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Os tumores mamários (TM) foram, aparentemente, os primeiros tumores sólidos a serem diagnosticados na história da humanidade, no ano 2.500 a.C., por um médico egípcio da Antiguidade, chamado Imhotep, que disso nos deixou o seguinte relato: “Eis que me deparo com um caso de massas protuberantes no peito… inchaços volumosos, duros e em expansão nessa zona do corpo. Tocar-lhes é como mexer numa bola de trapos” (Mukherjee, 2012, p. 72). Em relação à terapêutica, este destacado cirurgião, desconhecendo por completo as causas da oncogénese mamária, limitou-se a referir, humildemente, que “não existe nenhuma” (Mukherjee, 2012, p. 72).

Hoje, passados cerca de 4.500 anos, a comunidade científica encara os tumores, na sua generalidade, como o resultado de uma multiplicação celular anormal e excessiva que tende a persistir, desordenadamente, com efeitos agressivos sobre o organismo, e define os tumores mamários malignos como um conjunto heterogéneo de células anormais do tecido mamário, “crescendo de uma forma descontrolada, com capacidade de invadir os tecidos vizinhos e de se distribuírem por locais distantes da localização inicial, originando metástases à distância” (Portal de Oncologia Português, 2012). A Oncologia Mamária assume, tanto em Medicina Humana como em Medicina Veterinária, uma forte representação na casuística clínica médico-cirúrgica, pelo que têm sido investidos enormes recursos em projetos que possam contribuir, de algum modo, para maximizar a qualidade e o TS dos pacientes oncológicos, com o objetivo final de se atingir a cura do cancro de mama. Estima-se que a incidência de TM em humanos, a nível global, seja de aproximadamente 1,4 milhões de novos casos por ano, traduzindo-se na principal causa de morte por cancro entre as mulheres (Ferlay et al., 2010). Nos animais de companhia, apesar de existirem escassas estimativas, as neoplasias mamárias têm suscitado cada vez mais interesse, devido ao aumento progressivo do número de novos casos diagnosticados, o que está relacionado sobretudo com o aumento da esperança média de vida destes animais nas recentes décadas. O cancro de mama é mais frequente em geriatria, pois um maior tempo de vida implica um maior risco de oncogénese mamária. Este aumento do tempo de vida de cães e de gatos está associado a inúmeros fatores, entre os quais se destacam as melhorias ao nível da nutrição, da prática clínica, a existência de leis mais rigorosas e, possivelmente, a um vínculo afetivo cada vez mais intenso entre humanos e animais (Thuróczy

et al., 2007; Withrow, 2009).

As investigações que têm vindo a ser realizadas por equipas multidisciplinares no sentido de se melhorar o entendimento do cancro e de se desenvolverem novas terapêuticas que proporcionem o tratamento certo no momento certo a cada paciente, são cada vez mais divulgadas através dos meios de comunicação (Withrow, 2009; Collins, 2010). Os proprietários

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de pequenos animais revelam, atualmente, mais conhecimentos e maiores exigências no tratamento dos seus animais com cancro. Assim, os Médicos Veterinários devem estar bem informados acerca dos avanços observados em Oncologia Humana, para que a própria Oncologia Veterinária acompanhe tais progressos e se desenvolvam verdadeiras sinergias entre ambas, que proporcionem a descoberta e o aperfeiçoamento de terapêuticas eficazes, num ambiente de otimismo e de necessária esperança, de modo a melhorar-se o tratamento dos pacientes oncológicos (Withrow, 2009). Na verdade, os próprios tumores mamários caninos e felinos têm sido constantemente sugeridos como bons modelos espontâneos para o estudo do cancro de mama humano, em virtude das suas semelhanças (Peleteiro, 1994; Withrow, 2009; Hughes & Dobson, 2012).

