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A medial reflexiva era usada no indo-europeu sempre que se queria frisar que

( .. . ) o agente fica encerrado em si pró prio, durante a ativ idade,

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do exterior.

e nao passa para o mun-

Em outras palavras, na medial reflexiva, o pr6prio su­ jeito é o destinatário certo da ação verbal � uma vez que ele é, a um s6 tempo, agente e paciente. Em latim, Petrus se lau dat, a medial reflexiva típica, a par de ·Petrus laudatur, que tanto podia ser· entendido como Pedro se ·louva quanto Pedro � louvado, devido ao valor médio-passivo da passiva sintética.

Em português, como exemplo da medial reflexiva, diria- mos Pedro se feriu. Confrontando-se com a �edial dinâmica , e, ao contrário desta , a existência evenit.ual de um objeto

diferente do sujeito não a lteraria, neste caso, o sentido do

verbo. Cf. Pedro � feriu = Pedro feriu (machucou) alguém. O verbo nessas construções não é privativam.ente reflexivo, e, ao contrário do que acontece com os verbos wronominais, o su­

jeito pode eventualmente estar situado em posição exterior ao processo verbal sempre que o objeto deixar de representar (ou refletir) ele mesmo, o sujeito. Quer dize:r",. na medial refle- xiva há algo de ativo ( Pedro se feriu = Pe-é!t!ro feriu Pedro) e, ao mesmo tempo, de passivo (Pedro foi ferirlko por Pedro), uma

vez que o suj eito pratica C ativa) e, ao mesmo tempo, sofre (passiva) a ação verbal. Nada mais apropriado, portanto, pa­ ra o caso, do que o termo "voz média" (ou "medial") , termo e� se, diga-se. em boa hora, da lavra dos gramáticos gregos. Mas rej eitado pela nossa NGB.

3) A voz medial recíproca

Esta representa uma conseqtiência natural da medial re­ flexiva propriamente dita e, em indo-europeu, tem o mesmo va- lor da sua· equivalente portuguesa. Por exemplo, Eles se bei- jam; eles se abraçam, etc. Em latim, Hostes se interficiunt; Petrus et Maria se amant, ou enfaticamente, Petrus et Maria inter se amant. É o que Mattoso Câmara chama de "reflexivida de cruzada" (v. Dicionário, 164) .

Em resumo, o sentido da voz medial é nitidamente retro ativo ou reflexivo, sentido esse incorporado à passiva latina, justamente considerada pelos estudiosos do assunto como médio­ passiva. Em português, foram conservados os três valores bá­ sicos da voz medial, a saber:

a) valor dinâmico

ex. : Ele se levantou.

O mar se agita.

Riu-se meu pai, e depois de rir, tornou a fa­ - . 7 1

lar serio.

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b) valor reflexivo

ex. : Pedro se feriu. c) valor recíproco

ex. : Pedro e Maria se abraçaram.

Voltemos ao Lácio. Foi dessa voz medial indo-européia que se originou a voz passiva latina, segundo já comentamos. Acrescentemos ainda as palavras de M'attoso Câmara :

( . . . ) a forma p assiva do i nfectum latino ( . . . ) decorre da for ma med ial: da p articip a-

ç io i�tensa do sujeito no q ue o verbo exp re� sa, p assou-se p or extensão à ide ia de um su-

. . . 7 2

Jeito p aciente.

Estamos agora em condição de chegar a algumas conclu­ soes. A medial' indo-européia, meio ati va , meio passiva e, ao mesmo tempo, meio reflexiva pode explicar em parte a depoên­ cia de certo$ verbos latinos, nos quais o valor médio-passivo acabou se apagando em beneficio do valor ativo . Em português, confronte-se com o exemplo de certos verbos originalmente pr� nominais, cujo emprego na língua corrente aponta na direção da voz ativa : eu levanto C em lugar de eu me levanto), eu lem- bro C em lugar de eu me lembro). No Jornal do Brasil de

26 / 3 / 8 9 lê-se a seguinte manchete: "Sarney encontra com gove�

7 2 CÂMARA JR . , J . Ma ttoso . p . 1 7 5 .

o

o

nadores", onde a tradição gramatical recomendaria "Sarney se encontra com governadores".

