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CAPÍTULO 2 LETRAMENTO LITERÁRIO E A FORMAÇÃO DO LEITOR DO

2.1 Letramento Literário

Segundo Magda Soares (2004a, p.6), o termo letramento é “inventado” no Brasil ao mesmo tempo que em outros países, como a França e os Estados Unidos, em meados de 1980. Tal termo surgiu da necessidade de “reconhecer e nomear práticas sociais de leitura e escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler e do escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita”.

Segundo a autora, nos países desenvolvidos, apesar de haver uma universalização da alfabetização, percebeu-se que parte da população, principalmente jovens e adultos mais desfavorecidos socialmente, não dominava as competências e habilidades de leitura e de escrita necessárias a uma participação social efetiva. No Brasil, o desenvolvimento social, cultural, político, ligado muitas vezes ao capital econômico, amplia a necessidade de desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita para a formação do sujeito enquanto cidadão e profissional.

O conceito de letramento vem atrelado inicialmente à ideia de alfabetização. Apesar de letramento e alfabetização serem processos que se relacionam, as especificidades de cada um desses fenômenos precisam ser consideradas porque o letramento abrange toda a vida (escolar e não escolar) do estudante. Deve-se, portanto, buscar salientar a diferença entre letramento e alfabetização. Esta relaciona-se às habilidades de ler e escrever, enquanto aquele se aproxima do termo literacy, da língua Inglesa, referindo-se às práticas sociais de leitura e escrita e da inserção do sujeito nessas práticas.

O letramento não está apenas vinculado aos anos escolares iniciais. Ao contrário, é um processo contínuo que se dá por meio do contato e uso de gêneros e práticas de escrita e leitura. Durante o Ensino Médio, os jovens passam a vivenciar práticas de letramento diferentes daquelas vividas durante a infância. Assim, faz-se necessário, neste capítulo, evidenciar o conceito de letramento e letramento literário, para melhor

compreender as propostas de formação literária para o jovem que se encontra no Ensino Médio, foco da nossa pesquisa.

A partir de seus estudos, Street (2003) apresenta dois modelos de letramento: “modelo autônomo” e “modelo ideológico”. O primeiro, como o próprio nome diz, é autossuficiente quanto ao seu funcionamento. Esse modelo parte do pressuposto de que o letramento é uma prática de habilidade meramente técnica e neutra, funcional independente do contexto e da cultura. Em oposição ao modelo autônomo, Street apresenta a ideia de “modelo ideológico” de letramento, em que se considera uma multiplicidade de letramentos. Para este modelo, leitura e escrita são práticas que estão associadas a relações de poder e de ideologia e, nessa perspectiva, seria mais adequado pensar o letramento a partir da dimensão do contexto social.

Magda Soares, ao refletir sobre a dimensão social do letramento, e em diálogo com Street, afirma:

Letramento não pode ser considerado um “instrumento” neutro a ser usado nas práticas sociais quando exigido, mas é essencialmente um conjunto de práticas socialmente construídas que envolvem a leitura e a escrita, geradas por processos mais amplos, e responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições e formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais. (SOARES, 1998, p.75)

Segundo essa perspectiva, não se pode pensar simplesmente na oposição letramento/iletramento, pois estamos diante de um processo muito mais complexo quando se focalizam as práticas de leitura e de escrita, em contextos sociais múltiplos e culturalmente diversificados.

Os estudos sobre o letramento têm contribuído para o redimensionamento do ensino de língua e literatura na escola, tanto nos anos iniciais em que acontece a alfabetização, quanto nos anos finais do Ensino Fundmental e no Ensino Médio. O conceito de letramento literário, termo utilizado por Graça Paulino em “Letramento literário: a questão dos cânones literários” (2004), advém dos estudos sobre letramento. Em 2010, sobre o tema a autora afirma:

O letramento literário, como outros tipos de letramento, continua sendo uma apropriação pessoal e consciente, de práticas sociais de leitura/escrita, que não se reduzem à escola, embora passem por ela. (PAULINO, 2004, p. 58)

Rildo Cosson (2006), em Letramento Literário: teoria e prática, defende, assim como Paulino (2004), que a escola é um espaço onde o aluno deve aprender a extrapolar os limites de entretenimento que a leitura literária proporciona e ressalta que o importante é que o aluno leia para fruição. Para o autor, o letramento literário é um processo contínuo de apropriação de uma linguagem, a literária, que deve iniciar desde a primeira infância e que se estende ao longo da vida de uma pessoa a cada vez que ela tem uma experiência de leitura literária, seja por meio das canções de ninar, de livros infantis, romances, filmes, novelas.

Cosson afirma que, no espaço escolar, o letramento literário possui quatro características fundamentais: pelo contato direto com a obra; pela construção de uma comunidade de leitores; pela ampliação do repertório literário; e por atividades sistematizadas e contínuas que tenham por objetivo desenvolver a competência literária (COSSON, 2014).

O pesquisador ainda defende que a formação de um leitor competente envolve: ler diversos e diferentes textos; ler de diversos modos; ler para conhecer o texto que nos desafia e que responde a uma demanda específica; ler e avaliar o que lê; ler para aprender a ler.

É assim que, por meio da leitura da literatura, temos acesso a uma grande diversidade de textos, pois é próprio do discurso literário a multiplicidade das formas e a pluralidade dos temas. [...] A leitura literária conduz a indagações sobre o que somos e o que queremos viver, de tal forma que o diálogo com a literatura traz sempre a possibilidade de avaliação dos valores postos em uma sociedade. Tal fato acontece porque os textos literários guardam palavras e mundos tanto mais verdadeiros quanto mais imaginados, desafiando os discursos prontos da realidade, sobretudo quando se apresentam como verdades únicas e imutáveis. Também porque na literatura encontramos outros caminhos de vida a serem percorridos e possibilidades múltiplas de construir nossas identidades. (COSSON, 2014, p. 49-50)

Segundo o autor, essas e outras características do aprendizado da leitura encontram na literatura um campo ideal para seu desenvolvimento.