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3. A TIPIFICAÇÃO DA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA ANTES E APÓS A LEI

3.1 ANTES DA LEI FEDERAL N.º 13.718/18

3.1.3 Legislação para além do Código Penal

Vale destacar que a legislação infraconstitucional poderia ser aplicável a depender das circunstâncias do caso concreto. Se a pornografia de revanche envolvesse vítima menor de idade, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) seria aplicável. Por outro lado, se houvesse uma relação íntima de afeto entre a vítima e aquele que cometeu o revenge

porn caberia a aplicação da Lei Federal n.º 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha,

visto que esta visa coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo que a conduta de expor e humilhar a vítima pode ser entendida como um tipo de violência psicológica e moral, como será visto a seguir.

3.1.3.1 Lei Federal n.º 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Se o caso de revenge porn envolver menor de idade, a pessoa responsável pelo compartilhamento do conteúdo íntimo tem a possibilidade de responder por crimes relacionados à pornografia infantil, previstos no ECA69.

Nesse sentido, vale destacar os seguintes artigos desse dispositivo legal:

Art. 240 - Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)

Art. 241-A - Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)

68Comunicação feita por Alexandre Salim em 18/08/2018 por vídeo no YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6dKoDl0QCus&t=9s>. Acesso em 10 jun. 2019.

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa70.

Diante da previsão legal acima, nota-se que os artigos citados possuem aplicabilidade específica nos casos em que a pornografia de vingança, assim como condutas afins, é praticada contra vítima menor de idade.

3.1.3.2 Lei Federal N.º 11.340/06 – Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, elencando, em seu art. 7º, diversas formas de violência que a mulher pode vir a sofrer, quais sejam: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV- a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V- a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria71.

Diante disso, tanto a violência psicológica como a violência moral são plenamente caracterizadas nos casos de pornografia de vingança, visto que a exposição íntima sem

70BRASIL. Lei Federal n.º 8.069/90. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 12 jun. 2019.

71BRASIL. Lei Federal n.º 11.340/06. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 07 jun. 2019.

consentimento causa inúmeros gravames nas duas esferas da vida da mulher: atinge questões psicológicas assim como sua reputação e boa fama. Além de a conduta ser caracterizada como violência de gênero, já que as mulheres são as maiores vítimas da pornografia de revanche, pode ser considerada também violência doméstica e familiar, pois acontece em um contexto em que há o vínculo entre vítima e agressor, sendo os agressores, em sua maioria, ex-parceiros ou parentes.

Conforme o art. 2º do dispositivo:

Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social72.

Outrossim, o art. 5º do dispositivo estabelece:

Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II- no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação73.

Sendo assim, vale destacar o conteúdo do inciso III, pois se houver um relacionamento íntimo entre a vítima e o autor do revenge porn a aplicabilidade da Lei Maria da Penha se mostra possível. Essa questão, vale ressaltar, independe de coabitação.

Por fim, o art. 41 da Lei Maria da Penha afasta a questão dos benefícios trazidos pela Lei Federal n.º 9.099/95, até mesmo quando se tratar de crime de menor potencial ofensivo – caso dos crimes contra a honra anteriormente vistos:

Art. 41- Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 199574.

72Idem.

73Idem.

Dessa forma, diante da aplicabilidade da Lei Maria da Penha, os benefícios em questão não são aplicáveis, sendo irrelevante a pena do crime.

3.1.3.3 Lei Federal N.º 12.737/12 – Lei “Carolina Dieckmann”

Vale mencionar ainda a Lei Federal n.º 12.737/12, vulgarmente conhecida como Lei “Carolina Dieckmann”, que inseriu o art. 154-A no Código Penal a fim de punir a conduta de invadir dispositivo informático. A referida lei ganhou notoriedade com a repercussão do caso no qual a atriz Carolina Dieckmann teve seu computador invadido e seus arquivos pessoais subtraídos, culminando na publicação de fotos íntimas que rapidamente se disseminaram nas redes75.

De acordo com o dispositivo em questão, a invasão deve ser de dispositivo informático “alheio” e “mediante violação indevida” de “mecanismo de segurança” 76.

A seguir, o texto legal do art. 154-A:

Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)77.

