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1.3 A Importância do Luto

1.3.2 Luto nas Crianças

Antigamente, a morte ocorria, geralmente, dentro de casa, existindo a possibilidade da despedida do paciente terminal com os seus familiares. Mesmo que a morte acontecesse fora do ambiente doméstico, o velório e as últimas homenagens eram realizados no contexto familiar. A casa ficava em sinal de luto e os familiares recebiam apoio dos vizinhos e da comunidade.

Neste cenário, a criança participava ativamente de todos os rituais, explicavam- lhe o acontecido, recebia as condolências junto com os familiares, assistia ao velório, missa e o enterro. Proporcionavam-lhe espaço para viver o luto à sua maneira, podendo chorar, participar das conversas, como também vivenciar o sofrimento juntos (LALANDA, 1996).

Nos últimos tempos, com a passagem da morte para o hospital e os rituais fúnebres para os centros de velórios, a criança perdeu a oportunidade de vivenciar esses momentos. Ela tende a ser poupada desse processo, sendo enviada, na maioria das vezes, para a casa de familiares e amigos, onde permanece afastada da situação (BOWLBY, 2004). Mesmo assim, a criança percebe o clima tenso que a rodeia e a ansiedade que os adultos tentam disfarçar. Surgem daí, as desconfianças e inseguranças, começando a aparecer algumas perguntas.

Aberastury (1984) realizou um estudo sobre crianças que haviam sofrido algum tipo de perda e percebeu que quando a criança perde um ente querido, falar sobre a morte pode aliviá-la, ajudando-a a elaborar o luto. Dar permissão para que elas falem sobre seus medos, fantasias e culpas são necessários para o enfrentamento da morte.

No entanto, conversar com crianças sobre morte é um desafio. Geralmente, não se sabe o que dizer e todos desejam que a criança não sofra. A sociedade tenta pacificar isto, tentando convencer que crianças são “resilientes”, deste modo, deixam de reconhecer que as crianças necessitam, tanto quanto os adultos, de apoio e esclarecimentos para suportar a perda (Kroen, 1996.). De acordo com esse autor, existem mitos que reforçam esse pensamento dos adultos, que são comentados nos parágrafos seguintes.

Crianças não entendem a morte. Muitas pessoas não acreditam que as crianças, principalmente as muito novas, tenham algum conceito sobre morte. A criança pode não ter um claro entendimento do porquê de algumas coisas, no entanto ela reagirá as mudanças ocorridas no lar e com as pessoas. Crianças sentem a tristeza, porém não é igual aos adultos.

Todos sentem a tristeza de um mesmo modo, numa mesma ordem e de forma lógica. O sentimento de perda não se dá de uma forma única, com estágios, que ao

completar um se passe para o próximo, de um único modo. Cada pessoa possui um comportamento único para expressar suas emoções, vivenciando sua tristeza de um modo particular. Quando nós determinamos que todos irão experimentar a perda de um ente querido da mesma forma, estamos negando a infinita variedade das relações humanas.

É muito cedo para as crianças lidarem com a tristeza. É inútil tentar esconder a morte de algo ou alguém para criança, pois ela irá responder as mudanças do ambiente, igualmente se elas não entendem a razão das mudanças. Muitas mudanças de comportamento podem ocorrer, como demanda de atenção, perdas dos horários da rotina, distúrbios no sono e na alimentação, regressões e outros. Todos são sinais que a criança expressa alguma mudança na sua vida. Ela não sabe a razão porque algumas coisas estão acontecendo, mas ela sente as emoções de tristeza que estão ocorrendo.

Crianças são resilientes. Muitos adultos consideram as crianças como “bolas de borrachas” para enfrentar experiências difíceis. Quando não são dadas explicações apropriadas, as crianças irão criar suas próprias respostas e explicações sobre suas dúvidas. Crianças vêem e escutam tudo, mas falta a perspectiva e experiências necessárias para tirar conclusões apropriadas. É um erro pensar que somente porque a criança está brincando no pátio, ou rindo com um desenho animado na TV, ela não está passando por um momento de angústia. Crianças, como adultos, necessitam de muita compaixão, compreensão e suporte dos adultos para trabalharem, por completo, suas emoções em relação a perda.

