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INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE HART ACERCA DA PUNIÇÃO

No documento Razões de punir: a teoria de H. L. A. Hart (páginas 72-74)

4 O CRIME E A PUNIÇÃO NA TEORIA MISTA DE HART

4.1 INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE HART ACERCA DA PUNIÇÃO

A maior parte do trabalho de Hebert Hart se refere à teoria geral do direito, mas ele se dedica também ao estudo da punição. Hart publicou vários artigos sobre Direito Penal num estilo peculiar de escrita, envolvendo fundamentação normativa e moral. Ele consegue harmonizar a filosofia moral e o direito positivo. Tais escritos foram consolidados em 1968 no livro Punishment and Responsability – Essays in the Philosophy of Law. Seus estudos permeiam a discussão filosófica acerca de quais princípios tornam moralmente tolerável punir um infrator. Sua abordagem da função da pena é bastante teórica, o que o tornou alvo de diversos críticos que consideram seu positivismo teoricamente interessante, porém insuficiente para elucidar os desafios apresentados na prática forense.

Hart esclarece que sua intenção é fazer uma descrição moralmente aceitável da punição, e em todo seu trabalho busca destacar, nos institutos do Direito Penal, os componentes da justiça e da moral. Ele traça, ainda, um paralelo entre pontos importantes para o Direito Penal, como o estudo da pena e as teorias utilitarista e retributivista.

Este filósofo do direito é adepto da teoria mista, por considerar que nenhuma teoria isolada é suficiente para justificar a punição; um único princípio não é capaz de elucidar o complexo sistema penal. Simplificar a razão de punir, sob a ótica de apenas uma teoria, retira do multifacetado sistema punitivo a possibilidade de encontrar solução satisfatória, razão pela qual a pena deve possuir mais de um objetivo. Para Hart (1968), qualquer relato moralmente tolerável sobre a instituição da punição criminal deve selar um compromisso entre os princípios radicalmente distintos e parcialmente conflitantes:

General interest in the topic of punishment has never been greater than it is at present and I doubt if the public discussion of it has ever been more confused. The interest and the confusion are both in part due to relatively modern scepticism about two elements which have figured as essential parts of the traditionally opposed "theories" of punishment. On the one hand, the old Benthamite confidence in fear of the penalties threatened by the law as a powerful deterrent has waned with the growing realisation that the part played by calculation of any sort in anti-social behaviour has been exaggerated. On the other hand, a cloud of doubt has settled over the keystone of "Retributive" theory. Its advocates can no longer speak with the old confidence that statements of the form "This man who has broken the law could have kept it" had a univocal or agreed meaning; or where scepticism does not attach to the meaning of this form of statement, it has shaken the confidence that we are generally able to

distinguish the cases where this form of statement is true from those where it is not.

(HART, 1968, p. 1).8

Sua teoria se baseia, assim, em uma integração e acomodação das duas teorias mais importantes do pensamento filosófico, utilitarismo e retributivismo, com a finalidade de solucionar as questões que envolvem o complexo instituto da punição.

O pensamento de Hart é essencialmente utilitarista no tocante ao objetivo geral justificador, mas para evitar eventuais distorções, ele consagra a utilização dos princípios de justiça. Assim, a teoria de Hart dá uma resposta mista às três questões: o que justifica a prática geral da punição? A quem pode a punição ser aplicada? Como nós podemos punir?

A primeira pergunta diz respeito ao objetivo geral justificador e se subdivide em dois aspectos: responsabilidade (quem pode ser punido?) e valor (como punir?).

Diante da complexidade que envolve o instituto da punição, ele enfatiza que nem a retribuição, nem a reforma, nem a dissuasão respondem isoladamente a estas perguntas; cada uma delas é relevante em diferentes aspectos para se obter uma justificação moralmente aceitável para a punição. Não há apenas um valor supremo ou objetivo para responder à questão da justificação da punição, ou seja, nenhuma teoria isoladamente consegue responder a todas as questões sobre o tema.

Acerca do posicionamento, à sua época, da Câmara dos Lordes sobre a justificação da punição, Hart relata que em julho de 1956 o Lord Chancellor (presidente da Câmara dos Lordes e chefe do Judiciário inglês) associou a função educativa de repreensão pública com a função de intimidação, ao afirmar: “[...] the ultimate justification of any punishment is not that it is a

deterrent but that it is the emphatic denunciation of the committing of a crime" 9 (HART, 1968,

8 Interesse geral no tópico de punição nunca foi maior do que é no presente e duvido que a discussão pública disto jamais tenha sido tão confusa. O interesse e a confusão são em parte devido ao ceticismo relativamente moderno sobre dois elementos, os quais têm figurado como partes essenciais das tradicionalmente opostas "teorias" da punição. Por um lado, a antiga confiança de Bentham no temor às penalidades ameaçadas pela lei, como um poderoso meio de intimidação, que tem diminuído com a crescente percepção de que o papel desempenhado pelo cálculo de qualquer tipo de comportamento antissocial tem sido exagerado. Por outro lado, uma nuvem de dúvidas se estabeleceu sobre a pedra angular da teoria "retributivista". Seus defensores não podem mais falar com a velha confiança de que enunciados do tipo: "Este homem que quebrou a lei poderia tê-la mantido" têm um significado inequívoco ou comum, ou onde o ceticismo não se liga ao significado desta forma de enunciado, isto tem abalado a confiança que geralmente nós somos capazes de distinguir os casos onde esta forma de enunciado é verdade daqueles em que não é. (HART, 1968, p. 1, tradução nossa).

9 "[...] a justificação final de qualquer punição não é que isso é um meio de intimidação, mas que é a repreensão pública enfática do cometimento de um crime". (HART, 1968, p. 2, tradução nossa).

p. 2) e "[...] the real crux of the question at issue is whether capital punishment is a uniquely

effective deterrent” 10 (HART, 1968, p. 2).

Hart continua ressaltando que, nessa mesma data, o Lord Denning separou o instituto da repreensão pública do sofrimento do infrator ao alegar que a repreensão pública não implica a deliberada imposição de sofrimento que é a característica necessária à justificação.

No documento Razões de punir: a teoria de H. L. A. Hart (páginas 72-74)