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Luta e resistência camponesa na ditadura militar.

INTRODUÇÃO 23 CAPÍTULO 1 QUESTÃO AGRÁRIA, LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E

CAPÍTULO 3. A FORMAÇÃO DA VIA CAMPESINA NO BRASIL E SUAS AÇÕES TERRITORIAIS

1. QUESTÃO AGRÁRIA, LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO BRASILEIRO

1.1 MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO: UMA GEOGRAFIA DE LUTAS

1.1.2 Luta e resistência camponesa na ditadura militar.

Em 1964 é deposto o governo de João Goulart pelas forças militares se inicia o período de maior repressão às lutas sociais com a ditadura militar. O contexto dessa época é marcado pelo rejuvenescimento do modelo de industrialização em aliança profunda com o capital estrangeiro (STEDILLE, 2002). Conforme destaca Stedille (2002) e Medeiros (2003), esse período foi marcado pela desnacionalização da indústria brasileira, pelo aumento da dívida externa, de empresas multinacionais e da industrialização da agricultura.

No período anterior à ditadura militar, o debate da reforma agrária estava em evidência no cenário nacional em decorrência da pressão popular. As Ligas Camponesas estavam articuladas no cenário nacional e seu modo de ação estava pressionando os setores conservadores. Assim como, o MASTER, articulado no Rio Grande do Sul23, e a Igreja progressista, estavam presentes na luta camponesa e aumentavam a pressão popular. Vale também destacar a instituição das Leis Delegadas. A Lei foi um instrumento de João Goulart para pressionar o Congresso na aplicação da reforma agrária. Contudo, os conservadores impediram a aplicação e João

23 Como comentado no tópico anterior, nesse período o MASTER estava perdendo suas forças

Goulart apenas conseguiu a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural em 2 de março de 1963, que tornava lícita o sindicalismo rural. No mesmo ano, em 7 de outubro, o Congresso ao rejeitar a proposta de emenda, João Goulart, buscou o Decreto para viabilizar a desapropriação. Segundo Oliveira (2007) o decreto de João Goulart foi barrado por conta da legalidade executiva para normatizar a questão agrária que deveria ser tratada pelo Congresso Nacional.

[...] João Goulart havia encaminhado ao Congresso um projeto de lei que alterava o artigo da Constituição que previa indenização prévia em dinheiro para as desapropriações, passando a mesma a ser feita em títulos da dívida pública. O projeto previa também, a desapropriação das terras situadas às margens das rodovias e dos açudes públicos federais, ou seja, o governo procurava orientar-se pelo princípio de que "o uso da propriedade está condicionado ao bem-estar social, não sendo a ninguém lícito manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade" (BANDEIRA, 1977, p. 164-165)

Contudo, com a instauração da ditadura militar, os avanços da luta camponesa construída até então se esvaeceram.

Medeiros (2003) ao analisar a diferença do debate da reforma agrária nos anos 50 até os anos 70, afirma que a reforma agrária nos 50 e 60 contava com o apoio de partidos políticos e intelectuais. Já no ano 1965, com a dissolução dos vários partidos, e a regulamentação do bipartidarismo e, portanto, a perda da influência dos partidos esquerda na luta social e a forte repressão política iniciada no ano de 1968 com o período conhecido por Anos de Chumbo, o debate da reforma agrária perdeu sua força. Porém, o tema da reforma agrária não foi totalmente esquecido graças à persistência dos poucos que resistiam. Todavia, essas lutas estavam dispersas e espacializadas no país, tendo uma luta desfragmentada e sem uma coesão perdendo, portanto, a força da reforma agrária, como uma demanda nacional, como nos anos 60. Conforme explica a autora, mesmo com a luta abafada, o tema da reforma agrária não deixou de se fazer presente [...]

[...] pois era alimentado pela persistência da luta por terra e dos conflitos que se davam de forma dispersa e atomizada, fomentados por um ideal camponês que se configurava no modelo familiar de

produção. Ele enraizava-se nas experiências dos trabalhadores, alimentando suas resistências cotidianas, mas tinha pouco espaço para se tornar visível, visto que era intensa a repressão às organizações populares e a censura aos meios de comunicação (MEDEIROS, 2003, p.27)

Segundo Novaes (2002), como consequência do controle da ditadura militar, o termo camponês foi proibido de ser usado e pronunciado na imprensa, em organismos de representação e de assistência técnica, e em substituição, utilizou-se outros termos, menos políticos e mais generalizado, como o termo de trabalhador rural.

Na ditadura militar foi criado mecanismo para acalmar e controlar o avanço da luta pela terra, como o Estatuto da Terra. De acordo com Fernandes (2010) e Medeiros (2003), o objetivo do governo em criar o Estatuto da Terra não era de aplicar a Lei, e sim de controlar os conflitos por terra. A seguir, uma análise de Medeiros (2003, p.24) sobre esse período:

Com o Estatuto da Terra, o Estado absorvia grande parte das reivindicações que afloraram na década anterior e disciplinava-as de forma a trazer a demanda por terra para os parâmetros de uma agricultura modernizada, produtiva e capaz de atender às exigências do que então era o padrão idealizado e desejado de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a legislação transformava a noção de direito à terra em um conjunto de normas que previa em que circunstâncias esse direito poderia se fazer valer, constituindo não só uma base legal para demandas como também um sistema de definições e enquadramentos. Em suas ambiguidades, ele instaurou as bases para uma disputa que se estende até os dias de hoje sobre as condições de obtenção de terras para a reforma agrária propriedades que podem ser desapropriadas e em que circunstâncias se constitui o direito à terra

De acordo com Feliciano (2009), os militares acreditavam que os problemas fundiários se resolveriam por meio do progresso econômico e dessa forma, o governo militar incentivou as grandes empresas e os latifúndios aumentaram a produção por meio de subsídios fiscais24. Outro ponto importante a se destacar, é que no Estatuto da Terra previa que os latifúndios que não cumprissem a função social da terra deveriam ser desapropriados para fins de reforma agrária. Entretanto, esse ponto foi colocado de

24 Tal política vinculada é aquela oriunda da Revolução Verde, do GATT, FMI e Banco Mundial

lado e esquecido em favor da modernização tecnológica das grandes propriedades (MEDEIROS, 2003).