Perdas na infância sempre deixam um mal ajustamento na vida adulta. Uma perda durante a infância é certamente uma experiência traumática, mas isso necessariamente, não trará danos na vida adulta. Se a criança recebe apropriado suporte durante o acontecido, ela aprenderá a lidar com a morte de um modo adequado. Do contrário, crianças que não recebem suportes apropriados, provavelmente não aprendem a enfrentar perdas e podem, muitas vezes, reagir de modo inadequado e desenvolver um comportamento destrutivo.

Crianças não são afetadas pela tristeza dos adultos. Pensar isso é um grande erro. Crianças são como “esponjas”, absorvem tudo que vê, escuta e toca. Ninguém escapa da visão delas. Elas são afetadas pelas expressões que vêem dos adultos. Isso não

quer dizer que elas são afetadas de forma negativa. Muitos adultos expressam seus sentimentos de perdas de modo efetivo e apropriado, e a criança aprenderá, através da observação, esse estilo de lidar com a tristeza. Crianças podem aprender a serem amáveis, tolerantes e compreensíveis, através da observação da maneira de agir de um adulto significativo. Como também, podem se tornar impacientes, intolerantes e cruéis. Crianças que recebem comunicação honesta e suporte necessário, irão aprender a lidar com suas emoções, de modo saudável e construtivo.

Falar do defunto com a criança irá abrir novas feridas. Isto é comumente sustentado por muitas culturas. Muitas famílias escondem fotos e proíbem falar sobre o defunto na frente das crianças, para que não abra novas feridas, e com o intuito da criança esquecer a pessoa. Pessoas morrem, mas não deixamos de amá-las, e as memórias servem para nos deixar conectadas. Encorajar as crianças e também os adultos a compartilharem as memórias, muitas vezes, ajudam a aceitarem a perda e as mudanças das relações, porque ninguém para de amar alguém somente porque ela morreu, podemos continuar conectados de uma forma positiva e apropriada.

Crianças devem ser protegidas e defendidas da dor. Muitos adultos acreditam nisso, simplesmente porque eles não podem enfrentar suas próprias reações de perdas. Perda não é fácil. Sentir dor é o preço que pagamos por amar alguém que morre. Crianças podem ser orientadas a lidar com sua própria dor, com o suporte de um adulto, que ajudará a entender e aprender como aceitar todas as emoções da vida.

Crianças enfrentam a dor mais facilmente se elas têm mais atividades. Um erro comum quando trabalhamos com crianças. Isto é baseado mais no fato do medo que os adultos têm em responder as questões das crianças. Desta forma, acredita-se que se deixarmos a criança muito ocupada ela não terá tempo nem energia para pensar, compreender a perda, e questionar com os adultos, o que eles não sabem e que os adultos não querem responder. Crianças percebem o que está acontecendo ao redor delas, e elas irão pensar sobre a morte mesmo quando estiverem ocupadas jogando ou calmamente deitadas na cama. Estabelecer e manter uma linha de comunicação é o modo mais positivo de ajudar a criança a superar o processo de perda e dor.

Crianças não sofrem muito porque elas entendem menos. Isto reflete a má- percepção que se tem da criança, partindo do pressuposto que, como ela não entende ela não sofre muito. Todavia o oposto também é verdade. Devido a pouca informação e experiências limitadas, elas podem se ver mais assustadas e deprimidas se as informações e o suporte não forem permitidos. Crianças precisam de informações adequadas a sua idade, habilidades para identificar suas emoções e modos para expressar, de forma apropriada, a morte e a dor.

