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Matheus Penafiel Licenciado em Filosofia (UFRGS)

Sempre desconfiei dos professores que diziam apren- der mais com os estudantes do que os estudantes com eles. Ora, se eram eles que aprendiam mais, por que não se invertiam os papéis, fican- do o professor defronte ao quadro-negro enquanto os es- tudantes davam aula?

Entendo, é claro, que a fra- se não deve ser compreendida literalmente. Há, de sua parte, a valorização do conhecimen- to dos estudantes, a manifes- tação de que os professores não detêm todo o conhecimen- to, tampouco são infalíveis. E, além disso, uma possível pita- da de falsa modéstia. No en-

tanto, nós professores não po- demos nos furtar de saber que sabemos. Somos a parte mais forte nessa relação de conhe- cimento. Somos, também, a parte mais forte nessa rela- ção de poder. Não podemos jamais esquecer disso, pois é uma posição de demasiada responsabilidade.

Matheus Penafiel em aula no Esperança Popular

ACER

Penso que o termo cunha- do por Ronai Pires da Rocha seja o mais apropriado para traduzir a relação entre pro- fessores e estudantes: trata- -se de uma igualdade assimé-

trica (2015, p. 124). O termo

resguarda complexidades se- mânticas que o enriquecem, e por isso vale determo-nos em seu significado. Igualdade, por certo, manifesta a ideia segundo a qual professores e estudantes são iguais, seja porque gozamos dos mesmos direitos enquanto cidadãos, seja porque somos pessoas igualmente capazes. O termo

simetria sugere também igual-

dade, especialmente entre formas. No entanto, a assime-

tria denuncia precisamente o

oposto: apesar de iguais, de alguma forma, somos diferen- tes. Diferimos inapelavelmen- te na relação de conhecimen- to: apesar de nossa igualdade, somos os professores quem definimos os conteúdos mais relevantes a serem tratados em sala de aula, quem defini- mos métodos de abordagem e dinâmicas didáticas.

Dito isso, porém, não po- demos tampouco escorregar no caminho fácil da vaidade. Também nós, professores, temos muito que aprender. Seja porque o mundo e a tec- nologia estão em constante e rápida mudança, seja por- que os estudantes que hoje recebemos nas salas de au- las não são os mesmos que aqueles de antigamente,

seja porque nossa área de especialização avança com o mundo, nós devemos sempre nos atualizar. Não podemos esperar que nossas aulas permaneçam iguais e que da- rão conta de responder a pro- blemas inovadores com as mesmas respostas de sem- pre. Mas, mais que isso, não podemos esperar que nossos estudantes não façam parte da solução. Minha experiência no Pré-Vestibular Esperança Popular demonstrou-me a necessidade de constante aperfeiçoamento na prática. Ela começou lá pelos idos de 2015, quando tinha por volta de 23 anos. Com essa idade, poderia muito bem ser confundido com os próprios estudantes, visto que alguns não tinham muito menos ida- de que eu e outros eram até mais velhos. Eu tinha pouca experiência tanto na sala de aula quanto com filosofia, pouquíssima ideia de como preparar os educandos para o ENEM ou de como atuar enquanto professor. Preparei para aquele ano letivo uma apostila de não mais que vin- te páginas, a expressão física de minha inexperiência e de meu desamparo. A segunda versão desse material, ela- borada para o ano de 2016, bastante mais robusta, con- tava com 144 páginas, que versava desde lógica e teoria do conhecimento até ética e um tanto de filosofia política.

Apesar da significativa melhora, foi apenas no ano de 2018 que fiquei plenamente satisfeito com minhas ativi- dades. A isso se deve uma mudança de paradigma na maneira como via a filosofia: não tanto como a história de ideias e conceitos, mas a his- tória de problemas filosóficos. A mudança aconteceu, em parte, devido à leitura de meu livro de cabeceira, no que diz respeito ao ensino: Contesta-

ção: nova fórmula do ensino.

Nele, os educadores Neil Post- man e Charles Weingartner advogam pelo que chamam de método do inquérito. Sucin- tamente, o método passa, em primeiro lugar, por reconhecer o papel do professor como o principal dentro de uma sala de aula e, em segundo lugar, que devemos tornar os estu- dantes protagonistas.

Mas não seriam essas posições paradoxais? Como, ao reconhecer o papel do pro- fessor como o mais importan- te, tornaremos os estudantes protagonistas?

O professor não é a figura central da sala de aula pelo que ele sabe ou pelo que deve “passar” a seus estudantes, mas pela postura que deve assumir: em termos práticos e simples, a de um “gerencia- dor”. Isso é, permitimos que os estudantes debatam entre si suas posições, gerenciando a discussão de modo a incluir

aqueles que estejam alheios, pedindo esclarecimentos, su- gerindo novas questões, por exemplo. A mudança de pos- tura do professor altera, con- sequentemente, a postura dos estudantes. A necessidade disso é defendida pelos edu- cadores ao articularem a ideia de Marshall McLuhan – se- gundo a qual “o meio é a men- sagem” – com a ideia de John Dewey – de que aprendemos aquilo que fazemos. Assim, a mensagem de nossa aula, aquilo que esperamos que os estudantes aprendam, é aquilo que incentivamos a fa- zerem em sala de aula. Ora, o que incentivamos que os estu- dantes façam? Bem, na maior parte das vezes, a sentarem e a ouvirem os professores (POSTMAN & WEINGARTNER, 1971, p. 40). O objetivo passa a ser, portanto, retirar os estu- dantes dessa atitude passiva, a qual tampouco eles gostam de assumir, pois o que espe- ramos deles para o futuro não é a passividade, mas cidadãos atuantes no mundo. Na condi- ção de professores de filoso- fia, ao oportunizarmos a eles um ambiente no qual possam discutir suas ideias, já mobili- zamos suas energias de modo a alterar a postura passiva.

