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MÚSICA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS E CONCEITUAIS

No documento LEONARDO MAGELA LOPES MATOSO (páginas 47-51)

Quando se discute música, é necessário abordar seus principais elementos constitutivos: ritmo e som. De acordo com Benenzon (1976), o ritmo é uma manifestação básica da vida. Efetivamente, todos os elementos vivos têm ritmo. É tudo aquilo que flui, que se move regularmente. A natureza pulsa em ciclos rítmicos, como por exemplo, o movimento das marés, as fases da lua, o dia e a noite, o vento nas folhas das árvores, a expressão dos animais.

Nos seres humanos, o coração, o pulso, os movimentos viscerais, o andar, a respiração e o encontro sexual, indicam ritmo tanto da espécie quanto do indivíduo. A vivência intensa do ritmo dá-se desde a vida fetal. Os batimentos cardíacos da mãe, seus sons viscerais, o pulsar da placenta já envolve o bebê em movimento rítmico. Depois do nascimento, esta vivência ganha novos contornos, tanto através de experiências internas, como a respiração, a sucção, o defecar e suas explosões intestinais, quanto através do ambiente, pelos sons da casa, da natureza, dos objetos, dentre outros (BENENZON, 1976).

Nesse sentido, desde a antiguidade, o ritmo, os sons e a harmonia que os compõem são percebidos pelos povos como elementos naturais do universo. Esses elementos não estão sozinhos, eles se agregam a chuva, ao vento, aos animais, aos trovões e terremotos, ao dia e noite, aos níveis do mar e aos ciclos lunares. Todos esses elementos são delimitados pelo tempo-espaço e são vivenciados pelo homem. Eles dão ritmos e sons ao planeta, compondo inúmeros compassos musicais.

Desse modo, o sentido humano do ritmo é uma disposição instintiva para o agrupamento de impressões sensoriais (recorrentes, precisas e vividas) marcadas pelo tempo ou pela intensidade, ou por ambos ao mesmo tempo. O ritmo estar diretamente relacionado com a propagação de movimentos e consequentemente dos sons. O som é uma propagação de ondas compressivas que se chocam em materiais que habitam o ambiente; como as matérias sólidas, liquidas ou gasosas (REDFIELD, 1961).

Redfield (1961) esclareceu que o som foi conceituado no campo da física como sendo tudo aquilo que expressa ondas elásticas de alta frequência e audíveis. Assim, o som pode ser compreendido como uma sensação que se produz no ouvido humano, logo após o movimento

das ondas que explica a física.

Schaffer (1991) pontificou que a partir do momento em que os sons e/ou ruídos foram sistematizados pelo homem no tempo e no espaço, deu-se origem ao que se chama de música, ou até mesmo, a uma “paisagem sonora”. A música pode ser concebida como organizações sonoras no decorrer de limitado espaço de tempo. Ou seja, a música é composta pelos sons que são culturalmente organizados pelo homem. Essa música é vivenciada no dia-a-dia das pessoas e se constitui como um fato cultural integrado em todas as atividades humanas. É utilizada desde tempos remotos como recurso em rituais, cerimônias e como potencial curativo para doenças psicossomáticas.

Barcellos (2015) explicou que a música surgiu, a priori, como uma necessidade de comunicação dos humanos com as divindades, com os animais e com os fenômenos da natureza que eram temidos, como o trovão, por exemplo. A utilização da música era perpetuada pela voz e pelo corpo dos humanos, para se comunicarem com as divindades, animais ou com a natureza, para melhor compreenderem os fenômenos ou para pedirem que as manifestações das catástrofes naturais cessassem e que as doenças fossem curadas.

Os primeiros indícios acerca do valimento da música no ser humano estão documentados em papiros encontrados em Kahum, no Egito, pelo Antropólogo Inglês Flandres Petrie, em 1899 (REDFIELD, 1961). Os papiros datam do Século II a. C. e descrevem o fascínio do povo egípcio pela música, no qual atribuíam um potencial curativo sobre a fertilidade da mulher (BENENZON, 1988).

No final do Século II a. C., as civilizações do Vale do Indo (atualmente o Paquistão) e os Huang He (atualmente a China), passaram a incorporar a musicalidade no dia-a-dia. A iconografia dessas regiões é repleta de exposições em paredes de cavernas e monumentos das práticas relacionadas à música e aos instrumentos musicais. Os primeiros documentos

dessas civilizações mostram a música como atividade atrelada à magia, à saúde, à metafísica e até à política, tendo papel fundamental em rituais religiosos, festas e em guerras (CANDÉ, 2001).

Na Grécia antiga (Século III a. C.), Apolo, um dos deuses da mitologia grega, era considerado o senhor da música ao tocar sua lira para cuidar dos enfermos. A importância da música era explicada através da sua estrutura musical que possuía ordem, harmonia e equilíbrio. Para os Gregos, essas três características estabeleciam a homeostasia do ser humano e sua maneira sistemática tinha o poder de prevenir e curar doenças (BARANOW, 1999).

