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Minha experiência com a pintura

CAPÍTULO 4 Descrição da tradução de tela para tela

4.1. Minha experiência com a pintura

Desde jovem, eu sempre pegava os papéis brancos e lápis comuns e começava a desenhar as imagens e a copiar revistas e o que percebia ao meu redor, num início de comunicação imagética, também aprimorada pelo fato de eu usar os sinais que aprendia aos poucos no meu processo de ensino. Percebo, no entanto, que a intimidade do lar e da família e de meus ideais sempre era melhor representada na forma de imagens, estimulando-me a prosseguir como podia, de forma amadora e empiricamente. As cores e as formas me inebriavam. No convívio posterior dentro da APADA, surgiu uma iniciativa do Brasil Desenhado (BD) propondo o aprimoramento dos alunos surdos em desenho, com a contrapartida da APADA de tradução de suas aulas para Libras.

Figura 11 – Aula técnica

Fonte: JUNIOR, 2015

Naquele tempo, o BD treinava todos os tipos de desenhos (principalmente com carvão vegetal) e, durante o processo, chegamos à prática da pintura com uso de tinta, água, pincéis e papéis especiais. Os exercícios me trouxeram uma agradável surpresa e um enorme prazer na realização dos trabalhos. Com essas técnicas e o treino, fui aprovada

72 para o curso com aquarela. Assim, a inspiração tomou conta de mim e decidi me aprofundar ainda mais no desenho.

A primeira pintura feita com aquarela foi chamada de Pingo de Luz (Fig. 9). Essa tela, que é representada por um lago é azul onde se encontram quatro carpas de várias cores e pingos de chuva; foi finalizada e replicada em quarenta cópias impressas em tela, obtendo grande sucesso junto ao público que a recebeu em diferentes situações.

Figura 12 – Pingo de luz (2015), de Hellen Caldas

Fonte: a autora

Em decorrência desse despertar para as artes plásticas, produzi Fundo do mar (Fig. 10), Noite de cerrado (Fig. 11), Surreal (Fig. 12), Árvore da vida (Fig. 13). Tais telas permitem uma comunicação de sentimentos que facilita a compreensão por meio das imagens, desenhos, cores e toda forma de expressão. Seguem alguns detalhes desses meus trabalhos, e aquilo que me motivou.

A tela Fundo do mar foi sugerida pelo BD para conhecermos a técnica com mais água e mais tintas, e me lembrou a animação Procurando Nemo, da qual as crianças tanto gostam.

Figura 13 – Fundo do mar (2015), de Hellen Caldas

73 A tela Noite de cerrado foi de minha inspiração, quando observava a lua na cidade de Brasília, admirando-a e querendo retratar essa beleza. Para essa pintura usei cores escuras misturadas de forma rudimentar e que, no momento da pincelada, acabam se separando e aparecendo no papel.

Figura 14 – Noite de cerrado (2015), de Hellen Caldas

Fonte: a autora

A penúltima tela, Surreal, é decorrente de minhas vivências da infância, quando sonhava com algo que não existia. Gostava de entrar no mundo em que realmente conseguia me expressar. Por causa da surdez, eu pensava que era a única que podia pensar e comunicar essas ideias. Nesse meu mundo, me sentia compreendida e entendia o que eu queria.

Figura 15 – Surreal (2015), de Hellen Caldas

Fonte: a autora

A última tela, Árvore da vida, foi um sonho que tive sobre como trazer para a população o saber e o entendimento de que nosso mundo está sendo destruído. Tive vontade de mostrar que devemos ter essa consciência de que somos capazes de mudar. A tela explica que os seres humanos estão desmatando as árvores. A natureza não aguenta isso e acaba originando furacões, terremotos, tsunamis e muitos outros eventos catastróficos. As folhas da árvore são vermelhas e lembram um ypê, mas no sonho era

74 apresentado como sangue de tristeza, e também como o sangue da criatura humana, que está sendo produzido nas suas raízes. A raiz é um ser humano feminino que ainda não foi completado e que está evoluindo na sua forma, procurando a forma adulta, mostrando que não tem umbigo, mamilos, unhas e cílios dos olhos. O tema também mostra que a natureza e o ser humano são “VIDA”. O céu é azul, mostrando a mudança nas consciências das populações tomando uma atitude de proteção e amor à nossa natureza.

Figura 16 – A árvore da vida (2018), de Hellen Caldas

Fonte: a autora

Trabalhar com o desenho e a aquarela tem sido inspirador, tem me trazido harmonia e equilíbrio interior, além de ampliar meu acesso ao conhecimento do mundo, das culturas, assim como minha resposta aos estímulos, minha criatividade e a capacidade de me concentrar no silêncio.

A pintura também me trouxe um reconhecimento social que me motiva a realizar mais trabalhos. Com as realizações alcançadas e a obtenção do respeito pelas minhas produções artísticas, sinto-me cada vez mais estimulada a continuar pintando. Tenho aprendido a aproveitar o silêncio imposto pela surdez para explorar as sensações por meio da pintura. Assim compreendi que nós, surdos, podemos colocar nossos tesouros internos à mostra de um jeito no qual podemos confiar, isto é, sem medo de nos expor. Dessa forma vai aumentando nossa autoestima e motivação na vida.

Passaremos agora a apontar um possível caminho para a realização de uma análise comparativa que abranja as duas linguagens tratadas por Clüver, a do texto verbal da

75 poesia e o texto pictórico da pintura. Para regrar a análise, será utilizada, como inspiração, a teoria descrita por Claus Clüver em seu texto “Da transposição intersemiótica” (2006). Além da pintura A noite estrelada, de Vincent van Gogh, serão utilizados como objetos desta análise o poema ecfrástico “The Starry Night” (1962), de Anne Sexton, e meu quadro Caminho da luz. O primeiro é considerado o texto de partida; o segundo, o texto intermediário, já que serviu de base para a realização de uma análise formal da pintura e dos procedimentos de tradução intersemiótica empregados, e o terceiro, o texto de chegada. Assim, mesmo sabendo que se trata de duas traduções independentes de uma mesma obra, a primeira foi utilizada como meio para a realização da segunda.