais apresentam-se como uma forma também de investimento sociocognitivo e socioafectivo que varia consoante a qualidade das interacções entre os sujeitos e estes e a escola, segundo um determinado grau de proximidade ou afastamento de posições” (Santiago, 1996:72).