• Nenhum resultado encontrado

Jovens skatistas e a relação com o espaço urbano

No documento Download/Open (páginas 108-112)

Capitulo II – Corpo e juventude: apropriando-se da cidade

2.4. Com a palavra os jovens skatistas

2.4.2. Sistematização e análises das entrevistas com os jovens skatistas

2.4.2.2. Jovens skatistas e a relação com o espaço urbano

O próximo item investigativo no processo de escuta aos jovens skatistas relaciona-se ao tema: Sobre o Espaço Urbano (Enfrentamento, preconceito, etc.). A partir da metodologia do estudo utilizada no processo de análise das respostas dos participantes, decidiu-se separa-lo em cinco questões/perguntas chave aproximadamente. Veja-se abaixo.

A primeira pergunta visou identificar: Que lugares a cidade de Caldas Novas- GO disponibiliza para os jovens vivenciarem seus corpos? De acordo com as falas dos participantes foi possível identificar categorias materializadas nos espaços públicos das praças, ginásio de esportes, pistas de corrida, academias nas praças, campos de futebol, pista de skate, dentre outros.

Entretanto a fala de Pedro (ENTREVISTA, 2017) se diferenciou das demais quando ele afirma que: “[...] tem mais, mais lugares pra turista [...] que é tudo pago [...]”. Implícito no raciocínio do participante está à ideia de que o foco não são os jovens residentes, pois como cidade turística o município supostamente privilegia os sujeitos vindos de outras localidades para se hospedar e terem momentos de lazer – privado do ponto de vista econômico – com suas famílias e familiares.

Esta reflexão encontra eco em Vainer (2013) acerca do processo de privatização das cidades, dos seus espaços urbanos, da perspectiva do Estado Mínimo que opera na esteira do neoliberalismo. Diz o autor: “[...] As populações mais pobres se veem confrontadas a uma gigantesca onda de limpeza étnica e social das áreas que recebem

investimentos, equipamentos e projetos de mobilidade [...]” (VAINER, 2013, p.69). Por isto muda-se o teor do público para a categoria do privado que as cidades têm assumido no atual período da história.

A segunda pergunta indaga aos participantes, o que se segue: Relate sobre suas experiências em vivenciar a prática do skate no espaço urbano. Segundo o que os skatistas relataram nota-se haver três categorias em comum sendo a questão do trânsito, a socialização e sociabilidade, e a possibilidade de ressignificar a cidade.

Para Carlos (2007) a cidade é uma construção de caráter humano que se deu na história ao longo do tempo. Ela é formada por códigos, símbolos, linguagens, interação e espaços aos quais podem ser denominados de urbanos e em meio a esta urbanidade repleta de possibilidades e acessos que os jovens se inserem para também praticarem o skate.

Isto fica perceptível nos dizeres de Marcelo (ENTREVISTA, 2017, grifo nosso) ao alegar que: “[...] a gente têm outros olhos [...] um corrimão que alguém normal num anda, vê e para ‘num dá pra fazê nada’, a gente [...] vê e já ‘nossa da pra mandá uma manobra ali’ [...]”. O pensamento expresso na passagem acima encontra fundamento em Brandão (2008) quando considera que os skatistas, de maneira cultural e simbólica, são capazes de “re-projetar” as cidades sobre o skate e com o corpo em movimento. Por isto, escadas, bancos, corrimãos e outros na perspectiva dos skatistas são utilizados para além de suas funções primárias, ou seja, um banco para além de assentar-se serve para o desafio de executar uma manobra, um movimento.

Pedro (ENTREVISTA, 2017) considera que a prática do skate no espaço urbano é capaz de promover momentos de estar na rua junto aos amigos que promovem encontros significativos do ponto de vista da sociabilidade. Veja-se na fala a seguir: “[...] bom porque é você, o skate e a rua e isso envolve [...] amigos, lugares pra andá [...]”.

A afirmação do jovem skatista é de suma importância por apresentar o caráter humanitário e cultural do skate que permite estar em contado com demais indivíduos em um momento em que os diferentes sujeitos decidem se relacionar por meio de patamar de sociabilidade que os tornam momentaneamente iguais, “abolindo” suas diferenças, mas ainda assim mantendo e preservando suas individualidades. Sobre isto diz Simmel (2006, p.71, grifo do autor):

[...] a sociabilidade demanda o tipo mais puro, claro e atraente de interação, aquela que se dá entre iguais. Pela sua natureza, ela precisa criar seres humanos que se desapegam de seus conteúdos objetivos e que, assim, modificam seu significado interno e externo para se tornarem sociavelmente iguais [...] (SIMMEL, 2006, p. 71, grifo do autor).

No que concerne à terceira pergunta ela se subdivide em duas questões e procura inquirir aos participantes a seguinte indagação: Já sofreu preconceito? Como é a receptividade do público quando veem que você é skatista? Em linhas gerais os jovens skatistas relataram que o preconceito é uma categoria que em um momento ou outro da sua prática já tiveram a experiência de ter que enfrenta-lo. Contudo houve uma exceção que foi a jovem Heleonora (ENTREVISTA, 2017) que relatou: “[...] eu nunca sofri preconceito [...]”.

