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2 MENOR PREÇO OU MAIOR DESCONTO

No documento Revista SÍNTESE Direito Administrativo (páginas 44-48)

O primeiro critério mencionado (v.g., menor preço) tem por meta adquirir produtos ou serviços com o mínimo dispêndio possível de recursos

públicos, desde que sejam cumpridos os padrões mínimos de qualidade

fixados no instrumento convocatório. Em termos singelos, a Administração Pública fixa requisitos mínimos e pertinentes àquilo que foi licitado. Cum- pridas estas condições, vence o certame quem conseguir fornecer este men- cionado objeto de modo mais barato.

Destaca-se, aqui, que o RDC7 permitiu que os custos indiretos pudes-

sem ser considerados no critério do menor dispêndio, desde que possam

6 Debruçamo-nos, com mais vagar, acerca dos modos de disputa, no item “15” desta obra. 7 Lei nº 12.462/2011, art. 19, § 1º, e art. 26, § 1º, do Decreto Federal nº 7.581/2011.

ser levados em conta de maneira objetiva e estejam expressos no edital de

abertura da licitação (art. 19, § 1º). Também devem ser consideradas na se-

leção da melhor proposta as externalidades do produto ou do serviço, muito

embora exista uma lacuna da lei neste aspecto (como, por exemplo, custos

de energia elétrica, tratamento de efluentes, etc.).

Com isto, o legislador intenciona dar concretude à proposta mais

vantajosa. Assim, v.g., as despesas com manutenção, com os insumos para

o funcionamento e os impactos ambientais acarretados pelo objeto con- tratado, entre outros, podem ser consideradas como fatores relevantes à classificação das propostas. Portanto, o instrumento convocatório poderá prever estes vetores indiretos de maneira objetiva e idônea, ou seja, devem ser passíveis de mensuração e de comprovação por parte dos licitantes, os quais podem bem influenciar na disputa. E esta prova deve ser exigida dos concorrentes8. Destaque a ser feito consiste no fato de que o art. 19, § 1º, da

Lei nº 12.462/2011 apenas fez menção a exemplos de custos indiretos que podem ser considerados, nada impedindo que a autoridade licitante possa adotar critérios adicionais.

Além disso, importante mencionar que esta ferramenta jurídica pro- cura fornecer subsídios importantes ao estabelecimento de licitações sus-

tentáveis. Logo, consegue-se, com isto, que a sustentabilidade ambiental,

por exemplo, possa ser amparada de maneira substancial. Exemplificando: é possível que o instrumento convocatório faça previsão de vantagens adi- cionais àquele licitante que emita menos carbono no ar, ou que não polua a água. Enfim, são externalidades que podem ser utilizadas como critério de seleção da melhor proposta.

Uma advertência deve ser feita: as vantagens adicionais não podem ser consideradas quando são inerentes aos custos para o fornecimento do objeto contratado. Significa dizer que as despesas inerentes ao fornecimento do produto não podem ser consideradas como critérios de seleção da me- lhor proposta.

Segundo nosso entendimento, cabe referir que, muito embora esta permissão esteja no dispositivo que trate de um critério especifico, ela deve

ser aplicada a todos outros tipos de licitação. Há, aqui, uma impropriedade

da lei, no momento em que, em tese, restringiu a possibilidade de conside- rar os custos indiretos somente a critério de seleção da melhor proposta pelo menor preço ou maior desconto.

Então, os tipos menor preço ou maior desconto são formas diferentes de seleção da melhor proposta, apesar de ambos terem por mote gerar uma proposta que oferte um menor dispêndio à Administração Pública (art. 19) e os dois partirem de um valor-base. Destaca-se, por oportuno, que estes cri- térios não eliminam a possibilidade de se alocar, de maneira diminuta, um critério de melhor técnica, na habilitação, apesar de a lei nada dizer sobre

isso no dispositivo específico que trata do tema.

A proposta no critério menor preço não deverá considerar os mate- riais e as instalações a serem fornecidos pelo licitante para os quais ele re- nuncia a remuneração pertinente, desde que esta abdicação conste, expres- samente, no limiar da proposta. Logo, o menor preço deverá ser avaliado de acordo com a proposta remuneratória formulada em relação à prestação a que o licitante deva entregar, conforme especificações constantes no termo de referência, instrumento convocatório, orçamentos, projetos, etc.

Aliás, a proposta não poderá indicar os custos de maneira genérica ou traduzi-los como verba remuneratória. Além disso, não poderá se distanciar dos orçamentos de referência.

Já a forma de julgamento maior desconto utiliza como base de cál- culo, ou seja, como referência o preço global estimado pela Administração Pública, o qual é fixado no edital, a partir do qual se formulam propostas. Aqui, o intérprete deve prestar muita atenção: o “preço global” mencionado no § 2º do art. 19 da Lei do RDC difere do “preço total” estabelecido no art. 27 do Decreto nº 7.581/2011.