Essas concepções errôneas que se tem da criança com relação a morte favorecem atitudes inadequadas dos adultos com as crianças, segundo Kovács, “ao não falar, o adulto crê estar protegendo a criança, como se essa proteção aliviasse a dor e mudasse magicamente a realidade. O que ocorre é que a criança se sente confusa e desamparada sem ter com quem conversar” (1992, p.49). Mas o que conversar com crianças sobre morte? O que as crianças pensam sobre morte?

De acordo com Kroen (op..cit.), as crianças percebem e reagem a morte de muitas formas diferentes. A sua personalidade, sensibilidade, habilidade e nível de desenvolvimento são somente algumas das variáveis que interferem nessa percepção. Para esse autor, numerosos estudos indicam que a criança percebe e reage ao conceito de morte especifica e literalmente. Conforme a percepção específica, a criança vê a morte como um incidente específico, sendo a morte e o seu conceito focalizados sobre a pessoa ou animal que morreu. Neste caso, a criança não pensa a morte de uma maneira global, mas destinada a uma pessoa ou animal em particular. De acordo com a percepção literal, a criança pega todas as referências sobre a morte, incluindo palavras, experiências e imagens visuais, de forma denotativa. Por exemplo, quando se diz à criança que o avô dela morreu feliz, a criança imagina que o avô dela morreu sorrindo.

De forma diversa, nos estudos realizados por Torres (1999), as percepções de morte na criança são apresentadas de acordo com fases distintas, quais sejam:

Fase I (Irreversibilidade – até 5 anos)- a criança não vê a morte como irreversível, mas como gradual e temporária. Atribui vida e consciência ao morto. Não existe a não vida.

Fase II (Não-funcionalidade- 5 a 9 anos)- a criança já compreende como irreversível, mas não ainda como inevitável, com tendência a personificar a morte.

Fase III (Universalidade – 9 anos em diante)- percebe a morte como uma forma universal e irreversível, atestando que tudo que é vivo morre.

Para a psicanalista Aberastury, a percepção da morte pela criança pode ser verificada respondendo-se a quatro questões (apud Vendruscolo, 2005, p.27) : Como a criança expressa sua representação da morte? Que significados dá para ela? Percebe o perigo da morte quando está doente, com ou sem esperança de cura? Percebe a morte de pessoas queridas mesmo quando essa fato é omitido?

Vendruscolo (op.cit), em seu artigo sobre a Visão da Criança sobre a Morte, relato-nos que estudos têm mostrado que a criança que vivencia a morte de alguém querido ou mesmo a sua própria morte, manterá em seu psiquismo, registros e emoções a respeito do acontecido. E a forma como ela lidará com a situação, dependerá do seu desenvolvimento afetivo e cognitivo.

Em contrapartida, Brun (2003), na sua prática cotidiana da psicanálise com crianças enfermas, constata que crianças, independentemente das diferenças de idade e de meio sócio-cultural, falam sobre morte com autenticidade e liberdade. Cita que, talvez o medo de escuro seja mais intenso do que da morte. Remete-nos ao Capítulo V d´A Interpretação dos sonhos, na seção “O sonho de morte de pessoas queridas”, no qual Freud fala sobre os desejos de morte que crianças alimentam em relação aos seus irmãos e irmãs, e sobre a facilidade das crianças para evocar a morte.

Quando se fala assim, não se pensa que a representação da morte na criança tenha algo em comum com a nossa, além do nome. A criança não imagina o horror da destruição, o frio da tumba, o aterrador do nada sem fim que o adulto, como atestam todos os mitos sobre o além, suporta tão mal. O temor da morte lhe é estranho, e é por isso que ele brinca com esta palavra tão assustadora, e ameaça as outras crianças.”Se você fizer isso, vai morrer como o Francisco morreu”;as pobres mães se apavoram, pois não podem esquecer que um grande número de seres humanos não passa da infância. Uma criança de oito anos, quando levada ao museu de história natural, pôde dizer à mãe: Mamãe, eu te amo tanto que, se você morrese, eu mandaria te empalhar e te colocaria no meu quarto para poder te ver o tempo todo” (FREUD,

Com relação ao parágrafo citado acima, Freud comenta que ficou impressionado quando uma criança de dez anos, muito inteligente, cujo pai faleceu repentinamente, fez o seguinte comentário: “Eu compreendo que meu pai morreu, mas não posso compreender por que ele não volta para o jantar” (1900, p.216-38).

