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Este trabalho visa a fazer uma análise da reduplicação de base verbal à luz da Morfologia Construcional (BOOIJ, 2002, 2005, 2007, 2010), perspectiva teórica que propõe a existência de construções gramaticais que alicerçam padrões morfológicos como a sufixação, a prefixação e a composição. No caso da reduplicação de base verbal (bate-bate, pega-pega, puxa-puxa, corre-corre, esconde-esconde, entre outras), ocorre a formação de compostos nominais a partir de verbos por meio de uma rede construcional integrada.

As principais questões levantadas sobre a reduplicação, nesta nossa proposta de análise, são as seguintes:

(a) Em qual processo morfológico está inserida a reduplicação de base verbal? É mesmo na composição, como preconizam as gramáticas tradicionais (CUNHA & CINTRA, 1985;

LIMA, 2000)?

(b) Quais construções mais gerais instanciam a construção morfológica de reduplicação de base verbal em português?

(c) Como essas construções são organizadas em rede?

(d) De que maneira é feito o preenchimento semântico das construções envolvidas no processo?

(e) O processo leva ao surgimento de dois significados distintos, evento (‘empurra-empurra’) e coisa (‘pula-pula’). Qual é a nuance semântica que diferencia esses dois itens lexicais?

(f) Quais são as construções referentes aos dois significados que emergem do processo e como ocorre a sua instanciação?

Por conta dessas questões, os principais objetivos do trabalho são os seguintes:

(a) Determinar em qual processo morfológico está inserida a reduplicação de base verbal;

(b) Determinar quais construções instanciam a reduplicação de base verbal em português;

(c) Formalizar uma construção de reduplicação de base verbal em português;

(d) Estabelecer como ocorre o preenchimento semântico de cada construção presente na rede;

(e) Determinar como se desenvolve a duplicidade de significado existente no processo;

(f) Mostrar qual o percurso semântico que leva à variação de significado, discutindo, mais detidamente, a questão da heterossemia, nos termos de Lichtenberk (1991);

(g) Apresentar as construções para os dois significados que emergem do processo, coisa e evento, e de que forma elas se relacionam na rede.

A fase de investigação sucedeu a recolha dos dados que compõem o corpus utilizado no trabalho, devidamente relacionado no Anexo. A coleta foi realizada por meio da utilização de três fontes, fundamentalmente:

(a) dados extraídos de situações de fala real, em diferentes situações de uso linguístico, a exemplo de conversas informais, entrevistas em programas de rádio e TV, aulas, seminários etc;

(b) palavras rastreadas em periódicos de grande circulação (dados obtidos indiretamente, através de análises já realizadas sobre o assunto, como as de Couto (1999; 2000) e a de Araújo (2000), por exemplo). Boa parte do corpus já havia sido recolhida na época do Mestrado (VIALLI, 2008);

(c) rastreamento via Internet no site www.google.com.br;

(d) palavras rastreadas dos dicionários eletrônicos Houaiss e Aurélio, a partir das ferramentas de busca disponibilizadas nessas obras.

Para o rastreamento on line, foram utilizadas técnicas de busca e coleta de textos na elaboração de corpus para o trabalho científico propostas por Philippe Humblé em

“Linguística e ensino: novas tecnologias” (2001), pois, segundo esse autor, os dicionários não costumam dar uma visão realista da língua atual e um corpus rastreado via Internet pode retificar essa visão. Nesse caso, é precisamente esse tipo de coleta que favorece a análise aqui proposta, posto que a possibilidade dos diferentes usos dos vocábulos e sua heterossemia só podem ser percebidos através de dados que reflitam usos reais, como blogs, chats e posts nas redes sociais, como o Orkut e o Facebook.

Com base nessas fontes, temos um corpus constituído de 62 reduplicações V-V.