Um dos principais desafios atuais da Oncologia Mamária relaciona-se com o facto dos TM, tanto em humanos como em animais, apresentarem uma complexa heterogeneidade morfológica e biológica, o que determina diferentes comportamentos clínicos e diversas respostas terapêuticas (Eroles, Bosch, Fidalgo & Lluch, 2012; Hughes & Dobson, 2012; De Abreu, Wells & Tsongalis, 2013). As classificações convencionais manifestam um insuficiente valor prognóstico e/ou preditivo, pelo que abordagens inovadoras têm sido consideradas para desvendar a base molecular de tal diversidade tumoral intrínseca, com o intuito de se alcançar uma classificação com nítida importância clínica, cientificamente bem alicerçada, facilmente aplicável na rotina médica e garantidamente reprodutível (McDermott, Downin & Stratton, 2011; Vollan & Caldas, 2011; Viale, 2012). Recentemente, análises de agrupamento hierárquico de perfis de expressão genética e avaliações da imunoexpressão de uma combinação de biomarcadores (RP, RE-α, HER-2 e Ki-67), têm contribuído para a concretização de tal objetivo por dissecarem molecularmente os tumores mamários em, pelo menos, quatro subtipos intrínsecos com características específicas: Luminal A, Luminal B, HER-2 positivo e Triplo- negativo (Perou et al., 2000; Sørlie et al., 2001; Goldhirsch et al., 2011; Prat & Perou, 2011; Vollan & Caldas, 2011; Viale, 2012; Eroles et al., 2012). Esta nova classificação molecular, desenvolvida em Medicina Humana, fez com que os TM deixassem de ser analisados como uma única doença para passarem a ser estudados como um conjunto de doenças distintas, com causas distintas, com fatores de risco distintos, com tratamentos distintos e com prognósticos distintos (Perou et al., 2000; Weber, 2010; Colombo, Milanezi, Weigelt & Reis-Filho, 2011; McDermott et al., 2011; Goldhirsch et al., 2011; Reis-Filho & Pusztai, 2011; Eroles et al., 2012; Portal de Oncologia Português, 2012). A estratificação das neoplasias mamárias em tais subtipos tem sido de extrema relevância na investigação de modernas terapêuticas dirigidas (tailored treatment), para além de ajudar os médicos a discernir quais os protocolos terapêuticos disponíveis que proporcionam os melhores resultados clínicos possíveis, mesmo antes de

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começarem a tratar os pacientes, minimizando, assim, a exposição a tratamentos prejudiciais desnecessários e otimizando os cuidados de saúde globais (Collins, 2010; McDermott et al., 2011; Portal de Oncologia Português, 2012).

O conhecimento do perfil molecular do TM é fundamental para que os clínicos efetuem um diagnóstico mais preciso, instituam uma terapêutica mais adequada e emitam um prognóstico mais assertivo. De facto, um dos principais objetivos da classificação molecular é o tratamento de grupos de pacientes oncológicos selecionados com terapêuticas direcionadas para o perfil genético específico das suas células neoplásicas, que são, assim, mais eficazes e menos nocivas para o seu organismo. A classificação molecular permite que a medicina tradicional, focada numa população indistinta de pacientes com tumores mamários, comece a dar lugar a uma medicina personalizada, que analisa não só as características clínicopatológicas (p.ex. idade, história pregressa, tamanho do tumor, ocorrência de metastização, estadio, tipo e grau histológico), mas também determinados biomarcadores moleculares e o perfil genético específico dos tumores, que proporcionam, em conjunto, informações muito úteis para o delineamento de uma terapêutica apropriada e para a emissão de um prognóstico correto (Collins, 2010; McDermott et al., 2011; Sabatier, Gonçalves & Bertucci, 2014). Na realidade, o diagnóstico molecular possibilita uma melhor compreensão da oncobiologia mamária e conduz a uma prática médica mais centrada no paciente, aumentando, assim, a probabilidade de sucesso clínico, e diminuindo a morbilidade, o risco iatrogénico de sub ou sobre-tratamento e o custo de terapêuticas que não fornecem benefícios significativos (Collins, 2010; McDermott

et al., 2011; Patani, Martin & Dowsett, 2013).

Muitos dos projetos de investigação a decorrer presentemente estão orientados para a pesquisa de biomarcadores com valor prognóstico e preditivo, bem como para o desenvolvimento de medicamentos direcionados contra alvos moleculares com importância oncobiológica já reconhecida, de modo a que terapêuticas inovadoras e exames de rastreio precisos estejam disponíveis o mais rapidamente possível (McDermott et al., 2011).

Num futuro próximo, muito presumivelmente, também em Medicina Veterinária, o método de diagnóstico de TM incluirá a análise da expressão de biomarcadores moleculares, nos tecidos neoplásicos e/ou em amostras sanguíneas, com o intuito de fornecer informações fundamentais sobre o respetivo processo oncológico (p.ex. subtipo molecular do cancro, mutações genéticas envolvidas e TS estimado) (Ignatiadis et al., 2007; Lianidou & Markou, 2011; Lianidou, Mavroudis & Georgoulias, 2013). O Médico Veterinário irá então poder administrar o medicamento mais apropriado em relação ao biomarcador detetado, executando uma terapêutica individualizada que aumentará a eficácia clínica.