Entende-se também por que a chamada v o z passiva latina é, na verdade, médio-passiva, presa que está, pela raiz,

medial indo-européia. Passiva propriamente dita enquanto criação latina,e média (ou reflexiva) pela sua origem indo-e�

- .

ropeia. É por isso que moveor pode significar, ao mesmo tem- po, sou movido e me movo; vehor implica du�lamente sou leva-

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do e faço-me levar. A propósito, observa Cláudio Brandão: E u me exercito verte-se fa�mlt at ivamen te por exerceo me ou exe rceor, po�en do esta Última forma ser t ambém passiva: �� sou exer citado

( por a guem ou por a guma �© isa 1 - l . ) 7 4

Quando o latim dizia, por ex.: laudG € eu louvo) , na voz ativa e pressupondo um objeto direto latrente, o verbo a­ presentava um valor transitivo, ou melhor, .Felativo, com o processo verbal voltado para fora de si mesmo, extrapolando o âmbito do suj eito e proj etando-se para o ob]Jeto. Já em lau-

dor, na passiva, o verbo, despido de valor 11'.'elativo, adquire

7 3 Es s a pas s iva, medial e ao mes mo tempo pass iva, n o in i cio,

es tava limitada a um nú mero reduz ido de we rbos . Pos terior men t e é que essa mé dio-passiv a se generaliiz ou . Bassols e-

n umera esses verbos . (Vd . BASSOLS, op . cÍÍ. t . , I, pp. 2 6 8 / 9 ) .

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um sentido absoluto, o que pode conduzir tanto a uma interpr� tação passiva (eu sou louvado ), como medial (eu me louvo) no sentido dinâmico a que se refere Mattoso Câmara.

A desinência -�, médio-passiva, serve para enfatizar esse valor absoluto, para indicar que o processo verbal está voltado para dentro de si mesmo, para um sujeito agente-paci­ ente, interessado. ele mesmo na ação verbal, uma ação, portan- to, retroativa. E, às vezes, esse v�lor verbal absoluto

tão intenso, tão concentrado no próprio predicado verbal, que este, abstraindo a expressão de um agente, pode se prestar à

indeterminação do sujeito. f o que acontece na chamada passi va impessoal com verbos intransitivos (itur = vai-se) , dormi­ tur (dorme-se) , vivi�u� (vive-se) e, com menos freqilência , com os transitivos indiretos C invidetur poLentibus = inveja- se aos poderosos) .

Por isso, não foi por acaso que o valor medial também pôde ser expresso, além da passiva, pe.la forma verbal reflexi va, embora, a princípio, com um certo matiz ativo em relação à médio-passiva: se dedere (entregar-se) , se exercere (exerci tar-se), se vertere (virar-se, transformar-se) . Said Ali ofe rece exemplos com verbos depoentes. Os verbos depoentes aca- baram tornando-se ativos, o que possibilitou a ampliação do seu uso reflexivo. Mas vejamos os exemplos de Said Ali:

castri s eff unduntur ao lado de castri s se ef f undunt, relaxat se e relaxa-

'

7 5 t u r .

Essa diferença sutil entre a medial passiva e a medial reflexiva (ou medial propriamente dita) acabou sendo elimina­ da no latim vulgar, em detrimento da passiva sintética. Quer dizer, a médio-passiva lavatur ("se lava" ou "é lavado") e a medial ativo-reflexiva se lavat ("se lava") confundiram-se no latim vulgar, e esta GltÍma acabou por se prestar também a uma interpretação passiva, superposta, a essa ·altura, ao va-

lor propr�amente reflexivo original. Tal fato se dá princi- palment� quando o sujeito da oração é tido como inanimado. f o caso do conhecido exemplo de Plínio:

Myrina qua e Sebastopolim se · voca t (Plin. , Nat. , 5 , 1 2 1 ) . 7 6

No exemplo acima, Vaananen considera a reflexiva se

. - . f . d 7 7

vocat como sinonimo per eito e vocatur Mas qual vocatur?