Outro ponto é que o regime militar buscou controlar as forças sociais no campo com os sindicatos rurais como no caso da CONTAG.

Segundo Medeiros (2003), a década de 70, portanto, simbolizou o refluxo das lutas contendo manifestações abafadas, perseguições às organizações de trabalhadores e censura política. Com isso, iniciou-se uma nova discussão sobre o desenvolvimento e o caminho do país, que implicou num novo rumo na questão agrária, através do incentivo da modernização da agricultura por meio da Revolução Verde e do avanço capital estrangeiro no Brasil.

Nessa década, o palco da luta no campo foi tomado majoritariamente pelos posseiros, principalmente, na região da Amazônia. Sobre a definição de posseiro, Martins (1995, p.103) compara o mesmo com outras figuras do campo e traz a seguinte definição que ajuda a entender a diversidade de sujeitos presentes:

[...] o lavrador que trabalha na terra sem possuir nenhum título legal, nenhum documento reconhecido legalmente e registrado em cartório que o defina como proprietário, é classificado como ocupante de terra, nos censos oficiais, ou como posseiro, na linguagem comum. O posseiro não deve ser confundido com o agregado, figura que vai desaparecendo do nosso mundo rural: este é o homem que mora na propriedade de um grande fazendeiro, com direito de fazer sua roça e com a obrigação de prestar serviços ao proprietário, como trabalhador ou como capanga. Não deve também ser confundido com arrendatário ou com o parceiro: essas são pessoas que pagam renda em dinheiro ou espécie ao proprietário em troca do direito de fazer suas lavouras. Menos ainda deve ser confundido com o grileiro uma figura que se tornou muito comum na história rural brasileira nos últimos cem anos aproximadamente: esse é o homem que se assenhoreia de uma terra que não é sua, sabendo que não tem direito a ela, e através de meios escusos, suborno e falsificação de documentos, obtém finalmente os papéis oficiais que o habilitam a vender a terra a fazendeiros e empresários.

Segundo Medeiros (2003), as terras da região da Amazônia foram transferidas, por meio de políticas públicas, para proprietários particulares, sobretudo, para as empresas de grande capital industrial e financeiro. Além disso, nesse período instigou- se a executar projetos de colonização que visavam ocupar terras inabitadas e inóspitas

no Sul do país. De acordo com Fernandes (2010) os projetos de colonização foram tentativas inúteis de minimizar os conflitos por terra. Nas palavras de Martins (1995, p.136):

A problemática da Amazônia não é uma problemática estritamente econômica. Os militares desenvolveram uma doutrina de ocupação dessas regiões que é chamada ‘doutrina de ocupação dos espaços vazios’ e que eu pessoalmente chamo de doutrina de esvaziamento dos espaços ocupados, porque é uma doutrina de expulsão do homem para colocação do boi [...].

A luta dos posseiros da Amazônia tornou-se a principal luta pela terra no período da ditadura militar. Segundo Oliveira (2007, p.124-125) entre os diversos mecanismos criados para legitimar a ocupação na Amazônia, como o Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA) cuja política além de não respeitar o Estatuto da Terra com a desapropriação, não combatia os latifúndios.

Como se pode observar, o PIN, o INCRA e o PROTERRA formavam um esquema articulado nos bastidores do governo militar. Ou seja, criava o governo do General Médici um programa que simplesmente contrariava o Estatuto da Terra, que previa a desapropriação através de pagamento com “Títulos da Dívida Agrária”. Entretanto, através do PROTERRA, passava esta desapropriação a ser feita “mediante prévia e justa indenização em dinheiro” (alínea “a” do artigo 3). Estava estabelecido mais um elo da “contra-reforma agrária”, ou seja, uma reforma a favor dos latifundiários. [...] o PROTERRA era parte significativa da estratégia do governo no sentido de apresentar ao mundo financeiro capitalista e à própria sociedade brasileira que era possível fazer “reforma agrária” sem violência e sem a contrariedade dos latifundiários nordestinos.

Outra corrente relevante neste momento é da Igreja, mais especificamente, da Igreja vinculada com a Teologia da Libertação25 - ou, como já afirmado anteriormente, é da igreja com base progressista liderada pelo dom Hélder Câmara.

Löwy (2000) considera a Igreja brasileira, embasada na Teologia da Libertação, como um caso excepcional na América Latina por ter sido a única no continente em

25 Para compreender mais sobre a Teologia da Libertação indicamos a leitura do capítulo 3 na

parte específica sobre a origem da Comissão Pastoral da Terra na obra de Mitidiero Junior (2008)..

conseguir influenciar decisivamente os conflitos sociais. O autor também ressalta que a Igreja Católica brasileira é a maior no mundo. Mitidiero Junior (2008) considera que a Igreja libertadora26 nesse contexto específico, foi a principal via a influenciar o surgimento de sindicatos, partidos e movimentos sociais. Destacaremos mais sobre o significado a Teologia da Libertação no subitem específico sobre a criação e significado da Comissão Pastoral da Terra, cuja organização é decorrente da Teologia da Libertação.

As correntes citadas foram essenciais para o fortalecimento e a atual configuração da luta camponesa no Brasil.

1.1.3 A retomada dos movimentos sociais do campo na redemocratização