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Agora vamos abordar as várias questões levantadas pela neurociência cognitiva. Em primeiro lugar, os neurocientistas cognitivos frequentemente superestimam seus acha- dos, presumindo que existem ligações um a um entre os processos cognitivos e as áreas cerebrais (Brown, 2012). Assim, por exemplo, a ativação em uma pequena região do cérebro (uma “bolha” – blob) é interpretada como sendo a “área do amor” ou a “área da religião”. Essa abordagem foi referida indelicadamente como “blobology”.

TERMO-CHAVE

Especialização funcional

Suposição de que cada área ou região do cérebro é especializada para uma função específica (p. ex., processamento das cores, processamento facial).

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A “blobology” está em declínio. Contudo, ainda existe um crédito indevido à infe-

rência reversa – um pesquisador infere o envolvimento de determinado processo cog-

nitivo a partir da ativação em uma região do cérebro específica. Eis aqui um exemplo. Indivíduos expostos a informações relacionadas a uma ameaça normalmente apresentam ativação da amígdala (parte do sistema límbico; Sander, 2009). Isso fez muitos pesquisa- dores concluírem que a amígdala é central para o sistema do medo.

O que há de errado com essa conclusão? Outra pesquisa demonstrou que o pro- cessamento da maioria das emoções está associado à ativação da amígdala (Lindquist et al., 2012; ver Fig. 1.7). Isso ilustra um problema essencial com a inferência reversa – a maioria das regiões cerebrais está envolvida em diversos processos cognitivos dife- rentes e, portanto, a ativação de uma área do cérebro não é muito informativa (Brown, 2012). Isso foi demonstrado claramente por Yarkoni e colaboradores (2011), que con- sideraram as áreas de ativação cerebral em 3.489 estudos. Algumas áreas do cérebro (p. ex., córtex pré-frontal dorsolateral, córtex cingulado anterior e ínsula anterior) fo- ram ativadas em 20% dos estudos. Tais áreas estão envolvidas em diversos processos cognitivos diferentes.

Em segundo lugar, é muito difícil transpor a divisão existente entre processos e conceitos psicológicos por um lado e padrões de ativação cerebral por outro. Como Harley (2012) apontou, pode ser que nunca consigamos encontrar padrões cerebrais que correspondam exatamente a processos psicológicos como “atenção” ou “planejamento”. Conforme Harley (2012, p. 1372) concluiu: “Nossa linguagem e nosso pensamento po- dem não se dividir da mesma forma como o cérebro implementa esses processos”.

TERMO-CHAVE Inferência reversa Quando aplicada à neuroimagem funcional, envolve a discussão de um padrão de ativação cerebral até a presença de determinado processo cognitivo. Amígdala 60 50 40 30 20 10 0

exp per exp per exp per exp per exp per

Raiva Desagrado Medo Felicidade Tristeza

a. Ínsula 60 50 40 30 20 10 0

exp per exp per exp per exp per exp per

Raiva Desagrado Medo Felicidade Tristeza

COFL 60 50 40 30 20 10 0

exp per exp per exp per exp per exp per

Raiva Desagrado Medo Felicidade Tristeza

CCAp 60 50 40 30 20 10 0

exp per exp per exp per exp per exp per

Raiva Desagrado Medo Felicidade Tristeza

y = –5 x = 48

z = –4 x = 1

Figura 1.7

Proporção de estudos sobre experiência (exp) e percepção (per) de vários estados emocionais (raiva, desagrado, medo, fe- licidade e tristeza) mostrando a atividade da amígdala. COFL = córtex orbitofrontal lateral; CCAp = córtex cingulado anterior pregenual.

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Em terceiro lugar, a maioria dos estudos por neuroimagem tem baixa potência, ge- ralmente usando 20 participantes ou menos. Isso produz o seguinte problema: “a maioria das análises de IRMf irá detectar apenas uma fração dos verdadeiros efeitos, produzindo uma ilusão enganosa de ativação ‘seletiva’” (Yarkoni et al., 2010, p. 489). Uma solução para isso é combinar os achados entre os estudos. Como já foi mencionado, Yarkoni e colaboradores (2011) consideraram 3.489 estudos a partir dos quais foram identificados 100.953 pontos de ativação. Isso aumentou enormemente as chances de identificação da maioria dos verdadeiros efeitos, ao mesmo tempo reduzindo a porcentagem de falso- -positivos. Também tornou muito mais fácil identificar com precisão quais processos cognitivos estavam associados à ativação em determinada área.

Em quarto lugar, resultados falso-positivos (i.e., concluir erroneamente que a ati- vidade randômica em uma área do cérebro é uma ativação relevante para a tarefa) são comuns e podem ocorrer em até 15% das vezes (Yarkoni et al., 2010). Falso-positivos ocorrem porque a maioria dos estudos por neuroimagem produz grandes quantidades de dados, e alguns pesquisadores não corrigem seus limiares estatísticos (valores p neces- sários para a significância) para levá-los plenamente em conta.

