Considera-se que o endométrio decidualizado possa modular a função trofoblástica, alternando a expressão de fatores regulatórios, tais como citocinas, metaloproteinases, integrinas de superfície e moléculas complexas maiores de histocompatibilidade.
Nos estágios pós-ovulatórios, a invasão intersticial do trofoblasto extraviloso provém da
coluna de células (Figura 3.4) situadas nas extremidades das vilosidades ancorantes, e muitas se fundem para formar as células gigantes multinucleadas. De 8 semanas em diante, o miométrio é invadido pelo citotrofoblasto; esta invasão alcança o seu máximo entre 9 e 12 semanas e é restrita à zona de junção, que então é caracterizada por grande número de células gigantes.
A invasão pelo citotrofoblasto extravilositário intersticial do leito placentário ocorre de 6 a 12 semanas da gravidez e parece também “preparar” as artérias espiraladas para a sua posterior remodelação.
Figura 3.5 ■ Estágios da implantação do blastocisto humano. Uma vez tenha o blastocisto alcançado a cavidade uterina, ele orienta seu polo embrionário (massa celular interna) em direção ao epitélio uterino e abandona a zona pelúcida (eclosão). A exposição das células trofoectodérmicas, altamente adesivas e invasivas, permite a sua ligação e invasão da cobertura epitelial do endométrio. A invasão começa pela formação dos invadopódios, que progridem entre as células epiteliais adjacentes para alcançar a membrana basal. A membrana basal é digerida, permitindo que as células trofoectodérmicas alcancem o estroma endotelial. Algumas células citotrofoblásticas (CTB) se fundem para formar o sinciciotrofoblasto (sincicialização), que invade o endométrio. (Adaptada de Bischof & Irminger-Finger, 2005.)
O período seguinte é a invasão pelo citotrofoblasto extravilositário endovascular nas artérias espiraladas e sua conseguinte remodelação – substituição da estrutura – musculoelástica do vaso por material fibrinoide (com trofoblasto embebido) e reendotelização.
A invasão intravascular se faz em dois estágios: 1a onda de migração, alcançando apenas o
segmento decidual nas artérias espiraladas (a partir de 8 semanas), e 2a onda de migração,
alcançando a zona de junção miometrial (iniciando com 14 semanas); por volta de 18 semanas, as artérias espiraladas apresentam trofoblasto endovascular incorporado na parede do vaso (Figura 3.6).
As artérias espiraladas decidualizadas se convertem em artérias uteroplacentárias, o que resulta em circuito hemodinâmico de baixa resistência entre as artérias radiais e o espaço interviloso.
A remodelação das artérias espiraladas ocorre em 95% dos vasos existentes no leito placentário e em menor número na periferia.
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Na toxemia e no crescimento intrauterino restrito (CIR) há invasão trofoblástica deficiente que não atinge a zona de junção miometrial (ausência da 2a onda de migração), deixando aí intocada a
estrutura arterial, predispondo-a à aterose aguda, com grande limitação do fluxo uteroplacentário. Apenas 10% das artérias espiraladas sofrem remodelação completa na toxemia: é a placentação
anômala superficial.
Figura 3.6 ■ Invasão do leito placentário pelo trofoblasto extraviloso. (Adaptada de Montenegro, C.A.B. & Rezende Filho, J. Medicina Fetal. Atlas Comentado, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1998.)
Placenta
No Capítulo 2 foi descrito o desenvolvimento da cavidade coriônica e das vilosidades e neste capítulo ele pode ser visto na Figura 3.7. A porção do ovo que estabelece intercâmbio com o ambiente é o trofoblasto. Após a nidificação ele prolifera e, dotado de grande poder invasor, penetra pelos capilares e dá início à nutrição hemotrófica, isto é, à custa do sangue materno. O trofoblasto e o tecido de conexão correspondente constituem o cório.
Pela emissão de prolongamentos, aumenta a superfície de trocas. São as vilosidades coriais, inicialmente compostas exclusivamente pelo trofoblasto, e depois contendo eixo de tecido conectivo com rede capilar (Figura 3.8).
No princípio da 4a semana, todos os arranjos para as trocas definitivas entre a mãe e o
embrião estão finalizados.