Veja que, para a mesma situação, duas locuções diversas são utiliza- das. Preço global é aquele que é colocado no edital e, segundo o RDC, ele

não é sigiloso. Já o preço total refere-se à proposta do licitante. São institutos

diversos e, portanto, inconfundíveis. Bem por isso considera-se que o ato normativo federal extrapolou os limites da lei, em típica regulamentação

contra legem, o que, claro, é vedado em nosso ordenamento jurídico.

Este desconto ofertado pelo licitante será estendido também aos even- tuais aditivos que porventura se negociem. É uma prática que não está pre- vista na lei geral de licitações, mas que ganhou guarita na prática adminis- trativa, bem como foi chancelada pelas cortes de contas como aceitável.

Uma ponderação importante deve ser feita, especialmente em termos pragmáticos: por vezes não é possível dar um desconto linear ao longo do tempo, sendo quase inviável que possa acontecer em certas matérias, por- que há variáveis que alteram os custos das obras de engenharia. Os preços

dos insumos nesta área modificam-se dia a dia, semana a semana, o que compromete, na prática, que se tenha um desconto comum a todos os obje- tos licitados. De outro lado, como será dito, deve-se sempre procurar coibir o odioso “jogo de planilha”, a seguir mais bem explicitado.

Logo, tal modo de disputa é um critério no qual a Administração Pú- blica apresenta uma planilha de custos ou um objeto a se adquirir no mer- cado, e os licitantes passam a oferecer lances sucessivos, formulando pro- postas de maior desconto sobre aqueles objetos ou valores. Muito comum em bibliotecas públicas este tipo de licitação, quando se faz um certame para a aquisição de livros, sendo selecionada a proposta que oferte o maior desconto no preço de capa de cada obra.

A fim de se evitar o que se chama de “jogo de planilha” entre os lici- tantes9, o § 3º do art. 19 da Lei do RDC determinou que, no caso de obras

ou serviços de engenharia, o percentual de desconto apresentado pelos in- teressados deverá ser linear, ou seja, incidir de maneira uniforme sobre os preços de todos os itens do orçamento estimado e constante do instrumento convocatório. Primeiramente, importante dizer que o “jogo de planilha” ou “jogo de preços” consiste em um artifício utilizado pelos interessados, to- mando por base projetos básicos deficitários (v.g., que não preveem os cus- tos do objeto licitado com perfeição), ou lastreados em informações privile- giadas. Eles conseguem saber antecipadamente quais os objetos que terão sua quantidade acrescida, diminuída ou suprimida ao longo da execução da obra a ser licitada. A partir daí, eles manipulam os custos unitários de suas propostas, aumentando-os para itens que serão adicionados e diminuindo para itens que serão subtraídos. Com isso, conseguem uma melhor proposta e vencem a licitação. Contudo, durante a execução do contrato, percebe-se que o custo encarece substancialmente, beneficiando o particular, porque justamente ficam mais caros, ao longo do tempo, os itens que o interessado ofertou preço maior. Assim, tendo a lei imposto que a proposta seja feita em termos lineares, intenta-se desfazer este estratagema, sendo esta a preocupa- ção do legislador ao conduzir a licitação de maior desconto nestes termos10.

Além disso, deve-se evitar ao máximo o que se conhece por “jogo de cronograma”, outra prática inescrupulosa que consiste em se perfazer propostas mais lucrativas aos itens pagos no início da execução do projeto, deixando aos itens pagos depois uma proposta com subpreço. Sendo assim, a contratada pode se capitalizar durante a execução do negócio jurídico.

9 O “jogo de planilha” foi dissecado pelo TCU no Acórdão nº 1.755/2004, Pleno.

10 Sobre o desconto linear do RDC, conferir TCU, Acórdãos nº 2.068/2011, Pleno, e nº 4.775/2011, 1ª Câmara.

Ou, ainda, pode pretender, desde já, executar a parte inicial da obra – que é mais lucrativa –, abandonando o restante da execução do contrato. Neste último caso, o Poder Público amargara um duplo prejuízo, porque pagou por um serviço mais caro (com sobrepreço), bem como não recebeu o obje- to contratual terminado. Neste caso, para evitar esta prática abusiva, não se devem aceitar propostas para cada etapa, vista individualmente, mas, sim, que a oferta seja feita de maneira global. Assim, sugere-se restringir propos- tas por custos unitários.

Importante mencionar que a Corte de Contas federal11 considerou que

é possível e se mostra aceitável que uma proposta estabeleça um preço uni- tário de item não relevante acima do orçamento, desde que o preço global seja compatível com os limites estabelecidos no certame. Neste caso, o TCU considerou que não se estava diante de sobrepreço.

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