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É possível perceber que o processo de construção de garantias e direitos trabalhistas, incluindo a regulamentação e redução gradativa das jornadas de trabalho resultaram da ação e engajamento de várias atores sociais em várias partes do mundo. Trabalhadores organizados em sindicatos e associações profissionais, em partidos políticos e movimentos sociais construíam aos poucos, suas pautas e reivindicações, enfrentando inclusive processos violentos de repressão por parte dos aparelhos estatais. Cabe ressaltar também a importância da Organização Internacional do Trabalho (OIT) criada logo após a Primeira Guerra Mundial como definidora de normas e recomendações internacionais destinadas a estabelecer relações de trabalho capazes de promover maior justiça social. Um debate atual promovido pela organização diz respeito à necessidade global de geração de empregos decentes. O entendimento da OIT é de que o crescimento econômico dos países deve ser acompanhado por políticas de geração de empregos decentes e que a partir deles é possível diminuir a pobreza mundial, as desigualdades sociais e de gênero. O trabalho decente é aquele que respeita e assegura os princípios e direitos fundamentais humanos, como por exemplo a

liberdade e a igualdade, que seja sustentável e capaz de promover o bem-estar dos indivíduos. Ocorre que cada região do globo possui especificidades econômicas em relação à dinâmica de geração de empregos e salários, uma economia baseada no setor de produtos primários por exemplo, poderá sofrer com flutuações de preços no mercado mundial, ficando refém da demanda e dos acontecimentos externos, ameaçando a geração e sustentação de empregos formais (OIT, 2006)

Em linhas gerais estudos desenvolvidos por órgãos internacionais como a OIT e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) apontam para o aumento do desemprego, da informalidade, a presença marcante de trabalho forçado e trabalho infantil assim como a permanência da pobreza e da desigualdade, demonstrando que apesar de alguns países da América Latina apresentarem algum nível de desenvolvimento econômico, ele não refletiu na vida de muitas pessoas o que em grande medida correlaciona-se com a estrutura do mercado de trabalho:

A estrutura dos mercados de trabalho na América Latina é bastante fragmentada: não apenas quase um terço da força de trabalho total se encontra nas zonas rurais, como mais da metade dos empregos corresponde a trabalhadores independentes, trabalhadores no serviço doméstico, trabalhadores familiares não-remunerados, ou assalariados em microempresas de até cinco trabalhadores. Esses setores não só concentram grande parte da pobreza, mas também da informalidade. E, portanto, do déficit do trabalho decente na região (OIT, p. 7).

Dentre os objetivos estratégicos e transversais elaborados e propostos pela OIT para geração de empregos decentes consta a necessidade de erradicação do trabalho infantil, erradicação do trabalho forçado a partir da conjugação de várias políticas econômicas e sociais. A compreensão do que é trabalho precarizado é complexa e perpassa por vários elementos, a saber, a natureza da atividade, a intensidade, a duração das jornadas, a rotatividade e a subremuneração. Comumente o trabalho precário é compreendido como aquelas atividades que não se sustentam a médio ou longo prazo, perdendo assim sua continuidade devido às circunstâncias cada vez mais transitórias do mundo globalizado ou, aqueles que estão no bojo da informalidade, possuindo assim menor abrangência de direitos e geralmente, menor remuneração (OIT, 2006).

Pode-se compreender também como trabalho precário ou precarizado aqueles que, mesmo gozando da condição de formalidade e estabilidade, são mal remunerados e impactam de alguma forma a vida dos trabalhadores, é o que constatamos em nossa pesquisa, pois nossos entrevistados em sua maioria trabalham no contexto formal, no setor público e privado porém, devido aos baixos salários acabam, por muitos anos, tendo mais de um emprego. Pela perspectiva das jornadas de trabalho, não podemos considerar que uma pessoa que acumule jornadas semanais de trabalho próximas a oitenta horas, gozam plenamente de um trabalho decente. As principais dificuldades vivenciadas pelos entrevistados estão diretamente relacionadas com a questão do reduzido temo livre, é o que se evidencia por meio de afirmações como: “É assim, o tempo livre que eu tenho, que é bem pouco, digamos, eu tenho todas as noites livres a partir das onze da noite. O que eu faço é dormir, muitas vezes dormir sem jantar, por causa do cansaço tá” (Entrevista 07). O reduzido tempo livre impacta negativamente esses trabalhadores que não conseguem repôr a contento suas energias físicas e mentais, convivendo diariamente com a sensação de cansaço e também com privações: “eu acho que tem que viver, e a gente trabalhando em dois lugares, tu não vive muito. Tu consegue se adequar, conforme teus horários e compromissos, mas tu não vive. Porque passar noite em claro não é fácil” (Entrevista 03).

Para dar conta da conciliação de dois trabalhos e de longas jornadas, muitos trabalhadores ignoram certos limites da capacidade do corpo humano como a necessidade de dormir, de se alimentar adequadamente, de praticar atividades físicas e lazer:“uma coisa que eu gostava de fazer era sair para dançar, a gente não faz porque ha… o meu tempo não permite, meu cansaço não permite mais”(Entrevista 02). Trabalhar somente em um lugar e ser melhor remunerado é visto como possibilidade de “ter uma vida normal” e como um ideal futuro a ser seguido, porém incerto. Conforme Robazzi et al. (2012) já existem estudos que relacionam o excesso de trabalho ao favorecimento de doenças físicas e mentais, principalmente entre os trabalhadores da saúde, os quais relatam sentimentos variados de cansaço, exaustão, frustração e ausência de tempo destinado ao lazer. Além disso, os estudos indicam que o excesso de trabalho entre os profissionais da saúde contribui para a maior ocorrência de absenteísmo, acidentes de trabalho e erros de medicação.

4.3 NECESSIDADES REAIS OU CRIADAS?: SALÁRIO, CONSUMO E A FALTA DE