Em suma, neste trabalho, postula-se a existência de uma construção morfológica para a reduplicação de base verbal em português. A reduplicação é considerada um processo marginal de formação de palavras, sobretudo devido ao seu status não-concatenativo (GONÇALVES, 2006). No entanto, tal fenômeno apresenta alta produtividade na língua, gerando diversos tipos de modelos reduplicativos, tais como a reduplicação de base verbal (puxa-puxa, bate-bate, corre-corre) e a reduplicação nos hipocorísticos (Dudú, Cacá, Lulú), entre outros tipos apresentados em Albuquerque &

Gonçalves (2004), Vialli (2008) e Gonçalves (2009). Logo, a observação das ocorrências envolvidas no processo torna imprescindível ressaltar que tal fenômeno não envolve apenas informações de cunho formal, mas também semânticas, contraparte geralmente relegada a segundo plano na maioria das abordagens morfológicas.

Dessa forma, uma análise mais precisa da reduplicação em português deve dar conta da forma e do significado e, para atender tal requisito, o modelo teórico adotado

deve possibilitar esse tipo de pareamento. Com base nisso, é possível postular a existência de uma construção morfológica para o fenômeno em português nos moldes de Booij (2002, 2005, 2010). Desenvolvida a partir dos estudos de Goldberg (1995), a Morfologia Construcional propõe a existência de construções gramaticais nas línguas que alicerçam padrões de processos morfológicos como a sufixação, a prefixação e a composição. Esses esquemas construcionais envolvem sequências fonológicas e categorias lexicais, representadas por meio das variáveis X e Y, tais como [[X]X][Y]Y]Y

(composição), [[X]XY]Y (sufixação), [X[Y]Y]Y (prefixação).

Ainda, o fenômeno tem como característica central a heterossemia (LICHTENBERK, 1991), ao resultar em dois significados que também apresentam diferenças sintático-semânticas, um para nomeação de eventos (‘puxa-puxa’, “ato de puxar repetidamente”) e outro para nomeação de coisas (‘puxa-puxa’, “doce”).

Ademais, com o objetivo de detalhar o polo semântico do fenômeno tratado, é necessário lançar mão de propostas como a de Langacker (1987), Fauconnier & Turner (1996) e Mandelblit (1997). No entanto, é importante enfatizar que essas propostas vêm em favor da análise específica da reduplicação de base verbal; em outras palavras, a investigação de fenômenos diferentes demanda questões semânticas diversas em sua análise, muito embora possam ser observadas com base no mesmo referencial teórico, a Morfologia Construcional (doravante MC). Isso justifica, de certa forma, a carência de detalhamento do polo semântico no modelo da MC. Na verdade, isso dependerá da demanda de cada fenômeno especificamente e deve ser observado durante a análise.

O presente trabalho está dividido na forma descrita a seguir. Na primeira seção 2.1 do capítulo 2, o fenômeno da reduplicação é apresentado em abordagens anteriores, observando-se seu tratamento em compêndios gramaticais e sua análise como processo

não-concatenativo. A seguir, em 2.2, focaliza-se a reduplicação de base verbal e ressaltam-se suas características mais específicas; em 2.3 é feita uma síntese para o tratamento dispensado ao fenômeno durante o capítulo 2.

No capítulo 3, a seção 3.1 aponta o que motivou a criação do modelo teórico, uma morfologia construcional que permite o pareamento forma/significado em morfologia. Na sequência, em 3.2 são consideradas algumas ideias sobre construções morfológicas, que serão observadas mais detalhadamente em 3.4. Na seção 3.3, são confrontadas as noções de regra e esquema e são levantadas as vantagens de um modelo baseado em esquemas. Em 3.4, as noções de construção gramatical e idioma construcional são exploradas como partes importantes do modelo teórico. Na seção 3.5, mostra-se como se procede ao tratamento dos casos de interface pelo modelo proposto, enquanto em 3.6 e 3.7, respectivamente, são exemplificados casos de unificação de esquemas, aproveitados posteriormente na análise, e o fenômeno da heterossemia presente no caso de reduplicação analisado.

No capítulo 4, é proposta uma análise para os dados recolhidos e são apresentadas as regularidades do processo, suas especificidades formais e semânticas.

Esse capítulo é composto por três seções: 4.1 trata do polo semântico do processo; 4.2 aborda o polo formal e 4.3, na qual é apresentada a rede construcional, analisa alguns exemplos retirados do corpus. O capítulo 5 destina-se às principais conclusões deste estudo.