Como foi majoritário o índice dos que passaram por situações constrangedoras de preconceito concentrar-se-á nesta categoria. A opinião de Leonardo (ENTREVISTA, 2017) é ilustrativa neste debate quando diz que: “[...] os mais velhos muitas vezes me vê e às vezes fica com medo [...]”.

Em pleno século XXI nota-se que de forma consciente ou não a sociedade, os mais velhos que se encontram em outra geração acabam estabelecendo imagens e perfis estereotipados, frutos de preconceitos, que não correspondem ao que os skatistas são verdadeiramente em seu cotidiano, ou seja, sujeitos históricos com demandas para o presente. Devido a este olhar altivo sobre os jovens que a sociedade decide que eles são um problema social a ser solucionado ou contido por políticas públicas que ameaçam e desconsideram as especificidades dos jovens e da juventude (CAVALCANTE, 2010).

Referindo-se a quarta pergunta ela busca descobrir: Quais os maiores enfrentamentos que o (a) skatista passa na rua? Pelas respostas dadas por parte dos jovens skatistas visualizam-se como mais frequentes as categorias do preconceito – incluindo o de gênero sofrido pelas moças skatistas –, possibilidade de se ferir, machucar pelos desafios das manobras, mas também por questões relativas ao trânsito, sendo que houve relatos de que os motoristas não respeitam os skatistas que se movem pela cidade com o seu skate, meio também de transporte54.

54 De acordo com reportagem disponível no sítio eletrônico

<https://www.brasil247.com/pt/247/sp247/303082/Motorista-atropela-pelo-menos-5-skatistas-durante- evento-em-SP.htm>, acessada no dia 31 de Julho de 2017, um motorista atropelou aproximadamente cinco skatistas, no dia 25 de Junho, domingo, que circulavam em movimento por determinada avenida da cidade de São Paulo, cujo trânsito havia sido bloqueado para livre acesso dos skatistas. Os skatistas comemoravam o chamado “Dia Mundial do Skate” – Go skate day –, realizado em diferentes cidades pelo

Algumas destas categorias podem ser observadas nos dizeres de Jaqueline (ENTREVISTA, 2017) quando relata que: “[...] muitas pessoas mexem né, às vezes fazem piada, fala que é [...] lésbica [...]. [...] tem que ter muita esperteza né, pra não ser atropelada e tal [...]”.

No que diz respeito às questões do trânsito ele precisa ser revisto tanto pelos motoristas quanto pelo poder público, haja vista que skates, patins, bicicletas e outros são meios de transportes que além de não poluírem o meio ambiente proporcionam melhoria do condicionamento físico aos seus adeptos.

Contudo, sem desconsiderar este item procura-se refletir sobre a questão de que na rua as moças skatistas acabam sendo recepcionadas por determinada conduta, construção de cunho histórico e sociocultural que acirram os conflitos de gênero ao determinar que apenas jovens do sexo masculino possam ser praticantes do skate.

Tal pensamento demonstra o quanto o machismo ainda está arraigado ao cotidiano das cidades brasileiras que delegam às mulheres as funções do lar, da vida privada e aos homens as funções do mundo do trabalho, do lazer, da vida pública. Acerca do skate feminino Figueira (2008, p.47) ilustra o que foi dito ao mencionar que o skate feminino no Brasil: “[...] como qualquer outra prática corporal e esportiva, é atravessado por relações de poder, promovendo espaços, vivências, oportunidades e sociabilidades distintas para homens e mulheres”.

No que diz respeito à quinta pergunta ela se desdobra em duas questões e dispõem a identificar se: Há grupos de skatistas? Há disputas entre os grupos nas ruas? As respostas presentes nas entrevistas apontam majoritariamente para afirmação positiva, ou seja, existem grupos de skatistas que perambulam pelas ruas da cidade e geralmente as disputas que se dão entre eles se resumem à prática do skate, se configurando em disputas lúdicas para identificar qual skatista é capaz de realizar uma manobra melhor executada do que o outro.

Veja-se nas respostas de Leonardo (ENTREVISTA, 2017) quando explicita que: “[...] conheço três que é a galera do Skate Com Cristo, a Gambiarra Crew55 e Ameiva Crew [...]. Assim, disputa mais é nas manobra [...]”. Nota-se pelo que o participante

mundo. Este dia é comemorado anualmente em 21 de Junho. Contudo, quando a data cai em dia útil os skatistas transferem-no para o primeiro domingo pós dia 21.

disse que existem grupos e que as disputas assumem caráter estético, de jogo, brincadeira, diversão e lazer uma vez que o skate é uma atividade de cunho cultural, simbólico e antropológico assumindo valor exclusivamente humano (RAMPAZZO, 2012).

No documento Download/Open (páginas 108-112)