Tal artigo não trata diretamente da conduta do revenge porn, porém, a invasão de sistema de informática privado pode ser um meio utilizado com o objetivo de subtrair e posteriormente divulgar conteúdo íntimo, sendo esta divulgação a possível prática da pornografia de vingança.

75OLIVEIRA JÚNIOR, Eudes Quitino de. A nova Lei Carolina Dieckmann. Disponível em: <https://eudesquintino.jusbrasil.com.br/artigos/121823244/a-nova-lei-carolina-dieckmann>. Acesso em 09 set. 2019.

76CABETTE, Luiz Eduardo Santos. Primeiras impressões sobre a Lei n.º 12.737/12 e o Crime de Invasão de

Dispositivo Informático. Disponível em:

<https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/178777820/primeiras-impressoes-sobre-a-lei-12737-12-e-o-crime-de-invasao-de-dispositivo-informatico>. Acesso em 24 jun. 2019. 77BRASIL. Lei n.º 12.737/12. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm>. Acesso em 13 jun. 2019.

Destaca-se, portanto, que a referida lei trata da garantia da segurança de dados nesse contexto, não sendo exaustiva no sentido de punir o agressor, uma vez que o diploma legal não trata da divulgação do conteúdo em si, mas sim das situações que envolvem a invasão de dispositivos informáticos78.

3.1.3.4 Lei Federal N.º 12.965/14 – Marco Civil da Internet

A lei em questão, popularmente conhecida como Marco Civil da Internet, representou um importante passo para a investigação dos envolvidos nos casos de pornografia de vingança, tratando ainda da responsabilidade civil dos sites hospedeiros assim como dos mecanismos de busca79.

O Marco Civil da Internet surgiu a fim de estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para a utilização da internet no Brasil. Com relação ao revenge porn, a lei pode ser aplicável no que tange ao fato de ser obrigatória a retirada de conteúdos ofensivos, seja de sites,

blogs ou redes sociais, por meio de ordem judicial, com a consequente responsabilização por

parte daquele que produziu ou divulgou o conteúdo. Além disso, é proibido violar a intimidade ou a vida privada de outros usuários, assim como divulgar ou compartilhar mensagens, vídeos ou imagens ofensivas.

Sendo assim:

Fica muito mais fácil para a autoridade policial chegar ao autor de um revenge porn, saber quem foi a primeira pessoa a divulgar o vídeo e quem deu continuidade, a cadeia de divulgação que o vídeo teve. Portanto, fica mais fácil investigar, processar e punir quem faz a postagem e quem espalha, analisa o advogado Ronaldo Lemos, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) 80.

Dessa forma, o dispositivo em questão tem importância diante da retirada do material exposto da rede mundial de computadores, pois, como se sabe, o conteúdo exposto na internet é de fácil propagação, mas de difícil remoção. Com o advento dessa lei, portanto, a vítima da

78BANQUERI, Poliana. Nova lei representa avanço no combate à pornografia de vingança. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-out-01/poliana-banqueri-lei-avanco-pornografia-vinganca>. Acesso em 19 jun. 2019.

79Op. Cit. BUZZI, Vitória. 2015.

80IRAHETA, Diego. Pornografia da Vingança: Marco Civil da Internet facilita punição e obriga sites a tirar

vídeos íntimos do ar. Disponível em:

pornografia de vingança ganhou uma ferramenta para a tutela da sua intimidade e privacidade frente a este evento danoso81.

Nesse mesmo sentido, afirma Buzzi:

Deve-se reconhecer o importante avanço que o Marco Civil da Internet representou para estes casos, especialmente por agilizar o processo de retirada do material íntimo dos sites em que circulam. Esta é uma importante medida para as vítimas, especialmente se levarmos em consideração que a recusa e a demora dos administradores de sites em indisponibilizar o material representa um ponto de enorme sofrimento na vida das mulheres82.

O Marco Civil da Internet, portanto, mostrou-se como um avanço em relação ao conteúdo íntimo sem consentimento exposto, objeto da pornografia de vingança, visto que facilitou sua retirada da rede.

3.2 A LEI FEDERAL N.º 13.718/18 E A INSERÇÃO DO ARTIGO 218-C NO CÓDIGO

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