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Legítima Defesa (art 32º)

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

7. Legítima Defesa (art 32º)

Direito de tutela do direito próprio ou de direito de terceiro  direito de autotutela e por isso sujeito aos limites de todo o direito (limites gerais) e do direito de defesa em particular (limites específicos)

Natureza da Legítima Defesa:

Teoria Subjectivista: a justificação da legitima defesa residiria na ausência de

perigosidade do agente cuja actuação se deveria à coacção psíquica oriunda da perturbação de animo em que se encontra o agredido.

Teoria Objectivista/ Doutrina Moderna: a legítima defesa é completamente

compatível com o estado de plena lucidez mental do agredido e justifica-se antes objectivamente, ou pela colisão de bens jurídicos, devendo prevalecer o mais valioso, que em regra é o agredido ou pelo próprio fim do direito, que é a protecção dos bens ou interesses que coloca sob tutela.

Teoria Dualista (Prof. Germano Marques da Silva): a legítima defesa serve a

protecção de bens jurídicos individuais e a defesa da ordem jurídica. A sua função primordial não é a defesa da ordem jurídica, mas a protecção individual (só através desta protecção se defende a ordem jurídica, protegendo os direitos de cada um é que se protegem os direitos de todos e a própria ordem jurídica).

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Legítima Defesa na CRP: art. 21º - direito fundamental individual expressamente reconhecido pela CRP, impossibilidade de recurso à autoridade pública como requisito da sua legitimidade.

Legítima Defesa na Convenção Europeia dos Direitos do Homem: art. 2º/2 al. a) – a vida só pode ser sacrificada em legítima defesa quando esse sacrifício for absolutamente necessário ‘’para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra uma violência ilegal’’, excluindo-se a morte do agressor para defesa dos bens patrimoniais.

7.1. Agressão e Defesa

Pressupostos da Legítima Defesa (o que faz nascer o direito de defesa)

Agressão: acto ofensivo de interesses juridicamente tutelados, que constituem

tanto objecto contra o qual se dirige a agressão como o objecto da defesa para sua salvaguarda  poe em perigo ou lesa efectivamente um interesse juridicamente tutelado.

 Acção:

 Omissão (desde que o agente da omissão tenha o dever de agir. Ex: a mãe que recusa alimentar o filho (omissão impura)

 Bem Jurídico (qualquer natureza) do próprio defendente  Bem Jurídico (qualquer natureza) de terceiro

↳ Prof. Germano Marques da Silva: parece defensável que se trate de um interesse que possa ser referido a um sujeito determinado como seu titular, sendo de excluir os interesses colectivos ou difusos que não possam caracterizar-se em bens de pessoas concretas.

Actual: estar iminente, ou seja, que ameace executar-se imediatamente, que

está prestes a executar-se, em vias de ocorrer, ou já em execução, mas ainda não acabada. Não é necessário que já se tenham iniciado a execução da agressão, mas não é legítima a defesa preventiva, ou seja, aquela que tem lugar ainda antes da agressão iminente porque neste caso a ameaça pode ser evitada pelo recurso à autoridade pública. Critério para determinar a

iminência da agressão: impossibilidade de reagir de outro modo para impedir

a agressão ou a sua continuação, ou seja a falta de alternativa à reacção defensiva. Deve considerar-se actual a agressão enquanto o perigo para o bem agredido perdura (crimes permanentes) e enquanto a ofensa não se consolida definitivamente (enquanto não ocorre a pacificação da posse)

Ilícita: o acto tem de ser voluntário, ou seja é necessário que seja atribuível à

vontade humana, sendo de excluir os factos praticados em estado de completa inconsciência (sonambulismo ou hipnose) e ainda actos reflexos (pode ocorrer estado de necessidade, mas não legitima defesa). O acto tem de ser contrario à ordem jurídica.

Nota: há agressões não injustas e contra essas não é possível reagir em defesa legítima

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legitima defesa contra actos de legitima defesa ou praticados no exercício do direito de necessidade.

Não existe legitima defesa reciproca: sendo pressuposto do direito de defesa a existência de uma agressão ilícita não é admissível a defesa reciproca porquanto a agressão não pode ser ao mesmo tempo justa e injusta: ilícita para caracterizar a legitima defesa de um, e licita para autorizar a justificativa de outro.

7.2. Necessidade dos meios utilizados para afastar a agressão

Requisitos da Legitima Defesa:

 A defesa para ser legítima tem de ser necessária: o facto para repelir a agressão tem se consistir no meio necessário.

A necessidade só se verificara se o facto idóneo para afastar a agressão for o menos prejudicial entre os meios de defesa possíveis na situação concreta. A necessidade do meio afere-se em razão dos danos causados e será o meio necessário se entre os igualmente eficazes for o que causar dano menor.

