• Nenhum resultado encontrado

3 A TRAJETÓRIA DOS IRMÃOS CAMPANA

6.1. METODOLOGIA DE ANÁLISE

A análise semiótica apresentada neste estudo baseia-se nos conceitos da Semiótica de Charles S. Peirce e utiliza três bases para análise. A primeira é o modelo de análise de imagem proposto por Martine Joly; o segundo é a classificação que Bernd Löbach (2000) desenvolveu para as funções dos produtos industriais, que se assemelham às dimensões sintática, semântica e pragmática, consideradas na semiótica. O terceiro modelo de análise foi baseado no trabalho de Susan VIHMA25 (1995), que estuda os produtos a partir de suas dimensões comunicativas. Os modelos adotados como referência complementam as informações e os conceitos da semiótica peirceana. A análise semiótica dos

25 A obra de Susan Vihma foi utilizada como referência nesta pesquisa a partir de um roteiro de

análise, desenvolvido pela professora Marinês Ribeiro dos Santos. O roteiro foi usado na disciplina Design, Cultura e Sociedade, do I Curso de Especialização em Design de Móveis: Projeto e Gestão, da UTFPR em 2005.

três móveis foi realizada através das imagens (fotografias) destes produtos, obtidas em revistas e nos sites da empresa Edra, das empresas que comercializam os móveis e no site dos irmãos Campana.

6.1.1. A análise de imagem de Martine Joly

Para Joly (1996), a análise é feita com uma divisão dos aspectos da imagem, que podem ser aplicados aos produtos. A análise considera os signos plásticos, icônicos e lingüísticos. Signos plásticos referem-se à composição visual e seus elementos, como cor, ritmo, proporção, etc. Signos icônicos são aqueles aspectos que estabelecem uma relação de iconicidade entre os vários componentes da imagem. Os signos lingüísticos são constituídos por elementos de texto, desde a tipografia escolhida, analisando cores, formas, até os significados que estas escolhas apresentam. A separação dos signos em três categorias correspondem às dimensões sintática, semântica e pragmática e reproduzem as demais categorias da semiótica de Peirce. Este roteiro é interessante por fragmentar os signos de uma imagem, para só depois interpretar os significados dos signos de cada categoria, realizando um registro global dos significados da imagem, um tipo de síntese dos aspectos gerais e seus entrecruzamentos.

6.1.2. As dimensões comunicativas e as funções de Bernd Löbach

Os aspectos comunicativos são pensados a partir das dimensões sintática, semântica e pragmática. A dimensão sintática trata das relações e associações das escolhas de elementos formais como linhas, formas, cores, texturas; a dimensão semântica trata do que o produto comunica, quais significações evoca;

a dimensão pragmática está associada às relações entre produto e usuário e as possíveis significações dessa relação.

A análise das dimensões comunicativas possui relação com a proposta de Bernd Löbach, na qual os produtos industriais são classificados de acordo com suas funções práticas, estéticas e simbólicas. Estas funções podem estar presentes em um mesmo produto, entretanto uma delas é a predominante. Para LÖBACH (2001, p.58), “os aspectos essenciais das relações dos usuários com os produtos industriais são as funções dos produtos, as quais se tornam perceptíveis no processo de uso e possibilitam a satisfação de certas necessidades”. Segundo Löbach, os produtos industriais oferecem principalmente relações práticas com os usuários, como um martelo tem a função de fixar o prego; um barbeador elétrico tem a função de cortar pêlos por meio de lâminas. As funções práticas, estéticas e simbólicas estão presentes nos produtos; algumas se sobrepondo às outras.