Segundo Ruud (1990), nessa época, os gregos acreditavam que as doenças eram

desencadeadas por vermes ou por uma quimera5. Quando esses seres surgiam acontecia uma

desarmonização interna entre os humores do corpo o que ocasionava as doenças. Como forma de tratar as doenças, uma das maneiras utilizadas pelos gregos era o uso da música como instrumento para harmonizar o espirito. Essa explicação de cunho mitológico para o surgimento das doenças foi utilizada durante toda era pré-científica. Nesse ínterim, a música era utilizada também como instrumento de cura relacionada à magia, ao sobrenatural para curar possessões espirituais e/ou desequilíbrios provocados por entidades malignas.

Posteriormente, passou a ser relacionada com os dogmas religiosos da época por filósofos como Platão, Aristóteles e Esculápio. Platão utilizava a música em suas abordagens terapêuticas para cuidar da saúde mental, em especial vencer as angústias fóbicas vivenciadas naquela época. Já Aristóteles apontava os benefícios da música no cuidado da tristeza, melancolia e outras emoções incontroláveis. Descrevia também que a música auxiliava na provocação da catarse dos indivíduos mais deprimidos. Por sua vez, Esculápio prescrevia a música para os indivíduos em depressão (COSTA, 1989). Assim, a música grega é compreendida pela comunidade científica como a percussora das bases para todo o sistema de modos e escalas utilizados na música ocidental atualmente.

No entanto, foi durante a Renascença, por volta de 1450 d. C., que o pensamento médico relacionado a utilização da música na saúde passou a seguir um caminho próprio. Nessa época há uma ruptura da música ligada ao campo sobrenatural, pois a concepção das doenças deixa de estar ligada a magia, ao ser maléfico capaz de causar enfermidades e recai sobre a ótica cartesiana. Na ótica cartesiana, a música passa a ser estudada de forma mais

5 Quimera é um termo grego que significa xίμαιρα. Em transliteração assume o sentido de chímaira. É uma figura mística caracterizada por uma aparência híbrida de dois ou mais animais e a capacidade de lançar fogo pelas narinas e de trazer doenças, sendo, portanto, uma fera ou besta mitológica (BULFINCH, 2006).

profunda para responder os problemas relacionados às desordens mentais (BARANOW, 1999).

De acordo com Benenzon (1988), em meados da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a música passou ser vista como instrumento de entretenimento para auxiliar na recuperação dos feridos da guerra. Assim, os gestores dos hospitais passaram a contratar músicos profissionais para tocar e cantar. Observando os resultados positivos que a música exercia sobre os pacientes e cuidadores, os médicos começaram a estudar a influência da música na saúde e a propor o treinamento de profissionais específicos para trabalhar a música direcionada à busca da saúde.

No entanto, foi apenas na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que os benefícios da música sobre a saúde física, mental e espiritual do homem foi reconhecida como ciência e incorporada nas práticas de atuação em saúde (BENENZON, 1988). Enquanto prática de atuação no campo da saúde, Benenzou (1988) afirmou ainda que a música é algo que escapa da realidade atual, pois ela vai além do que a razão humana pode compreender. A música é um fator inerente ao homem, é peculiar e transformadora, capaz de alterar os estados psíquicos e físicos do ser humano.

Desse modo, Redfield (1961) definiu a música como um fenômeno acústico e de movimento que utiliza oito fatores, a saber: harmonia, melodia, ritmo, tempo, forma,

dinâmica, cor6 e timbre. Esses fatores podem ser utilizados de forma isolada ou em conjunto,

contando que seu produto final seja uma combinação harmoniosa e expressiva de sons. Já para Benenzon (1988) a música é capaz de exercer ações psicofisiológicas, favorecendo o indivíduo através de seus elementos constitutivos (ritmo), elementos ativos (melodia), elementos afetivos (harmonia) e elementos intelectuais, alcançando o bem-estar e solucionando problemas por meio dos métodos terapêuticos.

No âmbito da saúde, o valor terapêutico da música estar na capacidade de produzir efeitos no ser humano nos níveis biológicos, fisiológicos, psicológicos, intelectuais, sociais e espirituais (BLASCO, 1996). Esse valor é o que dá margem para as ações da musicoterapia que surge no âmbito da saúde utilizando a música como tecnologia leve para subsidiar na promoção, prevenção e reabilitação da saúde do ser humano.

6 A relação da cor com a experienciação musical relaciona-se ao processo de sinestesia, que de acordo com Redfield (1997) e Sacks (2007), é uma condição neurológica, em que uma experiência sensorial (música) automaticamente desencadeia outra percepção sensorial ou cognitiva. Por isso, algumas pessoas com sinestesia podem, literalmente, ver a cor ou gosto do som.

Face ao exposto, nota-se que a música vem sendo discutida há muito tempo, desde os primórdios, com a criação da terra e do universo. A música foi usada com a finalidade de curar mulheres inférteis no Egito, em relações sociais e políticas, cantadas em guerras, rituais e festas. Não o bastante, a música foi usada também para curar pessoas com manifestações sobrenaturais, até que passou a ser incorporada no âmbito da saúde e aplicada no indivíduo e na comunidade. Em termos teóricos, nota-se que todos os relatos demonstraram os benefícios da música na saúde do ser humano.

No documento LEONARDO MAGELA LOPES MATOSO (páginas 47-51)