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GALOS, GALINHAS,

3.2 A luta pela terra no Pontal do Paranapanema e os princípios da formação do MST

A luta pela terra no Pontal do Paranapanema e a formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra está atrelada às experiências de movimentos anteriores na região (FERNANDES, 1994). Para melhor compreendermos sua origem e formação optamos por remontar à trajetória de luta e atuação do Movimento dos Sem Terra do Oeste de São Paulo. Sua experiência na disputa pela Fazenda Primavera em Andradina - SP configurou-se em um grande tentame que contribuiu para a criação e articulação de um movimento socioterritorial que foi uma das bases do MST na região. Apesar das experiências mais isoladas de luta pela terra na região como foi o caso da Fazenda/Gleba Santa Rita, o Movimento dos Sem Terra do Oeste de São Paulo se conformou como um movimento socioterritorial organizado que iniciou o processo de arregimentação dos trabalhadores rurais entre outros.

Fernandes (1994, p. 80) faz uma análise meticulosa sobre a luta dos trabalhadores rurais e posseiros do oeste do estado de São Paulo cujo marco de organização e luta foi o conflito pela fazenda Primavera que se localizava nos municípios de Andradina, Castilho e Nova Independência. Segundo o autor a base histórica que fundamenta a problemática e conflitualidade que emergiu o movimento remonta à década de 20 com o processo migratório de nordestinos, mineiros e imigrantes que vieram para a região com o escopo de adquirir terras. Assim como o Pontal do Paranapanema, explicitado anteriormente, a fazenda primavera também tem enraizamentos na prática da grilagem. Abdala, “proprietário” da fazenda, manteve relações com parcela significativa de posseiros que se alocaram em sua fazenda sob a condição de cobrar deles a renda da terra, venda exclusiva da produção para o proprietário e outras condições como a de preços elevados das mercadorias no armazém da propriedade. Essas práticas ainda estavam repletas de irregularidades e de fraudes quanto à pesagem da produção e altas taxações (FERNANDES, 1994, p. 80).

Fernandes aponta que estas práticas caminhavam no sentido de através do endividamento expropriarem os posseiros e de torná-los dependentes do proprietário. Outras táticas que o autor apresenta sobre o processo expropriatório foi o de expansão da pecuária na fazenda e a ação de jagunços que controlavam a entrada e saída da fazenda, prejudicavam a lavoura dos posseiros ao soltar o gado nelas e mantinham práticas expropriatórias embasadas na violência como aponta Fernandes:

José Sobreiro Filho

Existiram outros tipos de violências, que caracterizam muito bem a história da expropriação, como por exemplo botar fogo nas casas dos posseiros, assassinato de um trabalhador e ameaças de morte aos outros por parte dos jagunços, etc. (1998, p. 81)

Diante desta situação conflituosa e da intensa violência e abuso que os posseiros vinham passando, os mesmo optaram por se organizar para lutar contra a opressão do “proprietário” conforme apresenta Fernandes, Apud Fernandes (1994, p. 81):

“[...] em setembro de 1979, cansados de tentar em vão um acordo com os administradores da fazenda Primavera, 120 agricultores foram ao Fórum da Comarca de Andradina, solicitar intervenção judicial para impedir que 5 mil cabeças de gado continuassem destruindo suas lavouras. A partir desta época, realizam-se constantes reuniões entre trabalhadores, a Comissão de Justiça e Paz local, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e o Presidente da FETAESP, com o objetivo de buscar uma solução para o problema.” (FERNANDES, 1985, p. 54- 55)

A luta dos posseiros contou com o apoio da igreja, logo com a formação da CPT – Comissão Pastoral da Terra (local), e da FETAESP - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado de São Paulo. Segundo o autor a aproximação da CPT com o movimento dos posseiros contribuiu significativamente para a construção dos espaços de socialização política. Fernandes (1994, p. 82) aponta que o processo de organização e reflexão de luta levou dez meses. Depois, com intermédio da CPT, foi contratado um advogado para veicular a luta na esfera jurídica. Com o desenrolar da luta e aumento da pressão muitos posseiros sofreram ameaças, mas de fato a luta progrediu, sobretudo, na organização dos posseiros (Fernandes, 1994 apud Fernandes, 1985)132. As mulheres, que até então não tinham voz ativa, também foram mobilizadas pela equipe pastoral. Fernandes (1994, p. 84) destaca que a participação e a troca de experiências desenvolvidas no cotidiano dos trabalhadores contribuíram muito neste processo em busca de algo novo e da superação dos problemas, sobremodo, porque:

O novo se explicita pela criação da práxis, da resistência e controle sobre o seu próprio espaço. Assim procuram as saídas, as alternativas, para uma realidade determinada. Estas são encontradas na construção de novas realidades, na conquista de novos espaços. (FERNANDES, 1994, p. 84)

Os avanços organizativos dos posseiros surtiram efeitos e ameaçou os interesses dos proprietários. Houveram várias ações de protesto e violência contra as conquistas do

132 Fernandes aponta que houvera significativo avanço sobre a reflexão da “realidade vivida” e organização de grupos de base e realização de assembleias para realizar o debate das reflexões (1994, p. 82).

