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John Murray (1898-1975) foi um dos maiores teólogos presbiterianos do século XX. Enquanto vivo já era tido como um dos principais teólogos reformados no mundo de fala inglesa. Nascido na Escócia, serviu na França durante a Primeira Guerra Mundial antes de se mudar para os Estados Unidos da América. Foi professor de Teologia sistemática no Seminário Teológico de Princeton e no Seminário

Teológico de Westminster. Em Westminster, onde permaneceu até 1966, ano de sua aposentadoria, foi

colega de líderes cristãos como J. Greshan Machen e Cornelius Van Til.

A melhor biografia disponível sobre sua vida foi escrita por Ian Murray, com o títuloThe Life o John Murray, e publicada pela The Banner of Truth Trust .

Murray escreveu vários livros, entre os quais merecem destaque o clássico “Redenção Consumada e Aplicada”[16]  e o excelente comentário sobre a carta aos Romanos.[17]  Deste último extraímos seu comentário sobre a passagem bíblica mais utilizada nas questões de liberdade cristã. Não poucos insistem que devemos nos abster de beber ou fumar por amor ao irmão mais fraco. Estranhamente, pouco se fala da necessidade desses irmãos de se tornarem mais fortes. Afinal, todos nós devemos crescer na graça e no conhecimento. Todos nós precisamos amadurecer. Mas deixemos isso de lado e ouçamos o que o grande teólogo escocês tem a nos ensinar.

 ― Felipe Sabino de Araújo Neto

Comentário sobre Romanos 14

Tornou-se comum, em nosso contexto moderno, aplicar o ensino de Paulo, em Romanos 14, à situação que se origina do excesso no uso de certas coisas, especialmente o excesso de bebidas alcoólicas. A pessoa viciada nestes excessos é chamada de “irmão fraco”, e os não viciados são exortados a se absterem dessas bebidas, em deferência à fraqueza dos intemperantes. Alega-se que os moderados são culpados de colocar pedra de tropeço no caminho dos viciados, pois, devido ao uso que fazem da bebida, praticam algo que induz e serve de tentação para o irmão fraco se entregar ao seu vício. Logo se tornará evidente que esta aplicação é uma completa mudança do ensino de Paulo, constituindo um exemplo do relaxamento com o qual as Escrituras são interpretadas e aplicadas.

(1) Paulo não estava falando a respeito do assunto de excesso no uso de certas qualidades de alimentos e bebidas. Este tipo de abuso não se enquadra na abrangência do assunto abordado pelo apóstolo nesta ou em outras passagens, tal como 1 Coríntios. Os crentes fracos, mencionados em Romanos 14, não eram aqueles que se davam a excesso, mas o oposto. Eram pessoas que se abstinham de certos tipos de alimentos. Os “fracos” acostumados ao excesso não se abstêm; consomem em demasia.

(2) A “fraqueza” daqueles que se entregam a excessos pertence a uma categoria inteiramente diferente daquela abordada por Paulo nesta instância. A “fraqueza” que consiste em excessos é

iniquidade; e a respeito dos que são culpados deste pecado Paulo fala em termos completamente diversos. Os beberrões, por exemplo, jamais herdarão o reino de Deus (1Co 6.10); e Paulo exorta os crentes a que não mantenham companhia, nem mesmo comam juntamente, com alguém que, declarando-se irmão, costuma dar-se à bebida (1Co 5.11). Isto é muitíssimo diferente da exortação de Romanos 14.1 —  “Acolhei ao que é débil na fé”. Não se torna evidente o prejuízo causado à interpretação das Escrituras e ao critério pelo qual a pureza e a unidade da Igreja devem ser mantidos quando os “fracos” em Romanos 14 são confundidos com os intemperantes e alcoólatras?

(3) Mesmo quando consideramos o caso de alguém que se converteu de uma vida de excessos e continua afligido pela tentação de seu antigo vício, não temos uma situação correspondente à de Romanos 14. É verdade que, às vezes, para tal pessoa o custo da sobriedade é a abstinência completa. Os crentes fortes devem manifestar todo o respeito e cautela apropriados, a fim de apoiar e fortalecer tal pessoa em sua luta contra a tentação diante da qual ela tende a sucumbir. Sua “fraqueza”, entretanto, não se assemelha à dos crentes fracos, nas circunstâncias abordadas pelo apóstolo. Estes demonstram a fraqueza dos escrúpulos de consciência; aqueles manifestam a fraqueza da tendência ao excesso; e os escrúpulos religiosos de consciência não descrevem ou definem a sua situação.

(4) Imaginemos o caso de alguém que se converteu de algum tipo particular de excesso. Ocasionalmente, acontece que tal pessoa vem a entreter certo escrúpulo religioso contra o uso daquele tipo de excesso, que antes lhe servira de motivo de vício e, talvez, devassidão. Assim, por motivos religiosos, ela pratica a abstinência completa. Tal pessoa fez um juízo errôneo, tendo falhado em analisar de maneira apropriada a responsabilidade por seus anteriores excessos. No entanto, permanece o fato de que, alicerçado em escrúpulos religiosos, ela se abstém do uso daquela coisa em particular. É um crente fraco na fé e, deste modo, enquadra-se na categoria dos crentes fracos mencionados em Romanos 14. Por conseguinte, as exortações dirigidas aos crentes fortes aplicam-se nesta instância. Entretanto, os excessos anteriores penetram nesta situação somente como elemento que esclarece seus escrúpulos religiosos. Não existe motivo para imaginarmos que a origem dos escrúpulos entretidos pelos crentes fracos de Roma possuía esta natureza. Mas, na ilustração oferecida, a fraqueza continua sendo a de escrúpulos nutridos de maneira errônea. Os fortes devem levar em conta esse escrúpulo religioso, em seu relacionamento com tal pessoa, e não suas tendências ao excesso, sob hipótese alguma. Pois, no caso abordado pelo apóstolo não há qualquer tendência ao excesso.

É óbvio, por conseguinte, que o ensino de Paulo neste capítulo refere-se a escrúpulos originados de convicções religiosas. Este é o princípio sobre o qual repousa a interpretação do trecho e em termos do qual a aplicação se torna relevante. Aplicar os ensinos de Paulo a situações em que tal escrúpulo religioso está ausente é ampliar as exortações além de sua referência e intenção, constituindo, portanto, uma distorção do ensino a respeito desta fraqueza.

Apêndice 2

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