Sendo possível o recurso à autoridade pública não há necessidade de defesa privada, pois a defesa dos direitos pertence primacialmente à autoridade pública.

Fuga como meio adequado para a defesa, caso em que, podendo o agredido fugir não poderia utilizar meios mais gravosos, que não seriam necessários?

 Tradicionalmente: excluiria a necessidade da defesa a fuga comoda, fácil para o agredido. A fuga só seria exigível se não fosse desonrosa, porque o Direito não pode promover a covardia. Em suma, a fuga seria exigível quando se não apresentasse como meio desonroso e seria o caso da fuga perante agressão de inimputáveis, de agressões meramente negligentes, de agressões por parte de familiares e em situações análogas.

 Muitos autores consideram-se que a fuga só é de exigir em casos verdadeiramente excepcionais: agressão por parte de inimputáveis ou quando uma fuga fácil permite obter no imediato a ajuda eficaz da força publica.

7.3. Necessidade de Defesa

Necessidade de Defesa: o exercício do direito é ilegítimo quando o titular exceda

manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito. O exercício do direito de defesa não é legitimo quanto abusivo.

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7.4. Animus Defendendi e a Falta de Provocação da Agressão

Doutrina e jurisprudência exigem frequentemente, para além da necessidade do meio, os requisitos da:

não provocação da agressão por parte daquele que defende: CP/86 exigia

que a agressão não fosse motivada por provocação, ofensa ou qualquer crime atual praticado pelo que defende (defesa inculpada)

A agressão provocada não deixa de ser agressão ilícita, salvo se a provocação consistir numa agressão, e sendo assim em princípio não impede o direito de defesa, nomeadamente quando se trate de defender interesses de terceiros, mas também do próprio provocador. Se a provocação não constitui a agressão, a defesa é legítima.

Provocação pré-ordenada: provocação que é feita com o intuito de suscitar uma reação ofensiva por parte do provocado para que o agente provocador possa por sua vez reagir a coberto de defesa, para se defender da agressão do provocado  defesa é ilícita, uma vez que a situação extrema apenas na aparência era de legítima defesa, não passando na realidade de um ardil por ele próprio preparado, verificando-se um abuso do exercício do direito de defesa.

Animus de defesa: a lei refere-se apenas ao ato de defesa como meio

necessário para repelir a agressão, não exigindo que o agente tenha o propósito exclusivo de repelir a agressão.

 Conselheiro Maia Gonçalves: a lei exige o animus defendendi  substituição da expressão ‘’como meio necessário à defesa contra a agressão’’ (projeto) para ‘’como meio necessário para repelir a agressão (CP).

 Prof. Germano Marques da Silva: não concorda com a exigência de tal requisito  Conselheiro Osório, na Comissão Revisora, propôs que em vez de ‘’meio necessário à defesa’’ se dissesse ‘’meio necessário de defesa’’  visava atenuar a exigência do elemento subjetivo.

Ou seja, ‘’meio necessário para repelir a agressão’’

 Não significa necessariamente para defender-se, com a intenção de se defender a si ou a outrem

 Interpretação em sentido objetivo, independentemente do animus do agente que repele a agressão  o agente tem de conhecer que esta perante uma agressão atual ilícita e reagir para afastar a agressão, mas a motivação do agente defendente pode ser outra que a não de se defender (ex: vingança).

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7.5. Proporcionalidade entre a agressão e a defesa e a defesa recíproca

Prof. Germano Marques da Silva: requisito da proporcionalidade entre a agressão e a defesa não consagrado pela lei penal como requisito intrínseco do direito de defesa.

Embora não se encontre consagrada a proporcionalidade enquanto requisito da legítima defesa (ao contrário do que sucede na legítima defesa no CC, ou no direito de necessidade no CP), tal não impede que em certas situações seja de exigir uma certa proporcionalidade entre a agressão e a defesa, sob pena de se verificar um abuso de direito.

 Agressão de inimputável ou seja clara a falta de culpa do agressor

 Para a defesa seja necessário sacrificar bens necessariamente superiores aos que seriam sacrificados pela ofensa, sobretudo quando se trate de prejuízos reparáveis.

 Art. 2º/2 al. a) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: só admite a morte de uma pessoa quando esse sacrifício for absolutamente necessário ‘’para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra uma violência ilegal’’, exclui a morte do agressor para a defesa de bens patrimoniais.

7.6. A Exigência de Conhecimento da Situação Objetiva de Justificação

Muitos autores defendem o conhecimento da situação de legítima defesa, ou seja, o conhecimento da situação de agressão que legítima a defesa.

O agente que pratica um facto que objetivamente é um ato que afasta uma agressão iminente ou em execução sem ter consciência dessa agressão e com a intenção de por em perigo ou lesar bens jurídicos pratica ou não um ato objetivamente desvalioso?