O vocatur passivo ou o vdcatur medial din;mico? v;�n�nen quando fez a sua afirmação devia estar pensando no sentido

7 5 SAID ALI, M. Os ver-

bos depoentes pa ssaram a a tivos. Alem dis so, perdera m a flexio pa ssiva em -�, no latim vulg ar, e tomaram a flexio a tiva + pronome reflexivo: em vez de h or t or, me h orto, em vez de vertor, me verto.

7 6 VÃANÃNEN , V. Op. cit. , p . 2 05 .

,.

7 5

passivo por causa do sujeito Myrina. Mas lil'© . próprio latim

clássico existia a possibilidade de pers:onci.fficação de sujei­ tos inanimados, como vimos há pouco, dai a i'IDSSa indagação. Sinônimo, vá lá ; quanto a perfeito, .. . Be:m, j á dizia Rodri-

gues Lapa, o adjetivo pode se tornar às vezes o pior inimigo de um substantivo.

A opinião de Vaananen não é voz iso.J!.ana. Outros roma- nistas pensam como ele. Não é o caso dos n�ssos Said Ali e Mattoso Câmara. H. F. Muller 7 8 tambem dest«:im da tendencia g� - - ral entre os estudiosos do assunto, os quais costumam aprese�

tar a reflexiva como sinônimo ''perfeitom da wassiva sintéti­ ca. Segundo essa corrente de pensamento, a forma reflexiva teria acabado por chamar a si uma função c.i111ue lhe era origina-

riamente estranha. E com o desaparecime�to cla passiva sinté- tica no latim vulgar, essa deriva teria pod�ido se expandir , se aprofundar e produzir conseqüências pleiliRS nas línguas ro-

-

.

manicas. Mas essas conseqüências vamos dei�ar para estudá- las quando tratarmos do latim vulgar.

latim cl�ssico e � sua passiva. c) A passiva impessoal

Por, ©ra, voltemos ao

Em latim, a impessoalidade verbal pMia ser expressa tanto pela passiva sintética quanto pela piilils-·siva analítica. Naturalmente, muito mais pela primeira do qme pela segunda ,

7 8

MULLER, H . F. " The pass ive vo i ce 1. n vu1_gar lati u ", 1. n

já que a passiva analítica, circunscrita aos tempos do per­ fectum (particípio passado + esse ), pressupunha necessariamen te a exist�ncia de um sujeito-agente e de sua concordância com o verbo auxiliar esse.

Comecemos pela passiva sintética.

Como já comentamos, a passiva sintética latina, pelas circunstân6ias de sua origem indo-eu�opéia � servia para enfa- tizar o processo verbal, independente do agente. Quer dizer, concebia-se o processo verbal em si mesmo, sendo o pensamento

. d d . d. 7 9

expresso apenas por meio o pre ica o. Por isso, os verbos,

quando empregados impessoalmente por essa passiva, atendiam a uma intenção específica do falante ou do escritor, que era a de não marcar o agente, de deix�-lo inc6gnito, sem rosto se- mântico, isto é, indeterminado. Formalmente, esses verbos

tornados impessoais deveriam aparecer na 3� pessoa do singu- lar. Os intransitivos apassivados eram os mais freqlientes : curritur (corre-se ) , vivitur (vive-se ), itur (vai-se ) , dormi­ tur (dorme-se ) , traditur (conta-se ) , etc.

Sobre essa especificidade da passiva impessoal, Meil- let ensina que

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Au pas s i f lat i u , figure un �l� ment -r qui, .

Na ori gem da li nguagem , as fras es t eri am s i do mon5mi as , i .

e., cons t i tuf das apenas de predi cado : " O s uj ei to, que hoje s e cons i dera t ermo e noção pri maci al � d ev e t er s i do uma i n venção mai s recent e e é um parvenu" ( Fr i t z Mauth ner, 192 3,

I I I , p. 2 5 3) . Apud CÂMARA JR., J. Mat t o s o. Phine. d e ling .

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