Neste capítulo, definimos reduplicação, com base em Gonçalves (2004), Couto (1999) e Vialli (2008), para, na sequência, mostrar a abrangência desse processo morfológico em português. Por fim, focalizamos mais diretamente o tipo de reduplicação analisado neste trabalho: o que promove a alteração categorial V S1 por meio da cópia da base verbal2, a exemplo de ‘puxa-puxa’ e ‘pega-pega’.

2.1 A REDUPLICAÇÃO COMO PROCESSO NÃO-CONCATENATIVO

O fenômeno da reduplicação encontra-se na lista dos processos marginais de formação de palavras do português, não apenas por apresentar escassez de análises linguísticas e dificuldades em sua definição, mas também porque faz parte da Morfologia Não-Concatenativa da língua (GONÇALVES, 2004). Os processos não-concatenativos (McCARTHY, 1981) não se enquadram totalmente no padrão aglutinativo, baseado na noção de “item”, tradicionalmente preferido nos estudos morfológicos de línguas naturais. Tais processos não envolvem apenas informações morfológicas, mas também fonológicas para sua execução, integrando primitivos de ambos os tipos. A reduplicação é concebida, em Gonçalves (2009), como um processo de afixação não-linear, já que um reduplicante, totalmente desprovido de preenchimento segmental, acopla-se à direita ou à esquerda de uma forma de base da qual copia todo o material melódico (reduplicação total) ou parte dele (reduplicação parcial).

1 Os casos envolvidos na reduplicação de base verbal são sempre nomes substantivos.

2 No capítulo 4, discutimos com mais vagar o tipo de constituinte reduplicado nessas formações lexicais:

se a terceira pessoa do singular no presente do indicativo ou o tema verbal.

O referido processo foi anteriormente analisado por Vialli (2008) sob a ótica da Morfologia Prosódica (McCARTHY & PRINCE, 1998) com um recorte da reduplicação no baby-talk3 e, posteriormente, em Vialli (2009) através da Teoria da Otimalidade (PRINCE & SMOLENSKY, 1993; McCARTHY & PRINCE, 1995).

Em abordagens não-lineares, a reduplicação é apontada como um processo de afixação de uma espécie de molde. De acordo com Broselow & McCarthy (1983), trata-se de uma camada esqueletal subespecificada4 que, quando preenchida, é anexada a uma base como um afixo, podendo realizar-se na forma de prefixo, sufixo e até mesmo infixo, a depender da língua em questão. A proposta de um molde esqueletal, por assumir um princípio geral de reduplicação para as línguas, garante mais economia ao processo. No entanto, para que essa estrutura subespecificada seja preenchida, é necessário o mapeamento de segmentos da base de acordo com o número de camadas que existirem como padrão a ser alcançado no processo de cópia. Esse mapeamento pode ocorrer da esquerda para a direita (no caso dos prefixos) ou da direita para a esquerda (no caso dos sufixos), dependo do tipo de afixação e da direcionalidade indicada no idioma. Casos conhecidos de reduplicação tratados na literatura são a reduplicação prefixal em Agta e a sufixal em Saho, como nos dados exemplificados, a seguir, por Marantz (1982):

3 Segundo Crystal (1997: 38), o fenômeno denominado de baby-talk (também conhecido como motherese ou caregiver speech) partiu de uma extensão nos estudos da aquisição da linguagem, procurando sempre mostrar características distintivas no discurso entre adultos e crianças. Logo, a reduplicação na linguagem infantil é um tipo de baby-talk (mamadeira  dedera , cabelo  bebelo, madrinha  dindinha), posto que se trata de um vocabulário altamente específico utilizado, sobretudo, em um discurso em que um adulto se comunica com uma criança em fase de aquisição da linguagem.

4 De acordo com Archangeli & Pulleyblank (1994), subespecificação é o procedimento analítico relacionado à omissão de informações nas representações subjacentes, preenchidas, mais tarde, a fim de obter as de superfície.

(01) Agta

(a) takki ‘perna’ > taktakki ‘pernas’

(b) uffu ‘coxa’ > ufuffu ‘coxas’

Saho

(a) lafa ‘osso’ > lafof ‘ossos’

(b) illa ‘primavera’ > illol ‘primaveras’

A reduplicação sempre demanda que uma porção da representação segmental da base seja copiada e anexada à camada subespecificada, como em taktakki, em que tak é copiado para um molde subespecificado CVC (CVCtakki). No entanto, é importante lembrar que nem sempre esses segmentos copiados irão representar constituintes morfológicos da base.

