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CAPÍTULO I – O PAPEL DO DIREITO ELEITORAL NA CONSOLIDAÇÃO

1.2 Tratamento legal brasileiro

1.2.4 Lei 9.096/95 Lei dos partidos políticos

O prazo da Lei Complementar 64/90 não era suficiente. Se o candidato quisesse concorrer ao mesmo cargo, isso seria possível, posto que as eleições para o mesmo cargo acontecem no país sempre de 4 em 4 anos. Além disso, a inabilitação do candidato, que antes dependia do trânsito em julgado da condenação, agora independe dessa sentença transitada materialmente, bastando decisão colegiada, ainda que contra ela tenha sido interposto recurso.

Os partidos políticos possuem previsão constitucional e há uma forte tradição brasileira nesse sentido. Em relação à Constituição Federal de 1988, ela alçou os partidos à categoria de pessoa jurídica de direito privado, assegurando-lhes auto- organização e autonomia interna corporis. Por estarem no centro das disputas eleitorais, afirma-se que o Brasil vive uma democracia de partidos, os quais estabelecem as regras e procedimentos para a participação no pleito eleitoral, determinando, ainda, filiação obrigatória do candidato na busca pelo poder político.

Os partidos possuem regras de democracia interna que vinculam as agremiações partidárias ao princípio da legalidade. Nesse sentido, foi instituída uma disciplina legal específica, que busca a plena realização do dispositivo constitucional previsto no art. 17, o qual prevê autonomia partidária, complementada pela Lei 9.259/96. Nesse sentido, o art. 3º da Lei nº 9.096 fixa: “É assegurada, ao partido político, autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento”.

A Lei nº 9.096/95, combinada com a redação dada pela Lei nº 9.259/96, ambas em concordância com o estabelecido pela CF/88, estipula que os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, devendo ter seus atos constitutivos registrados no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e os estatutos registrados no Tribunal

Superior Eleitoral. A Lei nº 9.259/96 afastou a necessidade de registro dos atos constitutivos na Justiça Eleitoral. Dessa forma, os partidos promovem os registros de seus estatutos e comunicam à Justiça Eleitoral as eleições de seus dirigentes e a filiação de seus militantes.

O art. 18 desse instituto legal estabelece: “Para concorrer a cargo eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias e proporcionais”.

Esse prazo mínimo é considerado inconstitucional por alguns doutrinadores, como Roberto Amaral e Sérgio Sérvulo da Cunha (Manual das Eleições, p. 670), por entenderem que a Carta Magna apenas exige filiação partidária, sem menção a nenhum período mínimo.

É dever enfatizar o art. 26 lei dos partidos políticos, que determina a perda automática da função ou cargo exercidos, na respectiva Casa Legislativa, em função da proporção partidária, para o parlamentar que deixar o partido ao qual era filiado no momento em que foi eleito. De acordo com o legislador, o candidato se identifica com as ideias e princípios estabelecidos no programa e no estatuto partidário, e exerce seu mandato conforme as diretrizes legalmente estabelecidas pelo partido.

A rigor, o candidato depende dos votos da legenda, no modelo de eleição proporcional. De fato, o voto unipessoal dificilmente elege um candidato a deputado, seja ele estadual, seja federal, seja ainda um vereador. Para resolver essa questão, existe o quociente partidário, resultado dos votos dados aos partidos e aos candidatos. É por isso que o mandato não pertence ao candidato, mas ao partido, e o eleito perde seu cargo, na hipótese de infidelidade partidária.