Bennett e colaboradores (2009) forneceram um exemplo divertido de um achado falso-positivo. Eles pediram que cada participante determinasse as emoções nas figuras de pessoas em situações sociais. Quando não corrigiram seus limiares estatísticos, houve evidências significativas de ativação cerebral (ver Fig. 1.8). A característica interessante desse estudo era que o participante era um salmão morto! Assim, sabemos com certeza que o “achado” era um falso-positivo.

Em quinto lugar, a maioria das técnicas de imagem cerebral revela apenas associa- ções entre os padrões de ativação cerebral e o comportamento. Por exemplo, o desem- penho em uma tarefa de raciocínio está associado à ativação do córtex pré-frontal. Tais associações são puramente correlacionais e não mostram que as regiões cerebrais ativa- das sejam essenciais para o desempenho da tarefa. A ativação cerebral também pode ser causada pelo fato de os participantes se engajarem no monitoramento desnecessário de seu desempenho ou prestarem atenção a outros estímulos além da tarefa.

A TMS oferece uma solução parcial para essa questão de causalidade. Pode- mos mostrar que determinada área é necessária para o desempenho de uma tarefa des- cobrindo que a TMS perturba esse desempenho. No entanto, as complexidades dos efeitos dessa técnica no cérebro muitas vezes significam que é necessária cautela na interpretação.

Em sexto lugar, muitos neurocientistas cognitivos pressupõem que a maior parte da atividade cerebral é orientada por demandas do ambiente ou da tarefa. Se essa supo- sição for correta, poderemos esperar atividade na maior parte do cérebro em resposta a tais demandas. Surpreendentemente, esse não é o caso. De fato, o aumento na ati-

, , , , , Figura 1.8

Áreas mostrando maior ativação em um salmão morto quando são apresentadas fotos de pessoas do que quando em repouso.

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vidade cerebral que ocorre quando alguém realiza uma tarefa cognitiva normalmente acrescenta menos de 5% à atividade cerebral em repouso. Isso é provavelmente muito menos do que o consumo de energia cerebral dedicado à atividade intrínseca dentro do cérebro que ocorre em ambientes não estimulantes.

Por que o cérebro é tão ativo mesmo quando o ambiente não é estimulante? Parte da resposta é que as pessoas frequentemente dedicam recursos cognitivos para prever mudanças ambientais futuras (Raichle, 2010). No entanto, o achado de que os padrões da atividade cerebral são semelhantes em diferentes estados de consciência, incluindo coma, anestesia e sono de ondas lentas, sugere que a atividade cerebral mais intrínseca reflete o funcionamento cerebral básico. Em consequência da atividade cerebral intrín- seca, o desempenho da tarefa é com frequência associado à redução na atividade cere- bral em algumas regiões do cérebro, em vez de aumento esperado.

Em sétimo lugar, a neurociência cognitiva compartilha com a psicologia cogni- tiva problemas de validade ecológica (aplicabilidade à vida diária) e especificidade do paradigma (os achados não se generalizam entre os paradigmas). Na verdade, o proble- ma da validade ecológica pode ser maior na neurociência cognitiva. Os participantes em estudos com IRMf (a técnica mais usada) deitam de costas em condições um tanto claustrofóbicas e barulhentas e têm seus movimentos restringidos – nada parecido com a vida diária!

Gutchess e Park (2006) compararam os efeitos de estar dentro de um aparelho de IRM ou simplesmente no laboratório na memória de reconhecimento de longo prazo. A memória piorava de forma significativa no scanner, possivelmente porque ele oferecia um ambiente que distraía mais ou criava ansiedade.

Em oitavo lugar, precisamos evitar “a ilusão da neuroimagem”, que envolve su- pervalorizar a contribuição das imagens da atividade cerebral para a compreensão da cognição humana (ver Cap. 14). Keehner e colaboradores (2011) apresentaram artigos de neurociência acompanhados por imagens do cérebro. Quanto mais tridimensionais as imagens pareciam, mais positivamente os artigos eram avaliados. Esse é um exemplo concreto da ilusão da neuroimagem: Em 28 de agosto de 2007, o jornal The Guardian ti- nha a seguinte manchete: “Exames do cérebro localizam como os chocólatras se tornam dependentes”. Em essência, os pesquisadores envolvidos (Rolls & McCabe, 2007) ha- viam descoberto que a visão do chocolate produzia mais ativação nos centros de recom- pensa do cérebro em viciados em chocolates do que em não viciados. Assim, os achados que tanto impressionaram o jornal The Guardian nos dizem apenas que os chocólatras acham o chocolate gratificante (Beck, 2010)!