Outra informação relevante dada por Vialli (2009) diz respeito a algumas características formais da reduplicação no baby-talk. A primeira e mais fundamental característica do processo é ter a posição de onset do reduplicante sempre preenchida:

nenhum caso de reduplicação no baby-talk em português apresenta reduplicantes sem ataque. Outro fator que sobressai é a posição do reduplicante. No caso do baby-talk, esse formativo posiciona-se sempre na margem esquerda da palavra prosódica, como é possível verificar nos dados ‘papato’ (sapato), ‘nenelo’ (chinelo), ‘pepeta’ (chupeta) e

‘bibide’ (cabide), o que lhe dá status notório de prefixo. Além disso, esse tipo de reduplicação forma, no máximo, trissílabos, nunca ultrapassando o tamanho original da

palavra-matriz, já que a questão em jogo não é dobrar a palavra ou formar uma derivada, mas simplificá-la por meio da cópia de parte da base. Entretanto, um ponto importante nessa questão, e que é responsável pelo tamanho dos vocábulos reduplicados, é a posição da sílaba tônica. Em quase todos os casos, a sílaba reduplicada é a proeminente, o que explica a inexistência de formas finais polissílabas.

A reduplicação, devido a seu status marginal dentre os processos de formação de palavras, é um fenômeno pouco analisado em língua portuguesa. Por meio de uma consulta a compêndios gramaticais (LIMA, 2000; BECHARA, 1998 e CUNHA &

CINTRA, 1985), é possível notar que esse mecanismo é frequentemente associado ao processo de composição.

Com o objetivo de demonstrar o tratamento dado à reduplicação nas Gramáticas Tradicionais, foram consultadas as obras de Lima (2000), Bechara (1998) e Cunha &

Cintra (1985). No primeiro compêndio, o fenômeno da reduplicação não aparece na lista dos processos de formação de palavras; no entanto, o vocábulo “corre-corre”, uma reduplicação de base verbal, é indicado como resultado do processo de composição. Na segunda obra, embora seja apresentada a reduplicação, esta é indicada como o fenômeno responsável pela formação de onomatopeias e, novamente, “corre-corre” é apontado como uma composição vocabular, assim como na primeira obra anteriormente destacada. Finalmente, no terceiro compêndio consultado, o referido processo não é mencionado, apresentando-se o vocábulo reduplicado acima apontado como fruto de uma composição.

Considerando essas informações, é necessário elaborar uma definição para a reduplicação como processo formador de palavras em português. Logo, o processo de reduplicação deve preencher os seguintes requisitos (VIALLI, 2008):

(i) a base copiada deve ser sincronicamente depreendida e haver relação de significado entre base e produto. Nesse caso, bebelo é uma reduplicação, porque a base cabelo é reconhecida sincronicamente. O mesmo não acontece, por exemplo, com mamão, em que a isolabilidade do suposto prefixo reduplicativo destruiria as relações de significado no interior da palavra, uma vez que a noção de mão não está contida em mamão;

(ii) o resultado do processo deve ser uma forma com função lexical ou expressiva de avaliação (BASILIO, 1987), como ocorre, respectivamente, em corre-corre, que denomina um evento, e em Dedé, hipocorístico do antropônimo André, marcado pela expressão de afeto;

(iii) a forma resultante não deve possuir valor onomatopaico, o que caracterizaria simplesmente a reprodução de um som e não uma cópia feita a partir de uma base, como fonfom e auau. Essas formações são casos de reduplicação bem motivados onomatopaicamente, ao contrário de bate-bate e pega-pega, entre outros.

Como lembra Couto (2000), a reduplicação não é um fenômeno desconhecido das gramáticas tradicionais; no entanto, é tratada nesse tipo de compêndio como composição e envolve, sobretudo, casos de compostos formados com duas bases verbais (‘luze-luze’, ‘ruge, ruge’), tal qual apontado por Vialli (2008). Couto (1999) observa

que o fenômeno também aparece nos tratados de retórica, como em Tavares (1978), que apresenta a epizeuxe ou reduplicação entre as figuras feitas por “repetição ou excesso”.

