• Nenhum resultado encontrado

Cabem aos profissionais de diversas áreas, dentre os quais destacam-se profissionais de Engenharia Hídrica, ter a capacidade técnica para promover a conservação dos corpos hídricos, tais como mananciais e habitats, para assegurar a disponibilidade e qualidade da água, conservar serviços ecossistêmicos e reduzir o risco de desastres hidrológicos. Para isto, de acordo com Zanandrea et al. (2017), é necessária uma ampla compreensão dos processos hidrológicos e hidrossedimentológicos que ocorrem nas bacias hidrográficas.

Os processos que serão descritos a seguir modificam a paisagem. No presente trabalho o termo paisagem é utilizado como o conjunto físico de diferentes formas de relevo compostos por encostas, planícies, vales, talvegues e canais, sempre com ênfase nos processos hidrológicos, hidrossedimentológicos e hidrogeomorfológicos.

Entre os principais processos de geração de escoamento superficial em bacias hidrográficas estão os processos descritos em Horton (1941), Hewllet e Hibbert (1967) e Dunne e Black (1970). Horton (1941) elaborou a hipótese de que o escoamento superficial é gerado a partir do momento em que a intensidade de precipitação supera a taxa de infiltração do solo. Posteriormente Hewllet e Hibbert (1967) construíram a hipótese da área variável de contribuição, onde conforme a umidade do solo varia em um evento hidrológico maior é a área saturada que gera escoamento superficial na presença de precipitação. Dunne e Black (1970), trabalhando em encostas elaboraram a hipótese posteriormente chamada de escoamento dunniano, onde a água proveniente de precipitação infiltra e percola ao longo da encosta até chegar a algum ponto onde encontra condições propícias ao afloramento, gerando escoamento superficial.

Os processos sedimentológicos compreendem os processos de desagregação, transporte e deposição de sedimento. Utilizando a definição de Zanandrea et al. (2017) para a conectividade hidrossedimentológica o presente trabalho então transpõe a definição para os processos hidrossedimentológicos, onde os processos hidrossedimentológicos são os processos sedimentológicos (desagregação, transporte e sedimentação) onde o vetor é única e exclusivamente a água. Sobre os processos hidrogeomorfológicos, Goerl et al. (2012) propuseram que estes são os processos que exercem o controle na evolução e formação de paisagem assim como exercem controle nos processos hidrológicos. Estes processos hidrogeomorfológicos estão associados a movimentos de massa e processos

16

hidrossedimentológicos, os quais moldam a paisagem das bacias hidrográficas alterando a dinâmica hidrológica que ali ocorre.

Uma abordagem útil para a distinção dos processos hidrogeomorfológicos é a hierarquização fluvial. Um dos principais métodos de hierarquização fluvial utilizados na geomorfologia e hidrologia é o ordenamento de Horton (1945). Em geral na hierarquização fluvial a hierarquia de um rio, seja caracterizada pela magnitude ou ordem, é uma informação de escala do curso hídrico e da bacia hidrográfica. Desta maneira, diferentes processos hidrossedimentológicos e hidrogeomorfológicos ocorrem em cada escala, onde, em geral, os processos de encostas são mais comuns em escalas menores, ou seja, em bacias de menor hierarquia, e menos comuns em rios de maior escala, maior hierarquia. A hierarquização fluvial é comumente tratada pela ordem do rio ou pela magnitude, onde o início do curso inicia-se na primeira ordem ou primeira magnitude. Ainda, para estudos de encostas foi atribuído por Tsukamoto (1973) o conceito de ordem zero: um vale não canalizado que não apresenta fluxo superficial na maior parte do tempo.

Os processos de geração de escoamento superficial e de geração, transporte e deposição de sedimento, assim como fenômenos extremos deflagradores de desastres naturais, são modeladores da paisagem de bacias hidrográficas e costumam ocorrer em regiões de cabeceira. Desta maneira se faz importante o estudo em bacias de cabeceiras, também conhecidas por bacias de ordem zero (TSUKAMOTO, 1973), e em bacias de primeira ordem, para compreender os processos hidrológicos que ali ocorrem na interação entre encosta e rio.

A compreensão dos processos hidrológicos e hidrossedimentológicos não é tarefa fácil, mas pode geralmente ser facilitada pela compreensão da geomorfologia de bacias hidrográficas, isto é, do conjunto de encostas e rede fluvial. De modo geral, processos de encosta e de rios de baixa ordem são de difícil observação. São nestes locais que ocorrem a deflagração de fenômenos naturais mais drásticos e violentos como: escorregamentos, fluxo de detritos, fluxos hiperconcentrados e inundações bruscas.