A esse respeito, devem os partidos respeitar os ditames constitucionais e legais, aplicando essa determinação de forma ponderada, pois, do contrário, poderia haver uma verdadeira ditadura partidária. Nesse diapasão, Clève aponta que esse instituto

[...] não pode desviar-se de sua finalidade, que é a manutenção da coesão partidária, para permitir a persecução de objetivos outros que não aqueles legítimos (desvio de finalidade). Nem pode, ademais, transformar o parlamentar em mero autômato, em boca sem vontade,

destinado apenas a expressar, sem independência e violentando a consciência e a liberdade de convicção, as deliberações tomadas pelos órgãos partidários, nem sempre constituídos por titulares de mandatos conferidos pelo eleitorado.102

Em outubro de 2007, o STF decidiu que o parlamentar eleito poderia perder o seu mandato, caso mudasse de legenda partidária. Consulta do DEM103 ao TSE provocou a possibilidade de perda de mandato ao político que trocasse de partido, ficando estabelecido que o mandato não pertencia ao político, mas ao partido ao qual ele é filiado.104

Apesar de outras consultas com o mesmo questionamento terem sido propostas anteriormente, como a consulta n. 9.948/89, a posição do TSE e do STF havia sido, por 19 anos (entre 1988 e 2007), a de que, na falta de previsão legal, não há punição para parlamentar que muda de partido após uma eleição.

Essa situação mudou com a Consulta nº 1.398/07, que perguntava: “[...] os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional quando houve pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleitos por um partido para outra legenda?” E, dessa vez, a decisão do TSE foi no sentido de que, se havia obrigatoriedade constitucional de o candidato de ser vinculado a um partido político, os partidos têm o direito de preservar os mandatos de parlamentares que deixam o partido. A estratégia usada nessa nova consulta foi a de não fazer referência à perda do mandato, mas apenas definir a titularidade desse mandato, se ele era do partido ou do candidato. Com um voto em desacordo, proferido pelo Min. Marcelo Ribeiro, ficou definido que era do partido.

Os partidos, amparados nessa resposta, dirigiram-se à mesa diretora da Câmara dos Deputados para ocupar as vagas dos deputados que haviam migrado de partido.

102 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade partidária – estudo de caso. Curitiba: Juruá, 1998, p. 26. 103 O PFL alterou sua denominação para Democratas (DEM), em março de 2007. A simbiose é

profunda. Aqui, adotamos apenas DEM.

104 A punição com a perda de mandato a parlamentar que deixasse o partido pelo qual foi eleito foi

prevista pela primeira vez, no país, pela EC nº 1/1969, instituída durante o governo militar, modificando a redação do art. 152 da Carta de 1967.

Como a mesa indeferiu o requerimento, os partidos ingressaram com mandados de segurança105

Todavia, houve uma divergência quanto ao marco temporal, que foi resolvida com modulação da decisão do STF, prevista pela Lei nº 9.868/99, § 27, que permite ao Supremo o controle sobre os efeitos práticos de suas decisões, possuindo autorização legal para restringir a lei no tempo e espaço. No caso da fidelidade partidária, o marco temporal definido foi a partir da decisão do TSE na resposta à consulta nº 1.398/07. Somente as migrações realizadas após essa data seriam passíveis de reivindicação pelos partidos.

junto ao STF, que confirmou a tese do TSE.

É fácil entender que a excessiva mudança de partidos deforma a representação popular e que a mudança de legenda ofende a soberania popular. Porém, quando a Constituição estabelece exceções a hipóteses ou direitos, ou essas exceções estão expressas no texto constitucional, ou é dada uma autorização expressa para que uma lei o faça. Isso provoca um comprometimento do Legislativo, no sentido de lhe exigir atuação para garantir efetividade das normas. E, se o Legislativo se mantém inerte, deve ser acionado por outros mecanismos, para que, assim, seja garantido o equilíbrio e a harmonia dos poderes.

A jurisprudência do STF havia sido dominante, sempre entendendo que a troca de partido não é causa de perda de mandato. Esse novo entendimento, sem uma previsão legal, e oriundo de uma consulta feita ao TSE, é um resultado do ativismo judicial, uma prática preocupante, que se tem tornado corriqueira e que desrespeita o princípio da separação de poderes.