Para LÖBACH (2001), as funções práticas situam-se no nível fisiológico e corporal, na relação entre usuários e produtos. Esta função relaciona-se com o uso do produto e com sua capacidade em satisfazer as necessidades físicas do usuário. Uma cadeira, por exemplo, pode ter entre suas funções práticas permitir que o usuário possa mudar de posição enquanto está usando a cadeira; ou ainda prever certa postura pela forma do assento e do encosto. A função prática está ligada ao aspecto físico de uso, enquanto que a função estética influencia a “percepção dos produtos com os sentidos, principalmente a visual tátil e sonora” (LÖBACH, 2001, p. 59), sugerindo o uso do produto por meio dos sentidos. A análise dos móveis foi realizada de acordo com esta concepção de Löbach, analisando que efeitos os móveis causam nos (as) possíveis usuários (as) em um nível sensorial.

A função simbólica, segundo LÖBACH (2001, p. 64) é “determinada por todos os aspectos espirituais, psíquicos e sociais do uso”. É estimulada pela percepção dos elementos estéticos, tais como forma, cor, superfície. A relação simbólica é estabelecida por associações e ligações, baseadas nas sensações que o usuário possui. LÖBACH (2001, p. 64) defende que “um símbolo é um sinal, um signo que existe para algo”. As funções estética e simbólica possuem

uma relação de associação e proximidade, sendo muitas vezes interdependentes. (LÖBACH, 2001).

Neste contexto de análise, o modelo das funções é bastante útil, porém não contempla a multiplicidade que existe no mobiliário criado pelos irmãos Campana. Ao tentar situar suas criações entre as classificações de funções práticas, estéticas e simbólicas, vários aspectos deixam de ser contemplados e exige-se uma análise mais abrangente. A obra de Susan Vihma contribui para ampliar o modelo de análise, iniciado com o modelo de Martine Joly, que se refere à análise de imagens, não produtos.

6.1.3. O modelo de Susan Vihma

Para Vihma (1995), a análise parte de uma coleta de informações sobre o produto a ser analisado. Este procedimento inclui buscar informações sobre a história do produto, que pode ser encontrada em diversas fontes, como museus, bibliotecas, etc; saber se o produto é ainda comercializado, como são as vendas, os fabricantes, os usuários. A percepção do produto como um objeto tridimensional, avaliando processo de construção, formas, funcionamento por meio de uma observação detalhada. O procedimento seguinte é separar as diferentes partes do produto, como os aspectos funcionais, ergonômicos, técnicos e a composição visual destes elementos. Vihma divide a análise em: produto como ícone, produto como índice e produto como símbolo (VIHMA, 1995, p. 91). Na análise do produto como ícone, são observados aspectos plásticos e relacionados aos processos de design (desde a cor até os materiais utilizados e metáforas pela forma). Na análise do produto como índice, são analisados aspectos formais que indicam funcionamento, fabricação, usos, sensações; na análise do produto como símbolo, são analisados como os símbolos comunicam elementos através da cor, tipologia, posicionamento, disposição, formas, etc.

6.1.4. O modelo adotado e a análise do mobiliário

A análise semiótica dos móveis, com base nos modelos citados anteriormente, apresenta ainda relações atravessadas pelas questões culturais. O formato escolhido para a análise é uma possibilidade de refletir sobre a poética dos irmãos Campana e compreender os possíveis significados, decorrentes dos discursos dos designers, na materialidade de seus produtos26.

A seleção dos móveis para análise foi baseada na observação de alguns móveis parecem exigir uma análise aprofundada, como é o caso da cadeira Favela, que desperta questões relativas a outros temas, como a sugestão de um imaginário brasileiro. A Anêmona foi escolhida por tratar de um tema atual, a relação das pessoas com o ambiente natural, que hoje está ligada ao tema da sustentabilidade. É um móvel que apresenta discussões sobre materiais, sobre aspectos formais e sobre o conceito de metáfora natural. A cadeira Multidão traz uma discussão que se multiplica, assim como seus elementos, apresentando temas como o hibridismo, os deslocamentos, as questões sociais e culturais dos migrantes. Reúne material para discussão de muitos aspectos e representa a multiplicidade do design dos Campana.