Prof. Germano Marques da Silva: a legítima defesa é um direito e a legitimidade do seu exercício exige que o agente realize o fim social do direito. Se o agente não tem consciência de que esta perante uma situação de defesa, o seu ato não prossegue fim algum. Deste modo, se o agente que sem saber se antecipa à agressão atual da vítima, não age em legítima defesa.

7.7. Excesso de Legítima Defesa

Se o meio empregador não for o necessário a defesa é excessiva e por isso não é legítima: o facto praticado sem observância do requisito da necessidade constitui crime, uma vez que ainda que seja destinado a afastar uma agressão atual e ilícita não respeita os limites do direito de defesa indo para além do que a lei permite  ato ilícito.

A defesa excessiva é ato de defesa, mas a defesa não é legítima.

A previsão autónoma do facto ilícito praticado em excesso de legítima defesa tem simplesmente que ver com as circunstâncias em que esse facto ilícito é praticado e que determinam um especial regime de punição.

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Se o defendente se excede na defesa esta a ir alem do seu direito, a desrespeitar os limites do direito de defesa, e deste modo o ato praticado, se constituir facto típico, é ilícito.

Tipos de Excesso:

 Excesso Intensivo (art. 33º): o excesso de defesa caracteriza-se pelo uso de meios desnecessários para repelir a agressão (mais graves, mais intensos, do que o que seria necessário) e só o facto praticado como meio necessário é justificado, lícito (art. 32º).

 Excesso Extensivo: factos praticados quando já não há agressão. O defendente como que estende a sua atividade para além do momento em que a agressão ocorrera, mas já não esta a defender-se, a afastar uma agressão que já não existe.

Interpretação do art. 33º/2: a regra geral é a de que o facto de o crime ser cometido em excesso, seja negligente ou doloso, pode beneficiar de uma atenuante de natureza especial com os efeitos previstos no art. 73º. Se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto não censuráveis o agente não será punido, pois onde falta a censurabilidade do comportamento carece o fundamento para a punição. A não censurabilidade refere-se a perturbação, medo ou susto e por isso a lei diz que não são censuráveis

7.8. A defesa putativa. Defesa putativa e excesso de legítima defesa

Defesa Putativa: situação em que os pressupostos da legítima defesa não se verificam,

mas que, por erro, são considerados pelo agente como se existissem na realidade  pura situação de erro de facto (aplicação do art. 16º/2 e 3).

Excesso de Legítima Defesa: embora o excesso possa ser devido a erro de facto (sobre

a intensidade da agressão, da necessidade do meio de defesa, da própria execução da defesa)  tratando-se de erro fica desde logo excluído o dolo e pode também ser excluída a negligência se o erro não for devido a falta de cuidado.

7.9. Legítima Defesa e Direito de Resistência

Direito de Resistência (art. 21º CRP): defesa contra atuações de autoridade; direito

individual, de defesa de direitos, especificamente de Dtos, liberdades e garantias.

Resistência Passiva: não cumprimento da lei ou na não execução do ato

opressivo; quaisquer atos do poder (leis (Auto exequíveis), atos administrativos ou atos de outras categorias  atos de qualquer função do Estado podem infringir direitos, liberdades e garantias)

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Positiva: fazer o que é vedado

Resistência defensiva: repelir pela força, ripostando à violência com a

legítima defesa; resposta à agressão com legítima defesa.

Resistência agressiva: sob a forma de rebelião ou sedição, tendente à

revogação das leis injustas, à anulação dos atos opressivos e à própria mudança de governo

Art. 21º da CRP  consagra a resistência individual passiva e defensiva não só em

relação aos poderes públicos como nas relações entre particulares, permitindo a todos repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.

Direito de resistência constitui uma causa de justificação.

Pressupostos do Direito de Resistência:

 Ato injusto do poder ou dos particulares que ofenda os direitos, liberdades e garantias e direitos análogos

 Ato de resistência traduz-se na desobediência, mas ainda a oposição à execução da ordem.

Requisito do Direito de Resistência:

 Impossibilidade de recurso à autoridade pública

7.10. O Direito de Defesa Jurídico-Civil (art. 337º CC)

É mais restrita a defesa civil na medida em que exige o requisito da proporcionalidade entre a agressão e a defesa do que a defesa penal.

No exercício da defesa ao abrigo da causa de justificação penal, o ato de defesa se for desproporcional à agressão, não é defensável que o ato de defesa lícito para o direito penal se transforme em ato de agressão ilícito para o direito civil, permitindo agora a defesa do agredido.

CP revogou o art. 337º CC na parte em que exige que o prejuízo causado pelo ato de defesa não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.