Ele exemplifica a repetição seguida pelo mesmo vocábulo “São uns olhos verdes, verdes...” (G. Dias) e de uma frase integral ou verso, a palilogia, como nos versos em (02), a seguir, de Mário de Andrade:

(02) Caminho pela cidade Sofrendo com mal de amor Sofrendo com mal de amor Sofrendo com mal de amor Sofrendo (a frase não para no meio) com mal de amor

(Mário de Andrade)

Dessa forma, o autor expressa que os avanços com relação ao tratamento das gramáticas tradicionais para o processo foram praticamente imperceptíveis. Nesse sentido, procura conceituar a reduplicação e para isso retoma Garcia (1996):

“repetição é a reaparição de um ou mais elementos linguísticos depois de sua primeira ocorrência no texto. Como processo expressivo, não intratextual, mas também intertextual, a repetição (...) constitui um dos recursos mais efetivos para a intensificação da linguagem nos níveis fonológico, morfológico e sintático”.

Logo, afirma que a repetição pode ser frasal ou lexical; no entanto, somente a lexical implica a aparição de palavras autônomas, como substantivos, verbos, adjetivos e advérbios. Ora, nesse sentido, a epizeuxe e a palilogia são casos de repetição discursiva, muito diferentes de exemplos como “Eles ficam nesse canta-canta e não fazem nada”, em que temos como resultado da repetição um substantivo. Outros exemplos de repetição vocabular utilizadas com função expressiva são os seguintes, extraídos da internet, letras de músicas ou obras literárias:

(03)

(a) Repetição com adjetivo São uns olhos verdes, verdes, Que podem também brilhar;

Não são de um verde embaçado, Mas verdes da cor do prado, Mas verdes da cor do mar.

(Gonçalves Dias)

O sol chegou, tão atrevido. Penetrando na cortina. Eu posso ver todo seu corpo.

Descoberto, linda, linda.

(Zezé di Camargo e Luciano)

(b) Repetição com verbo Minha Boca Deseja

Me Abraça e Me Beija, Amor

Que o meu Coração chamou chamou (Banda Calipso)

Telefone fixo chama chama e ninguém atende e depois da como ocupado?

O que será que é??

(c) Repetição com advérbio E eu dizia: - Ainda é cedo cedo, cedo, cedo, cedo

E eu dizia ainda é cedo...

(Legião Urbana)

Ele acorda cedo, cedo, mas dorme tão tarde!!

Para Wierzbicka (1986), repetição e reduplicação são fenômenos bem diferenciados funcionalmente em italiano, o que também vale para o português. O primeiro é marcado por pausa, representada por meio de uma vírgula na escrita (Ele caminha devagar, devagar); o último não admite pausa ou vírgula na escrita e constitui um novo item lexical (bate-bate – brinquedo de parque de diversões). A autora observa que, nos casos de reduplicação gramaticalizada, apesar de haver a manutenção de

alguma carga semântica da base original, a ideia veiculada é de intensificação, manifestada de diferentes maneiras.

Retomando Couto (1999), pode-se concluir que na repetição existe total igualdade entre a base e a cópia do ponto de vista formal e funcional; na reduplicação, essa igualdade se dá apenas formalmente, podendo a cópia da base ser total ou parcial.

O autor decide, então, seguir a conceituação de reduplicação dada por Kiyomi (1995) e transcrita em (04), a seguir:

(04) reduplicação:

Dada uma palavra com a forma fonológica X, reduplicação refere-se a XX ou xX (em que x é a parte de X e x pode aparecer antes, após ou no interior de X).

Condições:

(i) XX ou xX deve ser relacionado semanticamente a X.

(ii) XX ou xX devem ser produtivos.

Dessa forma, a reduplicação pode ser total (XX) ou parcial (xX) e a forma reduplicada não preserva a mesma função semântica e gramatical da base. Quando a reduplicação for parcial, os segmentos copiados podem pertencer ao início, meio ou final da base original; por isso mesmo, a reduplicação é um tipo especial de afixação (GONÇALVES, 2009), um processo morfológico que, de acordo com Key (1965), pode dar ideia de iteração, pluralidade, intensificação, distributividade, diminuição e mudança de categoria gramatical.

