3. Revisão bibliográfica
3.5. Classificação molecular dos tumores mamários
3.5.1. Metodologias utilizadas na classificação molecular
3.5.1.4. Microarrays de ADNc
Os microarrays de ADNc são uma metodologia utilizada para determinar a expressão diferencial de milhares de genes simultaneamente, que tem por base o princípio de hibridização de sequências de nucleótidos complementares entre si (Schena, Shalon, Davis & Brown, 1995). Entre as variedades da técnica, destacam-se nesta revisão dois tipos de microarrays. O primeiro, conhecido como microarrays impressos e/ou de duas cores, implica a amplificação por PCR e a purificação de uma elevada quantidade de genes que são, posteriormente, fixados em quantidades picomolares e de forma ordenada, por sistemas robóticos precisos, em diminutos pontos na superfície central de uma única lâmina de vidro ou chip de silício, que, por sua vez, é processado quimicamente de modo a obter-se uma ligação permanente das sequências de ADN (Lodish et al., 2005; Alizart et al., 2012). O ARN das amostras biológicas (p.ex. TM primários, recidivas ou metástases) que se querem analisar é purificado e a sua integridade testada através de kits comerciais apropriados, para depois se proceder à sua ampliação e transcrição reversa, de modo a obter o ADNc, que será marcado com substâncias fluorescentes (p.ex. cianina 3 – Cy3 – ou cianina 5 – Cy5), misturado e adicionado ao microarrays para a respetiva hibridização (Perou et al., 2000; Lodish et al., 2005; Hu et al., 2006; Alizart et al., 2012). Depois, procede-se à lavagem (de modo a eliminar o ADNc não-hibridizado) e capta-se as diferentes intensidades de fluorescência entre as respetivas amostras biológicas, produzidas em função dos diversos níveis de expressão de cada gene, através de um microscópio a laser de varredura. As imagens dos pontos fluorescentes são então processadas por meio de programas informáticos de modo a determinar a intensidade obtida para cada ponto. A cor vermelha intensa indica que as amostras analisadas transcrevem o gene, representado por um
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determinado ponto, num nível muito superior às amostras de referência comuns, e a cor verde revela o oposto. A cor preta manifesta níveis de transcrição semelhantes e a cor cinza indica dados ausentes ou perdidos. Cada coluna vertical representa os dados de uma amostra biológica particular e cada linha horizontal contém os dados de um único gene. Os genes são agrupados de acordo com os seus perfis de expressão (p.ex. Luminal ou Basal), conforme representado na Figura 11 (Perou et al., 2000; Lodish et al., 2005; Khanna & Paoloni, 2009; Prat & Perou, 2011).
Mais tarde, surgiram os microarrays baseados na síntese in situ de oligonucleótidos de uma só cadeia a partir de nucleótidos iniciais ligados covalentemente à superfície de uma lâmina de vidro ou de um chip (Maskos & Southern, 1992). As sequências destes oligonucleótidos (normalmente mais do que uma por cada gene a ser estudado) são produzidas tendo em consideração algoritmos informáticos que reduzem os riscos de hibridizações falso-positivas ou falso-negativas. Neste tipo de microarrays, as amostras biológicas são marcadas com uma única cor e adicionadas separadamente a cada lâmina de vidro ou chip respetivo, para a ocorrência da reação de hibridização. As comparações entre as amostras tumorais são então feitas, utilizando controlos internos de housekeeping. Estes microarrays apresentam como principais vantagens a sua flexibilidade, elevada reprodutibilidade e o facto de analisarem as amostras separadamente, pois, assim, impossibilitam possíveis interferências prejudiciais entre as mesmas. As desvantagens, quando comparados com os microarrays de duas cores, são a necessidade de duplicar o processo para a comparação de duas amostras biológicas e o seu maior custo por unidade (Lodish et al., 2005; Khanna & Paoloni, 2009).
Figura 11 – Análise de agrupamento hierárquico de dados de padrões de expressão genética obtidos através de microarrays de ADNc (adaptado de Prat & Perou, 2011).
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Estas tecnologias de microarrays tornaram possível a determinação de dezenas, centenas ou milhares de genes individuais expressos numa única amostra biológica e do seu nível relativo de expressão. Ao decifrarem padrões de expressão de inúmeros genes, concederam naturalmente maiores avanços no conhecimento genómico funcional, comparativamente com a informação obtida através de outros métodos (p.ex. RT-PCR ou Northern Blot) acerca da expressão de um único gene isolado. Deste modo, esta técnica tem tido um enorme impacto na investigação, nomeadamente, no entendimento dos mecanismos de desenvolvimento e progressão do cancro, na identificação de novos genes associados aos processos neoplásicos, na descrição de vias de sinalização associadas à oncogénese, na revelação de diferenças subtis entre as células tumorais, no desenvolvimento de novos tratamentos e na definição de retratos
moleculares ou perfis genéticos (já anteriormente revistos) que caracterizam subtipos de
tumores com diferentes prognósticos e com distintas abordagens terapêuticas. Estes retratos
moleculares foram identificados a partir da análise de agrupamento hierárquico, que é um
método estatístico utilizado para agrupar casos relativamente homogéneos com base na medição das suas características (ou, mais precisamente, de acordo com as suas expressões genéticas). O agrupamento de tumores pode ser ilustrado por dendrogramas elaborados segundo as semelhanças dos seus perfis genéticos. Os sucessivos agrupamentos originam as correspondentes consecutivas divisões dos respetivos “ramos de árvore” (Figura 11) (Khanna & Paoloni, 2009; De Abreu et al., 2014).
Assim sendo e de um modo genérico, o método de microarrays de ADNc permite a análise qualitativa e quantitativa da expressão genética de múltiplas amostras, com uma reprodução fiel e contínua dos resultados obtidos (Moelans et al., 2011). Contudo, recorre a amostras de dimensões reduzidas que podem não ser representativas das lesões/tecidos, proporciona um perfil de expressão genética para uma média de cancros de mama que poderá não ser adequado para a identificação da expressão de determinadas células neoplásicas resistentes às terapêuticas e/ou raras, não permite a sua análise morfológica, não indica se a expressão genética se deve a
mutações, não refere o número de cópias de genes alterados, ignora as modificações pós-traducionais que regulam os níveis de expressão proteica, requer equipamento técnico
sofisticado, não é apropriada para a análise de amostras fixadas em formol ou embebidas em parafina e implica elevados custos económicos (Gama et al., 2008; Khanna & Paoloni, 2009; Carey, 2010; Reis-Filho & Pusztai, 2011).
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