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Contudo, em Oncologia Felina, a investigação nesse sentido ainda tem um longo caminho a percorrer, sendo escassos os recentes progressos verificados na rotina clínica que contribuíram para um aumento efetivo do TS dos felinos com TM. A classificação das neoplasias mamárias nesta espécie ainda assenta, principalmente, em critérios clínicopatológicos de insuficiente valor prognóstico e/ou preditivo, não existindo praticamente nenhuma informação sobre a eficácia das modernas terapêuticas (prescritas nos casos de TM humanos) nos TMF. Na verdade, apesar destes tumores estarem geralmente associados a um mau prognóstico, os felinos afetados apresentam uma ampla gama de tempos de sobrevivência, pelo que a investigação de novos fatores de prognóstico e preditivos precisos é fundamental (Mills et al., 2014). Assim, o estudo da classificação molecular dos TMF, tema desta dissertação, revela-se de crucial importância, dado os potenciais grandes benefícios que a mesma acarreta nesta espécie, sobretudo no que diz respeito a um diagnóstico mais rigoroso, a uma terapêutica mais direcionada para o paciente e a um prognóstico mais confiável, bem como para um melhor entendimento da oncobiologia e para a avaliação da perspetiva promissora de que os mesmos são modelos adequados no estudo comparativo de TM humanos (Hughes & Dobson, 2012). Atendendo ainda a que os TMF, na maioria das vezes, afetam mais do que uma glândula mamária, são multicêntricos e apresentam classificações histopatológicas distintas, a investigação da sua homogeneidade molecular, tanto nos TM primários como nas respetivas metástases, também manifesta especial interesse, dado que poderá ter sérias implicações clínicas, nomeadamente na gestão da terapêutica (pois a discordância molecular desconhecida poderá conduzir a tratamentos sub-ótimos) e dos custos associados à sua determinação (visto que a análise de todas as massas tumorais poderá acarretar despesas económicas consideráveis) (Peleteiro, 1994; Simmons et al., 2009; Aitken, Thomas, Langdon, Harrison & Faratian, 2010; Brunetti et al., 2013; Beha et al., 2014).

Posto isto, os principais objetivos da presente dissertação são o estudo da importância clínica da classificação molecular dos TMF, incluindo a avaliação da sua homogeneidade molecular, a análise de possíveis associações estatísticas entre as suas características clínicopatológicas, tempos de sobrevivência e os seus subtipos moleculares, bem como a pesquisa de outros possíveis parâmetros que ajudem na previsão do TS e do TLD de felinos com TM. A escassez de estudos publicados sobre estas matérias, incluindo a ausência, aparente, de artigos que correlacionem a classificação molecular com os tempos de sobrevivência dos respetivos felinos, justifica plenamente a investigação aqui desenvolvida.

Na primeira parte, serão revistos os principais acontecimentos históricos relacionados com os tumores mamários humanos e felinos, com o intuito de se apresentar uma contextualização genérica do conhecimento existente acerca dos mesmos, para depois se passar a uma análise

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mais focada nos TMF, com início na embriologia, histologia e anatomofisiologia da glândula mamária felina (indispensável para a correta compreensão dos aspetos patológicos da oncogénese mamária) e nos dados epidemiológicos acerca dos mesmos. Então, será feita uma revisão da sua etiopatogenia (procurando desvendar a complexidade dos mecanismos moleculares e celulares subjacentes), do seu diagnóstico, da sua atual terapêutica, dos seus fatores de prognóstico (clássicos e moleculares) e da sua importância na Oncologia Comparativa. Posteriormente, será realizado um resumo dos principais avanços da Oncologia Genómica, uma revisão das razões e dos progressos científicos que conduziram à atual classificação molecular dos tumores mamários, uma descrição sucinta da mesma, incluindo as suas vantagens e desafios, alguns dos principais métodos de diagnóstico genético disponíveis, as implicações na prática clínica humana, as terapêuticas específicas para cada subtipo molecular e uma descrição dos biomarcadores habitualmente analisados, com o intuito de melhor analisar a sua possível aplicação nos TMF. Na parte experimental serão analisados os parâmetros clínicopatológicos e imunofenotípicos de 21 casos de TMF, seguidos clinicamente entre 18 de março de 2009 e 31 de janeiro de 2015, de modo a atingir-se os objetivos supracitados. Por fim, será realizada uma discussão dos resultados obtidos e uma conclusão sobre os principais assuntos abordados no decorrer da dissertação, incluindo as perspetivas futuras da aplicação da classificação molecular em TMF.

O grande interesse desenvolvido pelo autor na área da Oncologia e a oportunidade de estagiar num Centro de Investigação que permite desenvolver habilidades, talentos e uma visão abrangente num ambiente em constante evolução científica, onde prima a excelência académica, a dignidade e o compromisso com valores éticos elevados, conduziram à escolha do trabalho aqui apresentado.

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