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APÊNDICE I O crucifixo que jorrou sangue

CAPÍTULO 2 O SURGIMENTO DA RCC EM SAPUCAIA

2.4 As origens da segunda modalidade

2.4.3 José Roberto

Bob, irmão de José Augusto, é 10 anos mais novo e o caçula da família. Atualmente diz ser missionário leigo da Igreja Católica Apostólica Romana. Um título que atribui a si mesmo sem que exista qualquer documento ou confirmação das instâncias clericais católicas. No âmbito da RCC de Sapucaia, comumente se pode encontrar pregadores que se auto-intitulam como missionários leigos. Provavelmente no caso de Bob a auto-intitulação seja por conta e aceitação informal de um sacerdote tido como seu diretor espiritual. Com suas palavras, assim discorre:

Meu nome é José Roberto. Tenho 45 anos. Sou Missionário leigo da Igreja Católica Apostólica Romana. Não tenho ligação com nenhum movimento, mas faço parte de uma equipe de evangelização – Missão Shekináh. Temos como nosso diretor espiritual o Padre Francisco, da cidade de Tucumã-MS, onde pregamos retiros e congressos em todo o estado e por todo o país e alguns países da América do Sul. Não possuo nenhuma remuneração fixa, mas dependemos financeiramente da venda de nossos produtos e materiais de evangelização, como os nossos CDs de pregação e músicas. Sou casado e de segunda união. Tenho dois filhos deste casamento e um filho da união anterior. [...] Eu perdi meus pais muito cedo, com 12

anos de idade. Meus pais não tinham religião. Minha família não tinha uma base religiosa. Isto me fez falta. Crescer sem meus pais e sem uma estrutura espiritual me tornou indefeso num mundo violento e material. Me envolvi muito cedo com a prostituição, drogas, tráficos, crimes[...] minha busca por algo concreto durou anos. Perdi amigos na adolescência, convivi no meio da violência, cheguei aos 20 anos de idade doente, sem documentos e morando nas ruas da cidade de São Paulo. Com 21 anos acabei sendo preso e dentro da cadeia então eu pude refletir e percebi que minha vida tinha passado e eu não tinha nada e me sentia ninguém, foi quando eu resolvi buscar a ajuda de Deus. Rapidamente obtive a resposta e hoje sou uma testemunha viva de que Deus existe pois eu o conheci e o experimentei78.

Bob é uma pessoa muito alegre, brincalhona e sabe se expressar diante do público. De voz suave e calma, atrai a atenção de quem o ouve facilmente. Possui também habilidade para cantar. Bob já foi dependente químico e teve episódios em sua vida de relativa dramaticidade, como ter sido preso em flagrante por portar pequena quantidade de entorpecente numa cidade praiana do estado de São Paulo.

Este episódio ocorrera após ter sentido uma crise depressiva pelo uso de drogas durante o Festival Rock in Rio. Em meio ao surto emocional, passou mal e foi colocado em uma ambulância. No momento em que saia do evento, dentro da ambulância, relata alguém ter colocado um papel no bolso de sua camisa. Papel este que iria ler dentro da cadeia pública. Tratava-se de alguma propaganda de igreja falando que Jesus era a solução. De alguma forma, segundo ele, o papel fora um sinal, uma intervenção divina e o fizera pensar sobremaneira em sua vida. Longe dos familiares e sem apoio algum, ficara preso por dois dias. Para ele foram momentos marcantes e decisivos em sua vida, até ser solto mediante fiança paga pelo irmão José Augusto, que o levou de volta à Sapucaia.

Pouco tempo depois, Bob estava sendo Batizado no Espírito Santo num encontro pregado por Mateus Alcântara, em 1990. Já em 1991, seria ele a estar com seu irmão, tocando bateria no “ministério de música79” e dando seu testemunho como um pregador da palavra. Em um desses testemunhos, contados por Bob, estariam Daniel e Tiago, peças chaves na implantação das práticas religiosas das vigílias de oração nos montes.

78 Trecho retirado do Apêndice E, em que José Roberto relata sobre sua vida, a história da RCC em Sapucaia, e sobre as práticas religiosas nos montes.

79 Nome comumente utilizado para os instrumentistas e cantores que animam a música nos grupos de oração de Sapucaia. Tomando Sapucaia como comparação, a realidade da RCC em Portugal é contrária com relação aos ministérios de música que praticamente são inexistentes.

Tal qual o irmão mais velho, Bob trabalhava como vendedor numa loja de tintas e também ficara desempregado por conta dos problemas administrativos dentro da empresa. Fora ele o primeiro a trabalhar com a venda de pães, sendo seguido por seu irmão. Por serem pessoas com capital social e espiritual, utilizavam o campo que se lhes abria como espaço para a subsistência. Após sua saída da loja de tintas, nunca mais viera ser contratado em alguma empresa. Seu trabalho sempre fora informal, seja como vendedor de pães, como vendedor de artigos religiosos, que mantém até hoje através dos encontros e retiros que faz.

Bob também era pregador, mas nunca chegou a ter a agenda lotada como seu irmão. O fato provavelmente de conseguir se manter, mesmo não tendo todos os fins de semana ocupados com suas pregações, é que ele leva seus artigos em encontros religiosos de outras pessoas.

O destaque a ser feito é quanto sua segunda união. Dentro da Igreja Católica, principalmente no ambiente da RCC, a segunda união é motivo de preconceito, não podendo um líder carismático ou quem estiver executando algum serviço religioso, exercer tal atividade. Coordenação de grupo de oração, pregação e música são atividades no universo carismático tidas como as mais importantes e não podem ser exercidas por pessoas que estejam em segunda união. Talvez este seja o motivo porque Bob, mesmo domiciliado em Sapucaia-SP, permaneça mais fora, em Tucumã- MS, pois de alguma forma, em outras cidades, seu estado matrimonial dentro da igreja não precisa ser revelado. Aqui claramente se observa um aspecto da vida sob tensão, nas liminaridades do âmbito social e religioso.