Por isso, a mudança de concepção da filosofia foi de fundamental importância para mim. Ao trabalhar através de

problemas filosóficos, abria

espaço para que os estudan- tes testassem suas concep-

ções de mundo, confrontando, por um lado, com a visão de seus colegas e, por outro lado, com a própria tradição filosófi- ca. Assim, não mais eram pas- sivos ao saberem como impor- tantes filósofos responderam a determinadas questões, mas respondiam, eles mes- mos, aos problemas, avalian- do suas virtudes e insuficiên- cias, comparando com o que foi dito no passado, também essa solução analisada e pro- blematizada, para posterior- mente avaliarmos outra teo- ria, num constante movimento de análise de problemas. Isso porque – e talvez aqui esteja o passo mais importante – as teorias filosóficas não eram ociosas, mas visavam a solu- cionar problemas; e tampouco eram permanentes, pois tam- bém elas levantavam novos problemas.

O que estou sugerindo aqui é, para usar novamente conceitos de Rocha, um trân- sito no interior do eixo temá- tico. Em Ensino de filosofia

e currículo, Rocha distinguiu

três eixos de seu ensino: o temático, o instrumental e o histórico (2015, p. 127-128). O eixo histórico dá conta do contato dos estudantes com os textos da tradição, enquan- to o eixo instrumental, das me- todologias que usamos para enfrentar esses textos, por ve- zes por demais complexos. Já o eixo temático é constituído pelos conceitos pertinentes à filosofia, como amor, amizade,

justiça, liberdade, democra- cia, bem, belo, mente. Mas

também é constituído pelos problemas intrínsecos à filoso- fia: o que é a justiça? O que é

a coisa certa a ser feita? A de- mocracia é compatível com a tirania? Assim, tendo em men-

te essas distinções, o que su- giro é que façamos um trânsi- to no interior do eixo temático, começando sempre pelos pro- blemas filosóficos, permitindo que sejam os estudantes que mobilizem seus conceitos de

liberdade, justiça, bem, para

então nós professores geren- ciarmos uma discussão entre suas posições e a dos filóso- fos da tradição.

Ao propor legítimos pro- blemas filosóficos a eles, os estudantes mobilizam todo o seu acervo de conhecimento – que não é pouco, devemos dizer – a fim de solucioná-los. Ao discutirmos cada opinião, revelamos nelas problemas conceituais, mostramos de que modo suas soluções são insatisfatórias, analisamos a resposta de filósofos da tra- dição, mostramos como suas respostas também são insa- tisfatórias, analisamos outras, e assim por diante.

Quando os estudantes mobilizam seu conhecimento, sua rede conceitual, na tenta- tiva de solucionar os proble- mas, ganhamos duas oportu- nidades: (1) a de refinar suas ideias; (2) a de reorganizá-las de modo a encaixar outras

Referências:

POSTMAN, Neil; WEINGARTNER, Charles. Contestação: nova fórmula de ensino. Tradução Álvaro Cabral. 2. ed. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1971.

CAMUS, Albert. O primeiro homem. Tradução Teresa B. C. da Fonseca e Maria Luiza N. Silveira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.

ROCHA, Ronai Pires da. Ensino de filosofia e currículo. 2. ed. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2015.

concepções filosóficas, inclu- sive as tradicionais. Quero dizer, quando expomos aos estudantes as teses dos fi- lósofos, elas entram em sua mente como um “corpo estra- nho” que deve ser logo rejei- tado pelo organismo. Se, por outro lado, eles mobilizam sua rede conceitual, evidenciamos possíveis conexões, mesmo quando discordam das teses desses filósofos. Eles com- preendem por quais razões re-

jeitam essas teses, e por isso se conectam com elas.

Criar um ambiente de tal modo convidativo à discussão e ao questionamento é, por um lado, inovador; mas é tam- bém e principalmente uma forma de tratar com respeito nossos estudantes. Não pode- mos esperar deles que sejam receptáculos vazios, prontos para despejarmos nosso pre- tenso conhecimento. A esse

respeito versou o escritor e filósofo Albert Camus, em seu romance O primeiro homem, na citação que deixo para fina- lizar esse ensaio:

Não, a escola não lhes ofe- recia apenas uma evasão da vida de família. Nas aulas do M. Bernard, pelo menos, ela alimentava neles uma fome ainda mais essencial para a criança do que para o ho- mem, que é a fome da des- coberta. Nas outras classes, ensinavam-lhes sem dúvida muitas coisas, mas um pouco como se entopem os gansos. Apresentavam-lhe um ali- mento pronto pedindo que o comessem. Nas aulas do M. Germain, pela primeira vez sentiam que existiam e que eram objeto da mais alta con- sideração: julgavam que eram dignos de descobrir o mundo (CAMUS, 1994, p. 132).

ACER

VO DEDS

Impacto da vivência extensionista

na formação cidadã

INICIAÇÃO EM SALA DE AULA: A EXPERIÊNCIA COMO