• Nenhum resultado encontrado

Ministério Público: origens e perfil atual

No documento Ministério público e políticas de saúde (páginas 63-66)

2.5 MINISTÉRIO PÚBLICO E DIREITO À SAÚDE

2.5.1 Ministério Público: origens e perfil atual

As origens do Ministério Público são bastante discutidas pela doutrina jurídica especializada. Segundo Hugo Mazzilli (2007) e Marcelo Pedroso Goulart (1998), há estudiosos que identificam o exercício de funções similares às do Ministério Público na civilização egípcia, há mais de 4 mil anos, bem como na antiguidade clássica, ao examinarem a atividade de funcionários designados por reis para a defesa de seus interesses e o desempenho da acusação criminal (GOULART, 1998; MAZZILI, 2007). Nada obstante, para muitos, o Ministério Público nasceu no Século XIV, na França, por meio da Ordenança de 25 de março de 1302, do rei Felipe IV. Naquele período, os soberanos começaram a instituir tribunais regulares para declarar a Justiça em seu nome, fazendo-se necessária uma instituição que pudesse promover os interesses da Coroa e, posteriormente, exercer a acusação criminal (GOULART, 1998; MAZZILI, 2007). A partir dessas raízes é que foi sendo definida a instituição do Ministério Público.

Da representação dos interesses da Coroa, o Ministério Público evoluiu para a defesa dos interesses do Estado e, modernamente, do interesse público, resguardado ainda, no campo penal, o exercício da acusação criminal (GOULART, 1998). Tratando da atuação do Ministério Público no processo civil – seara que interessa a este trabalho –, José Marcelo Menezes Vigliar (1999), em estudo que trata da instituição em países da Europa continental (Espanha, Portugal, Alemanha, Itália e França), América Latina (Uruguai, Paraguai, Argentina, México, Bolívia, Venezuela, Chile, Colômbia), incluindo a análise do anteprojeto de código de processo civil modelo para a iberoamérica, e Estados Unidos, destaca, como traço comum, a atuação, seja como órgão agente, seja como interveniente, quando presente e em defesa de um interesse público (VIGLIAR, 1999). Luís Roberto Proença (1999), de seu turno, examinando o Ministério Público dos Estados Unidos, ressalta que a instituição estadunidense tem características bastante peculiares em relação à brasileira, tendo aquela ativa atuação como parte e menor como interveniente, dedicando-se, em especial, às demandas de interesse coletivo/social (PROENÇA, 1999).

O Ministério Público brasileiro passou por grandes transformações até se consolidar como instituição de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos da Constituição de 1988. Nesse sentido, a instituição partiu da função exercida por seus membros de representantes do Executivo, ainda no Império, para a defesa dos interesses sociais e dos valores democráticos, nos tempos atuais. Essa evolução fez-se a partir das novas demandas sociais e da progressiva conquista de autonomia e independência em relação aos demais poderes do Estado (GOULART, 1998).

As transformações pelas quais passou o Ministério Público brasileiro foram sendo promovidas paulatinamente, a partir de alterações na legislação infraconstitucional, até se consolidarem no texto da Constituição de 1988 e de outras leis que regularam seus dispositivos. Assim, o caminho do Ministério Público para a defesa dos interesses da sociedade tem início com o Código de Processo Civil (CPC), de 1973, no qual se exige a intervenção do Ministério Público de forma ampla em todas as ações em que houver interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).

Relativamente à defesa dos interesses transindividuais – dentre os quais se pode incluir o direito à saúde –, a atuação do Ministério Público começa a ser definida a partir da Lei n.º 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e prevê a legitimidade do Ministério Público para promover ações para responsabilidade civil e penal por danos causados ao meio ambiente. Seguindo a mesma direção, a Lei Complementar n.º 40/81 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público)29 assegurou à instituição a propositura da ação civil pública nos termos da lei, muito embora o instrumento ainda não tivesse seus contornos definidos (ARANTES, 1999).

Coube à Lei n.º 7.347/85 dispor sobre a ação civil pública. Referida lei trata da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, por infração da ordem econômica e à ordem urbanística, como, de resto, para tutela de outros interesses difusos e coletivos. A ação civil pública fez ingressar no ordenamento jurídico brasileiro um instrumento para tutela de direitos cuja titularidade ultrapassa a esfera individual e permitiu

29 Atualmente, a Lei complementar n.º 40/81 está revogada. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público em vigor é a Lei n.º 8.625/93. O Ministério Público da União ainda dispõe da Lei complementar n.º 75/93 e, em cada Estado da federação, os Ministérios Públicos são regidos por uma diferente lei orgânica estadual.

sua utilização, naquela época, por entes estatais, pelo Ministério Público e por associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que tenham por objeto a tutela dos interesses coletivos. O largo uso desse instrumento, posteriormente previsto em outros importantes textos legislativos, como o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, consolidou o perfil do Ministério Público de defensor dos interesses sociais e fez com que a instituição se tornasse ator relevante no processo político,

desencadeando “um processo mais amplo de judicialização de conflitos políticos e, no sentido

inverso, de politização do sistema judicial” (ARANTES, 1999, p. 83).

A consolidação das transformações pelas quais o Ministério Público passou teve lugar na Constituição de 1988. Inicialmente, destaca-se que o Ministério Público ganhou configuração institucional de função essencial à Justiça, sendo dotado de autonomia administrativa e financeira, além de independência funcional (art. 127 da CR/88). Seus membros dispõem das mesmas garantias atribuídas aos membros do Poder Judiciário, em razão do que exercem suas atribuições com autonomia, inclusive em relação aos órgãos internos, já que a hierarquia existente se limita aos aspectos administrativos, deixando de envolver a atividade finalística.

A instituição recebeu a incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88). Entre outras, o Ministério Público tem as funções institucionais de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” e “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos” (art. 129, II e III, da CR/88). No exercício dessas funções, o

Ministério Público toma medidas voltadas para a efetividade de direitos fundamentais em face de particulares e do Poder Público. A importância dessa atuação, sobretudo quando envolvidos direitos coletivos e difusos, é destacada por Marcelo Goulart, para quem “a defesa de interesses coletivos e difusos implica, em regra, interferência em relações estruturais,

portanto, nas relações de produção, de poder e de saber” (GOULART, 1998, p. 104), devendo

ser prestigiada pela instituição.

Em razão da evolução institucional do Ministério Público brasileiro, Maria Tereza Sadek afirma sua singularidade em relação a similares de outros países (SADEK, 2009), opinião essa

compartilhada por Rogério Bastos Arantes, que destaca, como traços distintivos, o amplo conjunto de atribuições na defesa de interesses coletivos e a independência institucional existente para a atuação na área cível (ARANTES, 2012).

Atualmente, portanto, o Ministério Público brasileiro consolidou-se como instituição de defesa dos interesses sociais e de fiscalização dos demais poderes. A autonomia funcional, administrativa e financeira faz com que a instituição, mesmo se inserindo no aparato estatal, possa agir com independência no exercício de suas atribuições constitucionais.

No documento Ministério público e políticas de saúde (páginas 63-66)