José Sobreiro Filho movimento e contra as novas formas de resistência. No entanto, mesmo com a forte repressão e ameaças dos jagunços, os posseiros foram vitoriosos na luta pela fazenda primavera. Segundo Fernandes (1994, p. 84) a vitória ocorreu em 8 de julho de 1980 com o decreto de desapropriação da fazenda e em 1981 os primeiros títulos foram entregues à 264 famílias de posseiros e no início de 1982 um grupo de 13 famílias de boias-frias que lutavam por uma área remanescente da fazenda foram incorporados durante a elaboração do projeto de assentamento. De acordo com o autor foram “Das experiências dessas lutas começa, na região de Andradina, o processo de formação do Movimento dos Sem Terra do Oeste do Estado de São Paulo” (1994, p. 84).

Fernandes (1994, p. 85) aponta que a primeira ação do Movimento dos Sem Terra do Oeste do estado de São Paulo foi a realização da ocupação por um grupo de aproximadamente 50 famílias em uma área que tinha sido destinada à Associação dos Moradores da Fazenda Primavera, mas que teria ficado praticamente abandonada. As famílias foram despejadas e acamparam na rodovia SP 563 e posteriormente, devido à ocupação, o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Segundo Fernandes:

Estes trabalhadores em organização, que se autodenominaram Movimento dos Sem Terra do Oeste de São Paulo, começaram então a enviar representantes aos encontros da CPT e a participar da articulação “com outros estados onde existe o Movimento dos Sem Terra (como Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). (MST, 1983:37).

Esta conquista ficou, então, registrada na memória da luta e nos documentos do MST como o princípio da história da organização do Movimento no estado de São Paulo. (FERNANDES, 1994. p. 85)

Assim com o surgimento Movimento dos Sem Terra do Oeste de São Paulo a luta pela terra no oeste do estado de São Paulo passa a tomar novas configurações e mais força. A articulação com demais movimentos camponeses emergentes e a conquista da fazenda Primavera foram as mais significativas neste período. De fato a vitória da fazenda primavera sinalizou uma possibilidade e a abertura para os caminhos dos movimentos fortalecendo a luta e impulsionando a luta e a articulação com demais movimentos camponeses apontada por Fernandes (1994, p. 85) representou um salto importante para o movimento tanto na intensificação da luta quanto no início da formação do MST no estado de São Paulo. É de fundamental importância destacar que a maior parte do salto realizado pelo movimento devia-se à superação dos problemas

José Sobreiro Filho políticos, às trocas de experiência, à articulação com a CPT e o intercambio com os novos movimentos emergentes que o movimento construiu a partir das lutas diárias.

Fernandes (1994, p. 86) aponta que assim como se estabelecia o Movimento dos Sem Terra do Oeste do Estado de São Paulo na região de Andradina outros movimentos também se estabeleciam nas demais regiões como: Alta Noroeste, Alta Sorocabana, Araraquara, Campinas, Campos de Itapetininga e a Baixa Ribeira. Estes que eram formados por posseiros, atingidos por barragens, boias-frias, desempregados rurais e urbanos e ex-arrendatários, aos poucos, iam se articulando e fortalecendo a troca de experiências (FERNANDES, 1994, p. 86).

O surgimento dos movimentos camponeses em todo o estado de São Paulo e suas experiências de luta serviram como condições mínimas para o estabelecimento do MST. Essas condições, sobretudo a organização e comunicação entre os movimentos camponeses emergente, serviram de estrutura para o estabelecimento do MST. É fundamental destacar que desde o surgimento do Movimento dos Trabalhadores do Oeste do Estado de São Paulo a luta pela conquista de um território para a sua reprodução social estava presente e que no transcorrer da luta foi se tornando cada vez mais presente. A articulação destes movimentos socioterritoriais camponeses para a formação do MST no estado de São Paulo contou com importante participação e em grande parte foi viabilizada pela CPT. Seu intermédio contribuiu no sentido de vincular as lutas emergentes no oeste do estado de São Paulo com o MST que se estabelecia no Sul do país de maneira que culminou na formação do movimento no estado e sua participação do movimento em nível nacional:

Neste momento da luta, a CPT articulou a aproximação dos movimentos sociais em processo de formação e os movimentos que executavam as suas primeiras experiências, como por exemplo: o Movimento dos Sem terra do Oeste do Estado de São Paulo, trabalhadores sem terra do Pontal do Paranapanema e o Movimento dos Sem Terra de Sumaré, etc. Algumas das lideranças desses movimentos participaram das reuniões da Coordenação Regional do Sul. Inclusive uma das reuniões da Coordenação foi realizada em Araçatuba. Essa Articulação promovida com o apoio da CPT contribuiu na fundação do MST a nível nacional e para a formação do MST no estado. Assim, sob a coordenação da CPT, foi realizado no dia 1 de maio, no salão paroquial da igreja Nossa Senhora das Graças, em Andradina, o primeiro encontro com o objetivo de se organizar um movimento a nível estadual. (FERNANDES, 1994. p. 87)

Estes foram os primeiros passos na formação do MST no estado de São Paulo e na criação de uma luta que unificava os movimentos camponeses emergentes criando