Couto (op. cit.), Albuquerque & Gonçalves (2004) e Vialli (2008) alertam para as comparações entre onomatopeia e reduplicação, também feitas por diversos autores já citados. No entanto, Key (1965) aponta que, por ter como função primordial a imitação de sons, a onomatopeia não pode expressar funções gramaticais, tal qual a reduplicação.

Alguns exemplos de onomatopéia que se assemelham à reduplicação aparecem elencados em (05), a seguir:

(05) auau fonfom quero-quero zunzum

De acordo com Couto (op. cit.), Araújo (2000) e Albuquerque & Gonçalves (2004), a reduplicação é um processo altamente produtivo no português brasileiro:

aparece no. baby-talk (biscoitococoto, sapatopapato), na formação de hipocorísticos (Edududú, LiliamLilí) e na nominalização de bases verbais, chamada por Couto (op. cit.) de reduplicação V-V (quebra-quebra, mata-mata).

Couto (op. cit.) procura exemplificar esses tipos de reduplicação, começando pelo baby-talk. Segundo ele, essa é a linguagem utilizada pelos adultos ao se comunicarem com crianças na tentativa de reproduzirem a fala infantil, numa espécie de adaptação. Em (06), aparecem alguns exemplos dados pelo autor:

(06) (i) dandá ‘andar, caminhar’, (ii) dodói ‘machucado, ferida, dor’, (iv) mamãe ‘mãe’, (v) papá ‘comida’, (vi) papai ‘pai’, (vii) pepeta ‘chupeta’, (viii) tetéia ‘bonito, coisa bonita’, (ix) titio ‘tio’.

É importante ressaltar que muitos desses exemplos não figuram na lista de reduplicação no baby-talk proposta por Vialli (2008, 2009) por não serem considerados casos do fenômeno, como tetéia e outros, que podem ser identificados ainda como pertencentes a outro tipo de reduplicação; tal é o caso de papai, uma reduplicação em início de palavra, pouco produtiva em português, utilizada, sobretudo, na nomeação afetiva de nomes de parentesco (GONÇALVES, 2009), como os arrolados em (07):

(07) mamãe, papai, vovó, vovô, titio, titia

Em Vialli (2008), com base no instrumental de análise da Morfologia Prosódica (McCARTHY, 1986), dados do baby-talk foram descritos a partir dos seguintes padrões silábicos presentes nos pés nucleares das formas de base5:

(08) Bases envolvidas na reduplicação no baby-talk

1ª BASE  CV xampu  pupú

2ª BASE  CVV chapéu  pepéu

3ª BASE  CV.CV boneca  neneca

5 Pés são unidades prosódicas, como mora (), sílaba (), pé () e palavra prosódica () (SELKIRK, 1980). Entende-se por pé nuclear aquele que comporta o acento primário da base.

4ª BASE  CV.CVV remédio  memédio

5ª BASE  CVC.CV madrinha  dindinha

Em relação aos hipocorísticos, a seguinte lista de formas reduplicadas é bastante extensa, como se vê em (09), a seguir. Lima (2008) e Thami da Silva (2008) analisaram a reduplicação com os instrumentos da TO e concluíram que há severas restrições sobre o reduplicante, que não pode se iniciar por vogal, nem apresentar coda, tendo sempre o formato CV:

(09) Cacá (< Carlos), (ii) Dudu (< Edu < Eduardo), (iii) Gegê (< Geraldo), (iv) Nonô (<

Nicanor), (v) Zezé (< José)

Nos exemplos em (07), (08) e (09), tem-se casos de reduplicação parcial, uma vez que o reduplicante copia apenas os segmentos iniciais da base e é adjungido à esquerda, funcionando como prefixo. Em português, a reduplicação pode explorar a

Nos exemplos em (07), (08) e (09), tem-se casos de reduplicação parcial, uma vez que o reduplicante copia apenas os segmentos iniciais da base e é adjungido à esquerda, funcionando como prefixo. Em português, a reduplicação pode explorar a

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