Nesse sentido, Brun (op.cit.) analisa a relação da criança com a morte, fazendo um paradoxo entre a familiaridade interna com a morte e um pavor indizível com a realidade do fato. “ A criança brinca com a idéia da morte como uma arma potente, mas não se dá conta de que ela é definitiva; ignora o sentido do “nunca mais”, a não ser para transpô-lo como uma presença sem falha”. Daí, a autora conclui que a reação da criança à morte de alguém querido não tem relação com a inteligência (p.16).

De acordo com a autora acima e outros, o luto é um dos meios mais importantes de aproximar a criança à morte. Freud não comenta o luto na criança, exceto que as mortes sofridas na infância, em particular as de irmãos e irmãs pequenos, têm uma certa importância nas neuroses futuras. Para Freud, independentemente das atitudes adotadas na família, morte deixa germes de remorsos e desejos hostis da criança, e o processo de luto instiga a um profundo remanejamento da imagem de si e do estatuto da criança (apud BRUN, 2003).

Não é fácil tratar o assunto morte com crianças. Segundo Vendruscolo (2005) o termo morte associado com crianças parece contraditório, pois não imaginamos a morte estando próxima à vida na infância, seja ela de algúem querido, de um animal de estimação, ou até mesmo da própria criança. Talvez isso venha a ser uma das justificativas da pouca abordagem de estudos científicos sobre o assunto.

Na revisão bibliográfica dessa parte, pode-se observar opiniões diversas quanto ao aspecto do luto nas crianças, não se chegando a um consenso. Alguns autores não chegam a um acordo com relação à idade e a natureza dos acontecimentos que seriam determinantes para as perdas ocorridas durante a infância, nem tampouco como se dá o processo de luto na criança. Nesse sentido, procurou-se colocar informações importantes sobre o luto nas crianças de uma forma geral e aspectos compartilhados entre a maioria dos autores.

A psicanálise interessa-se pela natureza da organização psicológica provocada pela dor de perder um ente querido, como também perceber os meios disponíveis que crianças e adultos possuem para superar essa experiência traumatizante, e como ela é gerada (SPITZ, 1999) 10, no entanto, não existe uma convergência nos autores que se propõem a discutir o assunto.

Para Spitz (op.cit.), “quanto mais a organização da personalidade for inadequada em termos de defesa, maior será o impacto do trauma psicológico, pois é ao eu que cabe a tarefa de defesa e de controle” (p.198). Daí, a importância de se trabalhar, desde cedo, com as perdas e situações afins que as crianças vão experienciando na sua trajetória de vida. Pais, professores e responsáveis devem estar preparados para ajudarem as crianças nesses momentos, mostrando-as como enfrentar a morte e a perda de algo ou alguém de modo real e sensível, para que no futuro possam superar essa dolorosa experiência de modo saudável.

Nessa parte foram apresentados pontos importantes para a análise da importância do trabalho de luto nas crianças, com o intuito de instigar e provocar a busca por um aprofundamento maior dessa questão. Acredita-se que o caminho é árduo e longo, mas que vale a pena trilhá-lo.

A seguir, focaliza-se sobre as representações sociais como suporte teórico e metodológico desse trabalho, e a forma como essas representações foram se constituindo social e historicamente. Utilizar-se do referencial teórico das representações sociais para entender o fato de como a morte é abordada numa instituição de educação infantil consiste em orientar os significados sociais no processo educativo, como também explicar como esse fato age e pode influenciar nos resultados desse processo.

CAPÍTULO II