A falta de resolução adequada de dados topográficos empregados em técnicas de geoprocessamento e na observação desses fenômenos dificulta a modelagem de processos de encosta e processos fluviais de baixa ordem. O monitoramento nessas áreas é também de difícil realização devido à complexidade dos processos existentes. As dificuldades sem tal monitoramento e modelagem acarretam em dificuldades na compreensão dos fenômenos naturais extremos deflagradores de desastres naturais e processos geomorfológicos, portanto

17

dificulta o planejamento territorial, o que, consequentemente, complica a redução de desastres naturais na sociedade.

Atualmente, a maior parte do monitoramento fluvial no Brasil se dá em rios de ordens maiores, sendo estes com vazões suficientes para serem utilizados para captação de água, geração hidrelétrica, navegação, entre outros usos. Os rios de baixa ordem estão em regiões de cabeceiras e não apresentam grandes vazões na maior parte do tempo. Por isso, não apresentam grandes potenciais para serem usados como mananciais. Este baixo potencial implica que o monitoramento de rios de baixa ordem acaba por ser dispensado no cenário atual de monitoramento hidrológico. Entretanto, nos últimos anos, entidades nacionais e estaduais como o CEMADEM, CPRM, e DRH/SEMA – RS passaram a realizar monitoramento em regiões de cabeceira suscetíveis a desastres hidrológicos.

Ainda, além do pouco monitoramento hidrológico próximo às encostas há a dificuldade da modelagem hidrológica nestes terrenos. É comum, em áreas de cabeceiras, processos não lineares e heterogêneos, os quais podem ser caracterizados devido à alta resolução espaço-temporal em que os processos de encosta ocorrem. Estes são caracterizados pela presença de fluxos preferenciais, controle estrutural das nascentes e a heterogeneidade das propriedades físicas e hidráulicas do solo. Para facilitar a compreensão dos processos hidrológicos e hidrossedimentológicos de encostas é necessário que as características físicas das encostas sejam obtidas e relacionadas com os processos geomorfológicos que ali ocorrem.

Existem leis da geomorfologia que se aplicam diretamente aos cursos de água, por exemplo, Horton (1945) e Hack (1957). Estas leis auxiliam na compreensão dos processos hidrológicos ocorridos, portanto fluviais e de encostas, em cada trecho de rio e na bacia como um todo. A lei de Horton é amplamente empregada na hidrologia e geomorfologia (STRAHLER, 1952; SHEIDEGGER, 1965; SHREVE, 1966; SHEIDEGGER, 1968;

KOBIYAMA et al, 2011; GANGODAGAMAGE et al., 2011), enquanto a Lei de Hack passa muitas vezes despercebida, talvez por não ter sido tão difundida na comunidade acadêmica, mais especificamente na comunidade acadêmica brasileira.

A Lei de Hack fornece informações morfométricas da bacia através da relação comprimento do talvegue do rio principal e área de contribuição. Esta relação morfométrica tem embutido informações da geologia da bacia, sinuosidade do rio, ordem e magnitude.

Essas relações morfométricas são dependentes da geomorfologia do terreno e seus processos.

A Lei de Hack já foi testada para diversas bacias. No entanto seu estudo carece de informações em bacias de baixa ordem, pois foi mais largamente discutida em bacias com

18

áreas e magnitudes mais expressivas e, em sua maioria, em rios estadunidenses (HACK, 1957). Junto a isto, ainda não foi realizada a verificação do comportamento da Lei de Hack em bacias de ordem zero assim como a comparação do comportamento da Lei de Hack em bacias de ordem zero com o comportamento da Lei de Hack em bacias de primeira ordem.

Sendo as bacias de ordem zero o local de conexão entre os processos de encosta e os processos fluviais, a comparação da Lei de Hack entre bacias de ordem zero e de primeira ordem irá contribuir para um melhor entendimento dos processos de vertente e sua conectividade com os processos fluviais. As análises presentes neste trabalho, além de contribuir com o preenchimento da lacuna na aplicação da Lei de Hack em bacias de ordem zero, poderão auxiliar profissionais da área de recursos hídricos, tais como engenheiros hídricos, na realização mapeamento de áreas de risco, em cálculos e estimativas de produção de sedimento, na compreensão dos processos de geração de escoamento superficial e de evolução de paisagem. Desta forma o presente trabalho poderá auxiliar na compreensão dos processos de encosta, facilitando o trabalho de engenheiros hídricos e de profissionais da área de recursos hídricos que atuam na redução de desastres hidrológicos, na conservação de mananciais e conservação de habitats.

19

Documentos relacionados