Até a 8a semana as vilosidades cobrem inteiramente o cório. Com o crescimento, as porções
do cório em correspondência com a decídua basal, mais vascularizadas e diretamente conectadas com o embrião pela circulação alantocorial, desenvolvem-se de modo considerável, constituindo o cório frondoso, que é o principal componente da fração ovular da placenta; é, por essa razão, denominado também cório placentário.
Os demais segmentos do cório correspondem à decídua capsular, e as vilosidades logo regridem, permanecendo algumas vestigiais. É o cório liso, que acolado ao âmnio membranoso, formará as membranas do ovo; é, por isso, nomeado cório membranoso.
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A diferenciação entre o cório liso e o frondoso completa-se ao longo da 12a semana.
Cinco tipos de vilosidades podem ser distintas, levando em conta calibre, características do estroma e estrutura dos vasos (Figuras 3.9 e 3.10):
Vilosidades-tronco: representam as primeiras 5 a 30 gerações de vilosidades e servem de
suporte à árvore vilosa. Elas variam de 100 µm a diversos milímetros em diâmetro e são caracterizadas por estroma compacto fibroso que contêm no centro artérias ou arteríolas, veias ou vênulas
Vilosidades intermediárias maduras: com diâmetro que varia de 80 a 120 µm, originam-se da
última geração de vilosidades-tronco. De sua superfície convexa emergem as vilosidades terminais. Internamente, consistem em estroma frouxo, onde estão embebidas arteríolas caracterizadas por simples camada de células contráteis que conduzem a longos capilares
Vilosidades terminais: representam os ramos finais da árvore vilosa, e do ponto de vista
fisiológico são o componente mais importante. Representam protuberâncias curtas de 200 µm de diâmetro e 50 a 100 µm de largura, que se originam das vilosidades intermediárias maduras. Sua principal característica é o elevado grau de capilarização – mais de 50% do volume das vilosidades terminais está representado por capilares. A espessura do sinciciotrofoblasto não é uniforme na superfície das vilosidades terminais; ao contrário, há áreas em que o trofoblasto é extremamente fino, desprovido de núcleos sinciciais, conhecidas como membranas vasculossinciciais (MVS). Subjacentes a essas áreas, há capilares fetais dilatados, referidos como sinusoides, em que a distância para a difusão entre o sangue materno e o fetal está reduzida para apenas 0,5 a 2,0 µm. A proporção da superfície vilosa ocupada pelas MVS aumenta à medida que a gravidez prossegue para o termo. Em outros pontos da superfície vilosa o sinciciotrofoblasto é relativamente espesso e contém aglomerado de núcleos, caracterizando os nós sinciciais, locais mais importantes das atividades metabólica e endócrina
Figura 3.7 ■ Desenvolvimento da placenta e das membranas fetais. A e B. Embrião de 4 semanas implantado na parede posterior do endométrio. C a F. Cortes longitudinais do útero gravídico da 5a à 22a semana. (Adaptada de Moore, K.L.)
Figura 3.8 ■ Formação das vilosidades coriais. A. Vilosidade primária. B. Vilosidade secundária. C e D. Vilosidades terciárias. (Adaptada de Moore, K.L. The Developing Human, Philadelphia, Saunders, 1973.)
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Figura 3.9■ Tipos de vilosidades coriais. (Adaptada de Benirschke & Kaufmann, 1995.)
Vilosidades intermediárias imaturas: representam continuações periféricas dos troncos
vilosos e estão em processo de desenvolvimento. Muito comuns nas placentas imaturas, sua distribuição no órgão maduro está geralmente limitada a regiões centrais dos lóbulos, caracterizadas por serem desprovidas de vilosidades terminais. Seu estroma é reticular frouxo, onde são encontrados inúmeros macrófagos (células de Hofbauer). Embebidas nas células do estroma estão arteríolas e vênulas
Vilosidades mesenquimais: novamente população transitória vista nos estágios iniciais da
gravidez, em que são as precursoras das vilosidades intermediárias imaturas. São inconspícuas nas placentas maduras, onde representam zonas de desenvolvimento viloso.